1. INTRODUÇÃO

Pretende o presente estudo, de maneira prática e sucinta, abordar os temas mais relevantes da rotina jurídica das chamadas "empresas estatais", tais como seu regime e natureza jurídicos, conceitos, questões processuais e econômicas, a relação desses entes com o poder público bem como sua sujeição parcial ao regime jurídico de direito público.
Não é interesse deste artigo didático em criar um compêndio teórico sobre o assunto ou tampouco esgotar o tema, mas tão somente trazer a lume as questões recorrentes desses entes administrativos altamente peculiares, principalmente sobre a ótica de suas divergências e convergências ao regime jurídico especial a que pertencem - ora público, ora privado - e suas conseqüências.

2. DEFINIÇÕES E CONCEITOS

Para melhor compreensão do presente artigo, faz-se necessária a distinção e definição do que se denomina: empresa estatal, empresa pública e empresa ou sociedade de economia mista.
Valioso é o magistério do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2006), ao ponderar que os conceitos de empresa pública e sociedade de economia mista atualmente aceitos pelo Direito não são os que o Decreto-Lei 200/67 posteriormente modificado pelo Decreto-Lei 900/69 nos traz, em função de sua impropriedade conceitual que nos trouxe o legislador ordinário. Os conceitos aqui trazidos são frutos de uma imposição lógico-doutrinária, amplamente aceita por todos os que dela se utilizam.

2.1. Empresa Estatal ou governamental
Expressão de pouco valor científico e altamente genérico, devemos entende-la como gênero das espécies Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista. São as Empresas Estatais pertencentes ao que se denomina "Administração Pública Subjetiva", participantes do Regime Jurídico da Administração.
Na acepção formal, não existem ?empresas estatais?, servindo tal parâmetro apenas para designar, nas palavras de DI PIETRO (2009):

"todas as entidades, civis ou comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição faz referência."

Portanto, empresa estatal nada mais é que criação doutrinária para designar os entes da Administração Pública que, de forma ou outra, atuam na exploração de atividade econômica.
As empresas estatais são o modo que o Estado encontrou para sanar possíveis deficiências que o mercado não supriria (recentemente, no setor de internet, com a reativação da Telebrás, por exemplo), atuando de modo mínimo, em consonância com a política neoliberal adotada por grande parte da economia global (pelo menos em teoria). São, portanto, entes da administração pública indireta, vinculadas ao órgão criador.
Assim, no entendimento de MEIRELLES (2006):

"As empresas estatais são instrumentos do Estado para a consecução de seus fins, seja para atendimento das necessidades mais imediatas da população (serviços públicos), seja por motivos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo (atividade econômica). A personalidade jurídica de Direito Privado é apenas a forma adotada para lhes assegurar melhores condições de eficiência, mas em tudo e por tudo ficam sujeitas aos princípios básicos da Administração Pública. Bem por isso, são consideradas como integrantes da Administração indireta do Estado."

2.2. Empresa Pública
Emprestamos de GASPARINI (2008) o conceito de Empresa Pública que a define com primazia, sendo esta:

"A sociedade mercantil, industrial ou de serviço, constituída mediante autorização de lei e essencialmente sob a égide do Direito Privado, com capital exclusivamente da Administração Pública ou composto, em sua maior parte, de recursos dela advindos e de entidades governamentais, destinada a realizar imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, ou, ainda, à execução de serviços públicos"

Podemos citar como exemplo desses entes, na esfera federal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ? BNDES, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ? ECT, Caixa Econômica Federal ? CEF, entre outros.

2.3. Empresa ou Sociedade de Economia Mista
Entidades de maior expressão dentre as empresas estatais, as sociedades de economia mista são uma espécie de transição entre o público e o privado vez que, como se depreende de sua denominação, seu capital é composto por bens públicos e privados. Ainda sob o respaldo de GASPARINI, essa entidade é definida como:

"A sociedade mercantil industrial ou de serviço cuja instituição, autorizada por lei, faz-se, essencialmente, sob a égide de Direito Privado, com recursos públicos e particulares, para a realização de imperativos necessários à segurança nacional ou de relevante interesse da coletividade, cujo capital social ou o votante pertence em sua maioria à Administração Pública sua criadora"

São exemplos desse tipo de organização empresarial, na esfera federal, Petróleo Brasileiro S.A. ? Petrobras, Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - Eletrobras, Banco do Brasil S.A. ? BB, entre outros.

