Acadêmico: Juliano Vilmar dos Santos
Professora: Iara de Oliveira

O filme Encontrando Forrester relata a história de um escritor consagrado, ganhador do prêmio Pulitzer de literatura, que há 40 anos opta por uma vida de total reclusão, escondendo-se num apartamento no Bronx, bairro negro de New York. O misterioso morador, que jamais aparece na janela aberta, protegida por uma cortina transparente, chama a atenção de um grupo de garotos que diariamente jogam basquete numa quadra localizada logo abaixo do apartamento. Jamal Wallace, garoto de 16 anos, destaque-se como bom jogador, mas também possui brilhante talento literário. Para provar aos companheiros, que descobriria alguma coisa a respeito do misterioso morador, entra sorrateiramente naquele lugar solitário, mas acaba sendo flagrado e foge esquecendo a mochila da escola repleta de cadernos com suas redações. Dias depois, o misterioso morador, joga pela janela a mochila. E Jamal descobre que seus textos haviam sofrido avaliações em caneta vermelha. As avaliações apresentavam sugestões críticas e despertaram extrema curiosidade no garoto, que depois, retorna ao apartamento para se desculpar pela invasão e para entender o quê o misterioso morador queria realmente afirmar a respeito das composições por ele avaliadas. A partir daí, começa a se desenvolver uma grande amizade entre o solitário escritor Forrester e Jamal: o jovem e brilhante estudante de literatura.
O filme aborta a questão da autoria textual dentro do contexto acadêmico: Jamal é um excelente atleta e obtêm uma boa pontuação num teste realizado por uma escola de brancos e de tradição literária conservadora, em Manhatan. Sair de uma escola para negros e ingressar em outra, de tradição branca e burguesa, torna-se um grande conflito para a personagem. Além da questão cultural e racial, que geram a discriminação, o roteiro do filme questiona o papel da academia totalmente voltada às regras e conceitos que norteiam a arte de escrever. Um professor e escritor fracassado - e mal humorado ? manifesta de maneira feroz sua indignação com relação ao "plágio", que afirma ter sido cometido por Jamal numa redação, para um importante concurso acadêmico. Entretanto, o "plágio" não passa de uma forte influência de estilo do velho Forrester, na composição de Jamal. Esta questão das "influências" é algo enfocado no ensaio do professor de Teoria Literária, Philippe Willemant, quando afirma que o papel do crítico não está exatamente em analisar qual tipo de texto, considerado como tradicional, o autor se orienta para compor sua própria obra. "O crítico não deve detectar a inspiração que o artista teria encontrado na tradição, mas procurar aquilo que, na criação dele, continua a tradição".
Forrester escreveu um único livro e é uma lenda viva. Sua obra é considerada modelo para as concepções acadêmicas, como se fosse algo estático e nada fluídico, no sentido da inovação, ou da transformação. O retrato do autor compõe a galeria de outros grandes autores expostos numa parede da escola, como se fossem algo inatingível e sempre correndo o perigo de sofrer "plágios" dos novos escritores. Segundo Willemant a obra não deve ser considerada uma extensão do artista "(...) os antigos viam uma relação estreita (...) entre o homem e o universo, como se um reproduzisse o outro". E acrescenta ainda o professor que, em primeiro lugar, é venerada a pessoa e a genialidade do artista e não suas obras. É evidente, que não estaria este conceito desprezando a obra, já que foi ela quem "revelou o gênio". Mas geralmente a crítica "a vê como conseqüência do gênio". Isto é, neste sentido, determinada parcela da crítica, e mesmo do meio acadêmico, como é colocado em Encontrando Forrester, não se dá conta de que a genialidade da produção literária ocorre "porque o artista se submeteu à linguagem usada e soube explorá-la (...) e somente em seguida, descobriu nela o novo que dará uma obra inédita".
