Muito se discute acerca da exigência de apresentação de demonstrações contábeis, como forma de qualificação econômico-financeira em licitação, quando o interessado se trata de empresa optante pelo SIMPLES NACIONAL - Lei Complementar nº 123/06 -, isto porque, referido diploma legal, torna opcional a feitura de escrituração contábil e, conseqüentemente, elaboração de demonstrações contábeis por parte dessas entidades de pequena monta.

Embasados nisto, é que resolvemos transcorrer sobre o tema em análise, objetivando, pois, por meio deste singelo trabalho, encontrar uma solução plausível a tal indagação que aflige grande parte daqueles que militam na área das licitações e contratos administrativos.

Com efeito, o Estatuto da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar nº 123/06) veio a lume para concretizar norma constitucional contida no art. 146, inc. III, alínea d, da CF, que dispõe:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

...

III- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

...

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (grifamos)

Trata-se, pela simples análise acima, de disposições que se referem a legislação tributária, em nada intervindo quanto às normas condizentes com o Direito Civil.

Fundando-se nesta norma constitucional, a Lei Complementar nº 123 trouxe em seu bojo as regras definidoras do tratamento diferenciado e favorecido das micro e pequenas empresas e, entre estas, destaca-se a que diz respeito à faculdade dessas entidades de pequena monta manterem escrituração contábil, mesmo que simplificada. É a disciplina contida no art. 27. Vejamos:

Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor. (grifamos)

Nestes termos, as disposições emanadas da Lei Complementar em referência somente dizem respeito, repita-se, à matéria tributária, conforme bem delimitou o art. 146, III, d, da CF. Assim, a opcionalidade das micro e pequenas empresas manterem escrituração contábil refere-se, única e tão-somente, a regras de fiscalização tributária, não as desobrigando com referência às normas civis.

Pois bem, se assim é, devemos buscar no Código Civil, especialmente no Livro II, que trata do Direito de Empresa, a regra geral sobre a obrigatoriedade de elaboração de Demonstrações Contábeis, por parte de qualquer tipo empresarial.

Neste mister, oportuno é de se transcrever as regras contidas no art. 1.020, que dispõe:

Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. (grifamos)

Analisando-se a norma contida neste diploma legal, fica evidente que, para fins civis, todas e quaisquer entidades, sejam elas de pequeno, de médio ou de grande porte, devem elaborar anualmente as demonstrações contábeis básicas que se resumem em: Balanço Patrimonial e Demonstração do Resultado do Exercício.

Mesmo assim, se não bastasse essa afirmação acima, no que diz respeito a procedimento licitatório, é de suma importância para a Administração Pública aferir se seus proponentes possuem condições de arcar com os encargos financeiros decorrentes da execução contratual que está por vir. Com esse fundamento, o Estatuto das Licitações e Contratos, em seu art. 31, inc. I, elencou, como forma de se proceder a tal exame, que os interessados apresentassem Balanço Patrimonial e demais demonstrações contábeis que comprovem a boa situação financeira da empresa.

Sobre o assunto, assim é a lição do insigne Prof. Edimur Ferreira de Faria, para quem:

Qualificação Econômico-Financeira: [...] o licitante contratado executará parcial ou totalmente o objeto da licitação às suas expensas, para recebimento posterior. Sendo assim, é necessário que a Administração verifique previamente se os concorrentes têm condições econômico-financeiras suficientes para suportarem os ônus decorrentes da contratação futura.[1]

Ou ainda, para realçar, as eternizáveis lições do saudoso Hely Lopes Meirelles destacam que:

Idoneidade Financeira, agora denominada qualificação econômico-financeira, é a capacidade para satisfazer os encargos econômicos decorrentes do contrato, aferida, em princípio, pela boa situação financeira da empresa e pela inexistência de ações que possam afetar seu patrimônio. Para tanto, a lei admite a exigência de demonstrações contábeis do último exercício financeiro.

[...]

Todos esses elementos são hábeis a demonstrar a posição financeira da firma e a permitir a verificação das suas possibilidades de execução do futuro contrato no que tange aos encargos econômicos que ficarão sob sua responsabilidade.[2]

Desta feita, cabe à Administração Pública, zelando pelo bem-comum, que constitui sua finalidade institucional, exigir de seus proponentes a apresentação de demonstrações contábeis com a finalidade de averiguar se tais interessados possuem condições financeiras de arcar com os encargos decorrentes do vindouro contrato, independentemente de serem optantes pelo Simples Nacional ou não.

No mesmo sentido, é a lição do ilustre Prof. Carlos Pinto Coelho Motta, quando, ainda sob o regime da antiga Lei nº 9.317, de 05/12/96 - que dispunha sobre o regime tributário diferenciado das MEs e EPPs -, que também dispensava a escrituração contábil de tais entidades, afirma que:

Mesmo as empresas optantes pelo Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, Lei 9.317, de 5/12/96) devem apresentar, para habilitação, o balanço patrimonial, em face da exigência do inciso I do art. 31 em comentário.[3]

Pelo antes exposto, conclui-se que, quer seja pelo fato de as normas contidas na LC nº 123/06 referirem-se apenas a matérias afetas a tributação, quer seja pelo fato de a Administração Pública estar obrigada a aferir a real capacidade do proponente contratante em assumir os ônus decorrentes do futuro contrato, impõe-se a apresentação, mínima, do Balanço Patrimonial e Demonstração do Resultado do Exercício relativamente ao último exercício social, quando exigido no instrumento convocatório, como documentação relativa à qualificação econômico-financeira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. 10ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.




[1] In Curso de Direito Administrativo Positivo, 6ª ed., Ed. Del Rey, 2007, pág. 370.

[2] In Licitação e Contrato Administrativo, 14ª ed., Ed. Malheiros, 2006, pág. 153.

[3] In Eficácia nas Licitações e Contratos, 10ª ed., Ed. Del Rey, 2005, pág. 303.