2.4. Análise econômico-jurídica das empresas estatais
As estatais participam da Intervenção, instituto de Direito Econômico, remetendo nós à ação idealizada pelo Estado no domínio econômico, valendo-se de mecanismos de disciplinamento da economia, incluindo nestes as estatais. A intervenção estatal na economia é incompatível com o modelo econômico neo-liberalista brasileiro, cabendo raras exceções, como veremos.
A não-intervenção é a regra, a intervenção, exceção, que se justifica por sua excepcionalidade, conforme se lê no Art. 173, caput da CR/88 que, ressalvados os casos previstos na Norma Maior, a exploração de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
São as estatais, portanto, parte de um conjunto de ferramentas à disposição Estatal para a consecução da política econômica ideal, conforme os ditames constitucionais.
Hodiernamente, percebemos um movimento acentuado no sentido de se supervalorizar a importância e as possibilidades de atuação das estatais, ainda que a Constituição seja expressa em vedar a exploração econômica direta por parte do Estado, conforme exposto.
Comungamos do magistério de GASPARINI (2008) ao afirmar que:

"As empresas públicas quando interventoras da atividade econômica somente serão legítimas se observarem o mencionado regime constitucional, cabendo, obrigatoriamente, ao Estado (União, Estado-membro, Distrito Federal e Municípios) reexaminar se as atuais empresas públicas destinam-se a realizar imperativos de segurança nacional ou relevantes interesses coletivos, mantendo as assim consideradas e privatizando as desgarradas dessa destinação. A manutenção das empresas que não cumprem imperativos da segurança nacional ou que não realizam relevantes interesses coletivos afronta o dispositivo no Art. 173 da Lei Maior."


3. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DO COMANDO CONSTITUCIONAL

As empresas estatais carecem de regulamentação através de lei ordinária que, segundo a Carta Republicana de 1988, deveria dispor sobre sua função social, fiscalização e controle, sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto aos direitos e obrigações, licitação e contratação, dentre outros assuntos não menos importantes. Vejamos o § 1º do Art. 173. Da CR/88:

(...)
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade. (grifos nossos)
(...)

De ver-se que a omissão legislativa supra mencionada dá azo a situações conflitantes (e, em alguns casos, até possíveis ilegalidades) no entrelace Estado ? Mercado, vez que, a Administração Pública, para atuar no Mercado altamente concorrencial como é fato notório do século presente, necessita ser ágil, eficaz, empreendedora e competitiva, o que não se coaduna com os ditames, princípios e atuais paradigmas da Administração Pública Contemporânea.
Felizmente, tramitam nas Casas Legislativas Federais Projetos de Lei com o objetivo de regulamentar a indesejada omissão, adequando os parâmetros de atuação dessas empresas a suas necessidades operacionais cotidianas.

4. SUJEIÇÃO DAS EMPRESAS ESTATAIS AO REGIME PRÓPRIO DAS EMPRESAS PRIVADAS E SUAS IMPLICAÇÕES.

As empresas estatais estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas. O comando constitucional é claro ao realizar tal assertiva, mas o fato de pertencerem à Administração Pública pode levar a uma interpretação antinômica já que os sistemas jurídicos público e privado são, por excelência, antinômicos. Ora, como pode um ente público se sujeitar-se ao regime jurídico privado? Faz-se necessário compreender o âmbito de aplicação e os limites dessa ?liberdade? privada constitucionalmente concedida.
Em verdade, a antinomia é aparente, dado que as empresas estatais pertencem a um regime jurídico híbrido, mesclando institutos de direito público e institutos de direito privado. A regra é aquela descrita na CR/88, qual seja, as empresas estatais se sujeitam ao regime próprio das empresas privadas, mas, como se trata de ente da administração pública, tal regime jurídico é parcialmente derrogado pelo direito público, naquilo que os textos legais ou constitucionais assim disporem.
Mas o que essa situação jurídica representa de fato no cotidiano e nas possibilidades de atuação destes entes? Ao compreendermos a questão de que o regime das empresas estatais é privado em regra e público em exceção, invertemos a lógica da administração pública e ingressamos em um ponto bastante específico: o princípio da legalidade. Como interpretarmos, sob a ótica de atuação destes mecanismos de ação do Estado, o Princípio da Legalidade, também conflitante se analisado sob a ótica pública ou sob a ótica privada?
O Princípio da Legalidade, de base altamente filosófica e política, fundado sob os pilares do movimento iluminista e positivado em nosso ordenamento jurídico através de mandamento constitucional (Art. 5º, II, CR/88), exprime, de modo sucinto, as seguintes máximas: "Ao particular é licito realizar tudo aquilo que a Lei não proíbe" e "Ao Estado é licito somente realizar aquilo que a Lei lhe permite". Percebem-se, com estas simples assertivas, as fortes contradições entre os sistemas jurídicos, já anunciadas anteriormente neste artigo.
Mais uma vez, em razão de seu regime híbrido e precipuamente privado, as empresas estatais gozam da liberdade de "realizar tudo aquilo que a Lei não proíbe". Entretanto, para essas pessoas jurídicas, a lei restringe em mais pontos que o particular as suas ações, v. g., o regime de compras (para o particular, autonomia da vontade, para as empresas estatais, a regra da licitação, já que a lei expressamente inclui estes entes no regime jurídico licitatório). Não fosse a inclusão legal expressa, haveria para estes entes a possibilidade de atuarem como se particulares fossem, assim como é no que tange aos pontos não restritos por lei.
Não obstante tais possibilidades liberais, as empresas estatais, assim como os demais entes da Administração Pública, não estão livres de cumprirem os princípios constitucionais inscritos no Art. 37, caput da CR/88, a saber: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

