ENCONTRO COM O FUNDADOR

 

Era uma tarde clara e brilhante em um dia do inverno de 2003. Estava sentado no sofá da sala de minha casa, o que dá as costas para a janela ao frente do terreno. À esquerda a outra grande janela, do mesmo tamanho que a que estava atrás de mim, deixava entrar alguns raios avermelhados de sol, o qual estava rumo a se pôr no horizonte. Uma música clássica tocava no equipamento de som; o quarto movimento da nona sinfonia de Beethovem. Particularmente gostava muito do coral, que enaltecia meu espírito; pensava sempre ao ouvi-la que o músico já estava surdo quando a compôs e que provavelmente tinha feito aflorar seus íntimos sentimentos a flor da pele para poder perceber as vibrações sonoras que deram origem a tão maravilhosa obra. Que grande gênio!

Em meio a estes devaneios, apareceu o Mestre na moldura da entrada da sala; atrás dele, entrava silenciosamente, com um sorriso nos lábios, o Fundador.  O Mestre disse, fazendo um sinal com a mão e olhando na minha direção: “Senhor, este é o Enrique, de quem lhe falei”. Sem dizer palavra e com o mesmo sorriso na boca o Fundador se aproximou de mim enquanto eu ficava de pé a sua frente; olhou em direção a meus olhos com muita profundidade durante alguns instantes e ato seguido se inclinou colocando sua testa a altura do meu coração, enquanto me segurava firme pelos ombros.

Não sei quanto isto durou, porém a sensação de plenitude que se apoderou de mim foi indescritível; foi como ter alcançado o paraíso e estar em frente do Divino, sem lembranças nem preocupações, como se o tempo houvesse desaparecido e permanecesse a eternidade sem princípio nem fim. A impressão mais eloqüente deste estado foi o sentimento de estar flutuando no ar pendurado por um fio invisível à altura do plexo solar, balançando suavemente em movimentos pendulares. Ao lado, o Mestre sorria complacente.

Como tudo o que é bom dura pouco, o Fundador retirou sua cabeça do meu peito e olhando para o Mestre fez um sinal com a cabeça. Ficou um pequeno resto daquela sensação rodopiando em minha alma, mais certamente será o suficiente para lembrá-la por toda a vida.

Saíram os dois e eu fui atrás. No quintal da minha casa, no gramado da entrada, encontrava-se estacionado um pequeno avião monomotor de quatro lugares; não questionei como fora a parar nesse lugar, mesmo porque sabia que não iria ter respostas. O Fundador se colocou ao volante e o Mestre, a seu lado, disse: “Enrique, suba ao avião que vamos para Buenos Aires”. Sem discutir o pedido subi célere e me acomodei na parte de trás.

Pouco tempo depois estávamos voando em direção a Argentina, sem comentários nem explicações. Ninguém falava nada, cada um estava imbuído em seus pensamentos e assim a viajem transcorreu até avistarmos os primeiros prédios da cidade. O Mestre me pediu que procurasse com o olhar algum lugar perto de alguma praça para aterrissar o avião e estacioná-lo em lugar seguro. Comecei a procurar sem perceber o absurdo do pedido: Como poderia um avião aterrissar e estacionar em uma praça central de uma grande metrópole?. Como poderia ter descido no quintal de minha casa?.

O avião voava em círculos esperando minha informação para a aterrissagem; de repente avistei uma grande praça rodeada de prédios baixos e com uma larga avenida na lateral, o que sem dúvidas permitiria o pouso. Assim transmiti minhas impressões ao motorista, que sem deixar de sorrir lançou o avião na direção indicada; a manobra foi tão brusca e inesperada que quase caio pela janela, não fosse uma barra de cano galvanizado que estava do lado do assento e que serviu para assegurar-me.

Quando percebi já estávamos no chão, em frente à praça; não sei como o Fundador conseguiu aterrissar em meio a tantos veículos circulando pela avenida, mas de qualquer forma estávamos em terra firme, o que não deixou de ser um alivio para mim que não confiava muito em aviões pequenos. Na verdade tinha um pouco de medo dada a fragilidade do aparelho em que viajamos.

Depois de estacionar descemos e nos dirigimos a uma casa grande que se encontrava do outro lado da rua. Uma larga escadaria com aproximadamente dez degraus ia da calçada até o portal de entrada. Subimos os três e nos encaminhamos em direção da portaria. Outra escada, menor que a anterior, subia até um pórtico coberto; ao final uma porta de madeira marrom escura introduzia a um átrio interno, sem móveis nem enfeites de qualquer natureza. O Fundador e o Mestre continuavam sorrindoem cumplicidade. Eu, serio, aguardava...

Esperávamos já alguns minutos em silêncio quando de repente uma porta lateral se abriu deixando passar uma senhora morena de cabelos lisos, alta e forte, vestindo uma túnica longa de cor cinza escuro. Segurava em baixo do braço direito um grande e grosso livro de capa preta. Ao ver-nos, sorriu e fez um sinal com o braço livre como que cumprimentando a todos. O Mestre tornou a repetir as palavras que dissera ao Fundador quando os dois apareceram em casa, apresentando-me à senhora. Ela, sem deixar de sorrir olhou em meus olhos durante alguns instantes, e balançou a cabeça afirmativamente como dizendo que sim; eu não sabia o que significava, mas gostei de ser ´aprovado´. O Fundador olhou para mim piscando um olho sorrateiramente. O foi impressão minha?

Seguidamente a senhora fez sinal para entrarmos todos à casa pela porta que ela usara para sair ao átrio. Nesse instante, quando todos estávamos entrando, apareceu um jovem correndo para me avisar que a policia rodoviária havia guinchado minha caminhonete preta porque estava mal estacionada. Pedi licença com o olhar à senhora, e desci correndo as escadas em direção à rua; virei à direita pela calçada e vi o veículo no outro quarteirão sendo levado pelos guardas. Alcancei a comitiva e disse a aquele que parecia o comandante do grupo que não poderiam fazer isto comigo, estava a ponto de casar-me e a noiva estava esperando. Além do mais deveríamos usar o carro para sair depois do casamento.

O guarda olhou para mim, coçando a cabeça, e concordou com meu pedido. Mandou aos outros liberarem o carro, e eu, muito alegre pelo feito, retornei à casa guiando, disposto a participar de meu próprio casamento. Então, confuso por tudo, acordei!