O professor amargurado procura amedrontar os alunos e estabelece regras que não devem ser questionadas, como no caso de Jamal, possuidor de um estilo que lembra determinado autor, como se isso fosse algo criminoso. Mas é encontrada uma antiga revista, um texto de Willian Forrester com o mesmo título da obra do acadêmico, inscrita para o concurso literário, tornando-se a prova cabal de que aquele "excluído" não teria capacidade suficiente para produzir um texto de excelente qualidade. O roteiro do filme costura de maneira coerente a questão do indivíduo inserido em um meio que não o aceita pela sua condição social e pela sua origem negra. O contraste, neste caso, passa a ser um empecilho e não uma somatória. Entretanto, o "vencedor" do clichê cinematográfico hollywoodiano só poderá ser aquele que domina com seu talento corporal uma bola numa quadra de basquete para tornar vitoriosa a escola, cheia de preconceitos burgueses, num campeonato esportivo. Mas a personagem negra e excluída jamais poderia ser intelectualmente articulada e fascinantemente talentosa nas artes literárias. Isso foi demais para o professor frustrado ter de engolir.
De certa maneira, conflito do professor irritadiço, interpretado de maneira impecável por F.Murray Abraham, que já havia demonstrado competência na montagem de personagens como: o inquisidor medieval em O Nome da Rosa e no algoz de Mozart, em Amadeus; enquadra-se nas palavras do ensaísta Ivan Teixeira. Pois a grande preocupação do professor era a de enquadrar o texto de Jamal dentro de uma escola, de um estilo. Ou de onde o aluno teria "surrupiado" idéias para produzir um texto de excelente qualidade, já que na sua elitista concepção crítica e teórica, jamais um rapaz negro e de classe inferior, poderia produzir uma bela obra por conta própria. Falando a respeito da lingüística estrutural, que privilegia o texto em detrimento do autor, numa concepção "formalista", Teixeira afirma que o significado de uma obra literária "decorre das relações entre as partes significantes do discurso, e não da psicologia do indivíduo, razão pela qual a teoria formalista privilegiou o texto em desfavor do autor". Sendo assim, roteiro do filme mostrou que o preconceito da personagem perversa, ou a perversidade do preconceito, "bailou na curva", ao mostrar que o quê parecia grotesco para o professor: um negro criado num gueto marginalizado, de forma alguma poderia produzir um texto inteligente, sensível e de valor literário.
A personagem Jamal Wallace possui certa similaridade com Buscapé, de Cidade de Deus, de Walter Salles. Ambos detonam a velha tese científica de que o meio produz o sujeito e que este último traça seu itinerário de acordo com as condições históricas e culturais desse meio. Jamal poderia ser mais um revoltado do gueto negro do Bronx, mas seguiu sua estrela e se articulou para contestar o ranço literário do "academicismo estático", tornando-se um excelente escritor. Buscapé, por sua vez, poderia ser mais um detento superlotando os cadeiões cariocas, ou ser mais um presunto desovado em qualquer encruzilhada urbana. Mas resolveu também seguir sua vocação e se tornou repórter fotográfico para capturar imagens de um cotidiano caótico num tempo e num espaço nebulosos.
Encontrando Forrester, não chega a ser um cult-muvie. Se for analisar mais detalhadamente o conjunto da obra é impossível dissociá-la da idéia básica, carregada de clichês, do cidadão americano preocupado em superar seus limites, para tornar-se símbolo de competência, de técnica e de poder. A única coisa que o difere do estilo Sessão da Tarde é o olhar sensível da câmera que se volta para o aleijão, para o marginalizado; que desta vez deu a volta por cima, em se tratando daquilo que perece óbvio: talento não tem cor, nem sexo, nem tradição cultural. A exibição do filme aos alunos do oitavo período de Letras, na disciplina: Crítica Literária trouxe uma boa possibilidade, aos alunos, de experimentar na prática, os textos a respeito de teoria e crítica, fornecidos de maneira competente pela professora doutora Iara de Oliveira.