5. ASPECTOS JURÍDICOS ESPECÍFICOS

Sem intentar o esgotamento de temas específicos e atinentes ao dia-a-dia jurídico de uma empresa estatal, pretendemos neste capítulo pontuar de modo bastante sucinto as principais características, poderes e sujeições das empresas estatais, senão vejamos:

5.1. Criação, Alteração e Extinção das Empresas Estatais
O Texto Constitucional é bastante claro no que tange à criação das empresas estatais, assim dispondo o inciso XIX do Art. 37 CR/88, com a redação dada pela EC n° 19/98:

"XIX ? somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;"

Vê-se que, diferentemente das entidades da administração pública indireta eminentemente públicas (autarquias e fundações), as empresas estatais não são criadas por lei. A lei apenas autoriza a sua criação, ficando a cargo do Poder Executivo competente as devidas providências para a formalização da nova Pessoa Empresarial.
O Poder Executivo, executor fiel das leis cunhadas pelo Poder Legislativo, não atua com autonomia de sua vontade, conforme já dito alhures. Em função do princípio constitucional da legalidade, suas ações são necessariamente vinculadas à Lei, o que não difere no que diz respeito às empresas estatais, devendo a empresa ser criada nos estritos limites da lei que autoriza sua concepção.
Outros temas referentes ao funcionamento dessas entidades públicas que dependem de autorização legal são as transformações na sociedade, em função do princípio do paralelismo de forma ou hierarquia. O conteúdo do referido princípio informa que, aquilo que foi criado mediante autorização legislativa, somente através da mesma autorização poderá ser modificado ou extinto.
Tal sistemática não poderia ser imaginada de outra forma: se o Poder Executivo pudesse realizar modificações, de nada adiantaria o diploma legal com os regramentos, ditando os interesses coletivos, frente à volatilidade dos regulamentos executivos, sem prejuízo de afronta ao princípio-base da República Federativa, o princípio da independência dos poderes (Art. 2º, CR/88).
Situação divergente reside no fato de as empresas estatais estarem ou não sujeitas ao regime de falências, diante dos vários fatores que diferenciam estas empresas das empresas particulares, não obstante o intento do Constituinte em equipará-las às empresas privadas quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
A ?Lei de Falências? (Lei 11.101/05), por expressa determinação contida em seu Art. 2º, exclui de seu regime as empresas públicas e de economia mista. Para Diógenes Gasparini (2008), sua exclusão frente às empresas interventoras na atividade econômica é inconstitucional, visto a equiparação constitucional destas empresas com as particulares.
Ora, como imaginar a falência de dada empresa estatal se, conforme visto anteriormente, o encerramento se faz necessariamente do mesmo modo que a abertura, ou seja, mediante autorização legislativa? Por que motivos a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) veda a possibilidade de prestação de garantia pelas empresas estatais, inclusive as não-dependentes, senão para fins de honrar, em nome da empresa da qual é proprietária, uma possível crise de liquidez das referidas empresas?
Não pretendemos solucionar tal impasse, dada sua complexidade fatídico-jurídica, cabendo a nós tão somente suscitar a dúvida neste artigo diante da importância prática de tal entrave jurídico.

