Edson Silva

 

Recentemente, amigos me desafiaram a escrever algo sério, que fosse poético e especialmente que provocasse conscientização nas pessoas em relação às enchentes. Minha primeira reação foi que não seria fácil poetizar situações tristes em que vemos pessoas das mais diversas camadas sociais, principalmente as que quase nada tinham, desesperadas no meio de inundações, com o que restou de suas casas, móveis e eletrodomésticos cobertos de água ou de lama. Resolvi então que “entrevistaria” os principais culpados dessas situações.

 

A chuva, que desde dezembro não para de cair em grandes quantidades sobre a terra, disse ter pouco a declarar. Ela alegou que tudo é conseqüência do aquecimento global e de um tal de “El Nino”. Portanto, não era a culpada e se houvesse alguém culpado pelas calamidades ocorridas em função de seu abundante pranto, que simpáticos agentes de Defesa Civil, com seus coletes cor de laranja, classificavam como Chuva (CH), Pancada de Chuva (PC), Chuvisco (CV) ou Pancada Isolada de Chuva (PI), eu devia procurar em outro lugar. Antes de a chuva tornar-se mais ácida, nuvens carregadas, sujeitas aos raios e trovoadas, já me alertaram que era hora de encerrar a entrevista.

 

Fui em busca de outros personagens principais das tragédias, os rios, córregos e ribeirões e ouvi histórias terrivelmente iguais e muito tristes, acho que não venceria o desafio de escrever algo poético. Em linhas gerais, todos disseram ter nascido livres e cercados pelas árvores nativas que, como mães cuidadosas que eram, lhes guardavam as nascentes e os leitos. Caudalosos, eles também geraram seus filhos, os peixes que nadavam livres, se alimentavam de algas e planctos, uma harmonia comparável ao Jardim do Éden, o Paraíso Terrestre. Sem egoísmo, as águas límpidas e mesmo os próprios filhos peixes serviam para matar a sede e alimentar os humanos.

 

Tudo aquilo mudou numa fração de tempo. A limpidez da água foi maculada com esgotos e outros resíduos tóxicos. A mãe (mata ciliar) começou ser abatida violentamente, fazendo que a areia e o barro invadissem nascentes e leitos, deixando-os menos capazes de escoar as águas da chuva, que chegavam maiores quantidades e sem qualquer resistência. O lixo doméstico começou a fazer crosta junto com “colares” de garrafas plásticas sobre as águas, agora turvas e mal cheirosas. E os filhos peixes? Ah, estes morreram aos milhões e nem viram as lágrimas manchadas de seus pais (rios, ribeirões, riachos e córregos...)

 

Estranhamente, as terras nuas onde estavam matas ciliares ganharam arremedos de casas, com barracos e choupanas, construídas quase que dentro dos rios. Afogados por areia, poluição e lixo, rios, ribeirões e riachos não tinham mais como conter as chuvas. Livres dos leitos, as águas avançavam pelas margens, carregando ratos, escorpiões,cobras e baratas, seres viventes que em nada lembravam os filhos peixes. Depois das margens vinham casebres, com móveis e tudo pela frente destruídos para revolta dos moradores. Com ondas e enxurradas, rios, ribeirões, riachos e córregos ainda tentavam murmurar: “Desculpem, eu sempre estive aqui e era comportado. Jamais invadi nada!” Amigos, me desculpem pela falta de poesia.        

 

Edson Silva, 48 anos, é jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré

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