5.2. Contratação de Pessoal, regime jurídico e demissão
A base constitucional das empresas estatais, inscrita no Art. 173 da CR/88, em especial o inc. II do § 1º, não deixa dúvidas acerca da vinculação destes entes ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no que diz respeito às relações trabalhistas:

§ 1º - A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (grifamos)

Conclusão lógica deste preceito traduz-se no fato de que as contratações de pessoal das empresas estatais se dão pelo regime típico afeto aos particulares: regime celetista.
Não obstante o fato de serem celetistas e de pertencerem fundamentalmente ao regime jurídico das empresas privadas, a Constituição Federal de 1988 não abandonou a obrigação das empresas estatais de contratarem seus empregados públicos ? assim devidamente denominados os empregados das empresas estatais ? através de concurso público. É o teor do Art. 37, II da CR/88:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (grifamos)

Frente à previsão constitucional acerca da obrigatoriedade de contratação de pessoal mediante concurso, poder-se-ia idealizar que tais empregados gozam da estabilidade constitucional, disposta no Art. 41 do Texto Magno, o que não condiz com uma realidade.
Diversas ilações de cunho lógico-jurídico foram travadas acerca de tal situação, de modo que o Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento que há tempos já vinha sedimentando-se pela jurisprudência trabalhista. A Administração pública, quando contrata seus empregados, equipara-se ao empregador privado, de tal modo que o empregado celetista não é beneficiado pela estabilidade descrita no artigo 41 da CR/88, o qual é dirigido apenas ao regime de caráter administrativo strictu sensu (direta, autárquica e fundacional). Cavalcante (2010), afirma que:

"Nem mesmo a exigência de aprovação em concurso público seria elemento capaz de estender ao empregado público a estabilidade constitucional, por ser o concurso apenas um aspecto moralizador da contratação na Administração pública."

Diante de tais debates, a Súmula 390 do TST veio no sentido de corroborar os entendimentos dos tribunais:

Súmula nº 390 - TST - Conversão das Orientações Jurisprudenciais nº 229 e 265 da SDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SDI-2
Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional - Empregado de Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.

Outra tendência acerca dos atos de demissão afetos às empresas estatais reside no fato de não ser o ato necessariamente justificado, em conflito aparente com o princípio da motivação dos atos públicos. A jurisprudência trabalhista pátria vem sedimentando o seguinte entendimento:

REINTEGRAÇÃO ? MOTIVAÇÃO DA DISPENSA DO EMPREGADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA ? A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho pacificou-se no sentido de que não se estende aos empregados celetistas da Administração Pública Indireta a garantia de dispensa necessariamente motivada ou mediante procedimento administrativo, por força da aplicação do art. 173, §1º, II, da Constituição Federal de 1988. (TST. Decisão 06.02.2002. Proc. RR num. 672.575).

DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A empresa estatal, seja qual for o seu tipo, dedicada à exploração da atividade econômica, está regida pelas normas trabalhistas das empresas privadas, por força do disposto no art. 173,§1º, da Constituição Federal. Assim, dada a sua natureza jurídica, pode rescindir sem justa causa, contratos de empregados seus, avaliando apenas a conveniência e a oportunidade, porque o ato será discricionário, não exigindo necessariamente que seja formalizada a motivação. (TST. Decisão 04.04.2001 Proc. RR Num. 632.808)

Vale ressaltar que a esta regra cabem exceções. É o que ocorre, por exemplo, com a ECT (Correios). Considerando o fato de que a mesma tem os exatos benefícios da Fazenda Pública, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), participa de regime jurídico sui generis, devendo motivar seus atos demissionários, na contramão da regra geral:

Resolução nº 143/07, que altera a OJ nº 247 da SDI-I
SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.
1. A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
2. A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais."

Ao que se refere aos dirigentes das empresas estatais, estes são investidos em seus cargos na forma que a lei ou seus estatutos estabelecerem, respeitados os limites remuneratórios da Administração disposto no inc. XI do Art. 37 da CR/88:

"XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo (...)"

Outro aspecto importante inerente aos dirigentes das estatais se deve ao fato que estes poderão figurar como Autoridade Coatora, nos Mandados de Segurança afetos à sua atuação pública; no pólo passivo em sede de Ação Popular, visando anular ato tido como lesivo a seu patrimônio, à Ação por improbidade administrativa e à ação penal por crimes praticados contra a Administração e, ainda, legitimidade ativa para propor ação civil pública.

5.3. Licitações e particularidades
As estatais estão também obrigadas a realizar suas contratações de compras, obras e serviços mediante processo de licitação, competindo à União legislar privativamente sobre o assunto. É o conteúdo do Art. 37, XXI e do Art. 22, XXVII, ambos da CR/88:

XXI ? Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;

Art. 22. Compete à União legislar privativamente sobre:
(...)
XXVII ? normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

O Estatuto das Licitações, a lei 8.666/93, também reforça a obrigação constitucional em seu Art. 1º, Par. Ún,:

Parágrafo Único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (grifamos)

Mas a lei reservou particularidades específicas às estatais, dada a sua especialidade. Podemos citar, por exemplo, o fato de que os valores em que a licitação é dispensável em razão do valor (Art. 24, I e II, Lei 8.666/93) são duas vezes maiores para as estatais. Para a administração direta, autárquica e fundacional, atualmente os limites de dispensa são: R$ 15.000,00 e R$ 8.000,00 para obras e serviços de engenharia e para outros serviços e compras, respectivamente. Já para as estatais, os valores em que a licitação é dispensável são de R$ 30.000,00 e R$ 16.000,00, na mesma seqüência.
Como se depreende do Art. 173, § 1º, III, CR/88, lei que estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública disporá sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública. O Capítulo 3 da presente obra já ressaltou a prejudicialidade da ausência de regulamentação do dispositivo legal. Vale ressaltar que em função da ausência desta regulamentação, os Tribunais de Contas vem adotando entendimento liberalista no sentido de aceitar procedimentos licitatórios mais flexíveis às estatais, já que a mens legis constitucional foi clara ao definir o desejo de se diferenciar as compras das estatais das compras da administração direta, autárquica e fundacional. Enquanto tal definição legal não ocorre, as empresas estatais continuam valendo-se da Lei de Licitações para realizar seus procedimentos licitatórios a título precário.

5.4. Controle e Fiscalização das estatais
A matéria de controle e fiscalização das empresas estatais é com certeza o traço público mais marcante sobre seu regime híbrido com normas de direito privado derrogado por normas de direito público.
Em que pese a autonomia administrativa e financeira das estatais, tais pessoas administrativas estão sujeitas a todas as espécies de controle, seja ele legislativo, administrativo ou judicial.
No âmbito legislativo e do controle externo, de modo geral, cabe destaque à jurisdição especial que exerce o Poder Legislativo da esfera política criadora, juntamente com o respectivo Tribunal de Contas (da União, para estatais vinculadas à União; do Distrito Federal, para as estatais adstritas àquela pessoa política e dos Estados, para estatais vinculadas aos estados e aos municípios de sua jurisdição), que também tem por jurisdicionadas as estatais, segundo Mandamento Constitucional inscrito no Art. 70 da CR/88, exercitando o controle contábil financeiro, operacional, patrimonial e orçamentário.
Como qualquer outro ente da Administração Pública, as demais formas de controle tipicamente legislativo também são exercitados sobre as estatais.
Acerca do controle administrativo, destacamos a supervisão ministerial, (ou secretariada, no âmbito dos Estados Membros e dos Municípios), que se incumbe de realizar as demais formas de controle próprio ao controle administrativo, tais como, o controle finalístico, hierárquico, corretivo, entre outros. Considerando que as estatais encontram-se fundamentalmente sobre a subordinação do poder executivo, é bom frisar a importância da supervisão ministerial já que, grosso modo, o ente administrativo strictu sensu exerce o papel de acionista, e é através da supervisão ministerial que irá exercer seu poder de controle.
Ressalte-se ainda o poder de autotutela, inerente a todos os órgãos da administração pública, que se desenvolve nos controles preventivo, concomitante e sucessivo de seus atos, podendo a administração e, neste caso as estatais, valerem-se dessas possibilidades para exercer o controle de seus próprios atos, seja quanto à legalidade, mérito, oportunidade, entre outros.
Estão sujeitas ao controle popular, porquanto entes da administração pública conforme amplamente exposto neste texto. Sendo assim, poderá qualquer cidadão valer-se dos remédios constitucionais ou qualquer outra ferramenta processual hábil para questionar os atos das estatais, sem prejuízo do controle e fiscalização administrativos.
A Lei Complementar nº 101/00, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal ? Lei de Responsabilidade Fiscal ? tem papel secundário no que se refere à sua aplicabilidade às empresas estatais. Sucintamente, a referida LC divide as empresas estatais em "controladas" e "dependentes", sendo a primeira, segundo definição legal, sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação, e a segunda, empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.
Em breves linhas, a referida Lei Complementar dispõe que a destinação de recursos ? inclusive os provenientes das estatais ? para cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverão ser aprovadas por lei específica; Estabelece metas, limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas; A vedação para as empresas controladas e subsidiárias, de conceder garantia, ainda que com recursos de fundos (há ressalvas);
Afirma, ainda, que a empresa controlada que firmar contrato de gestão em que se estabeleçam objetivos e metas de desempenho, na forma da lei, disporá de autonomia gerencial, orçamentária e financeira, sem prejuízo do disposto no inciso II do § 5o do art. 165 da Constituição.

5.5. Questões Processuais
À Fazenda Pública e ao Ministério Público é dada a prerrogativa de correrem os prazos para contestar em quádruplo e para recorrer em dobro, em função de sua estrutura burocrática e (infelizmente) precária. É o teor do Art. 188 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 188 - Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.

Ocorre que, em função de não pertencerem as empresas estatais ao que se entende formalmente por Fazenda Pública, e ainda, pelo fato de possuírem roupagem típica das empresas particulares e explorarem atividade econômica diretamente, às empresas públicas não é dada a prerrogativa de dilação de prazo, sob o pleno respaldo lógico que nos oferece o texto constitucional (quando o Estado adentra na esfera de atuação privativa do particular, a este se compara).
Tal entendimento vem se pacificando cada vez mais nos tribunais brasileiros, demonstrando a maturidade dos órgãos jurisdicionais na interpretação finalística dos entes da administração pública, principalmente em consonância com as realidades e particularidades de cada classe de entes da administração.
No que diz respeito à prerrogativa da Administração Pública em efetuar seus pagamentos através do regime de precatórios, em regra, tal prerrogativa não é extensível às empresas estatais. Para que possamos distinguir se o ente empresário-estatal terá tal prerrogativa, faz-se necessário distinguir as empresas prestadoras de serviços públicos das não prestadoras. As empresas prestadoras de serviço público, em função do principio da continuidade do serviço público, terá proteção especial aos bens afetados pela prestação do serviço, impossibilitando, portanto, a imposição de gravame de qualquer natureza sobre esses bens afetos à prestação do serviço público essencial:

EXECUÇÃO. EMPRESA PÚBLICA. PENHORA DE BENS. A primeira reclamada, Prodesp, compõe a administração pública indireta, posto que se trata de empresa pública que, nos termos do Decreto-Lei 200/67, possui personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo, criada por lei para a exploração de atividade econômica a ser exercida pelo governo. Tratando-se de entidade de natureza privada, as limitações e privilégios previstos para a execução em face da Fazenda Pública não se lhe aplicam, porquanto possui patrimônio próprio, de natureza privada, que pode ser expropriado. A indisponibilidade e impenhorabilidade restringem-se aos bens afetos à prestação de serviço público essencial. No mais, os bens que não estejam diretamente ligados à prestação de serviço público essencial podem ser regularmente penhorados e expropriados. Magistrado Responsável: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS Processo N.º: 20090105871 Processo TRT/SP N.º: 00627200403402009.

É também o entendimento do Pretório Excelso acerca do assunto (vide RE 220.906; RE 229.696 e RE 230072).
Conseqüência do parágrafo anterior faz-nos concluir de igual forma acerca da possibilidade ou não de se penhorar os bens das estatais para a satisfação de créditos diversos. A conclusão lógica é a mesma: se prestadora de serviço público, não existe tal possibilidade; se exploradora de mercado diverso, é possível a penhora de seus bens. É inclusive o entendimento do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, acerca dos bens das empresas estatais, que afirma:

"Serve para garantir empréstimos e obrigações resultantes de suas atividades, sujeitando-se à execução pelos débitos da empresa, no mesmo plano de negócios da iniciativa privada, pois sem essa igualdade obrigacional e executiva, seus contratos e títulos de crédito não teriam aceitação e liquidez na área empresarial. As empresas prestadoras de serviços públicos, contudo, apresentam situação diferente, pois os bens vinculados ao serviço não podem ser onerados, nem penhorados, nem alienados (salvo autorização de lei específica), em face do princípio da continuidade do serviço.

Para finalizar, ressalte-se ainda que, segundo a EC 45/04, que ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, também fez incluir em sua competência as ações trabalhistas em face da Administração pública, inclusive no que se refere às estatais:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;



6. BIBLIOGRAFIA

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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