EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO: Possibilidade de Participação de licitação e dispensa das certidões previstas no artigo 31 da Lei nº 8.666/93.

 

 

Renata Priscila Benevides de Sousa[1]

RESUMO                                    

 

O presente artigo é o resultado de pesquisa teórica baseada em doutrinas, jurisprudências, artigos eletrônicos, bem como o desenvolvimento do trabalho diário em processos de recuperação judicial arrostados diariamente. Para compreender o deslinde de um processo de recuperação judicial e seus impactos diante da possibilidade ou não de participar em processo de licitação, bem como o conflito entre do princípio da preservação da empresa e o interesse do Poder Público de contratar.

Palavras Chave: Recuperação Judicial, Licitação, Certidão Negativa, Possibilidade.

Sumário: Introdução. 1. A Recuperação Judicial. 1.1. Princípio da Preservação da Empresa. 2. Artigo 31 da Lei n° 8.666/93. 3. Empresas recuperandas e a contratação com o poder público. 3.1 Critérios. 3.2. Extensão dos Efeitos. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

 

Com o presente trabalho, busca-se estabelecer critérios objetivos para que o juiz decrete a possibilidade ou não de empresas recuperandas participarem e se habilitarem em processo de licitação, já que não há previsão no ordenamento jurídico pátrio dos critérios a serem utilizados para essa concessão. Assim como a dispensabilidade, ou não, das certidões negativas previstas no artigo 31 da Lei n° 8.666/93, uma vez que a apresentação de tais documentos tem caráter obrigatório para uma empresa tornar- se licitante.

O artigo 47 da Lei n° 11.101/05 estabelece quais os fatores que o juiz deverá observar para a manutenção da função social da empresa a fim de possibilitar uma recuperação judicial eficaz. No tocante a contratação de empresas recuperandas com o poder público, a legislação vigente não traz nenhum requisito para sua permissão, só estabelece que deve ser apresentado certidão negativa de falência ou concordata para habilitação em processo administrativo licitatório, conforme a redação do artigo 31, II da Lei n° 8.666/93 .

Assim, pretende-se fixar quais os critérios de que o juiz deverá se valer para determinar a possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem de licitação e averiguar se é admissível utilizar os termos dos dispositivos legais acima mencionados de forma extensiva. Além disso, uma vez estabelecida essa possibilidade, busca-se analisar como serão fixados os critérios da decisão e o atendimento do princípio da preservação da empresa em relação à ordem econômica e a superação do cenário de crise.

A elaboração do presente artigo foi baseada nos dispositivos referentes ao assunto constantes na Lei n° 11.101/05, bem como no Código de Processo Civil, na Lei n° 8.666/93, e também na jurisprudência dos Tribunais. Assim, como o tema é recente e ainda não há bases sólidas para orientar a sua aplicação, justifica-se a escolha com o objetivo de contribuir para a melhor aplicação do instituto, em cumprimento aos princípios constitucionais que estabelecem a observância de uma ordem econômica fundada na preservação da empresa pautadas como expressão de sua função social.


1 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

No ordenamento econômico em que estão inseridas empresas, e diante da instabilidade financeira nacional latente, mecanismos que possibilitam a manutenção e superação de um estado de crise econômica são de extrema importância para o equilíbrio das atividades empresariais e da sociedade.

A recuperação judicial é o instituto resguardado pela lei 11.101/2005 para possibilitar a reabilitação de uma empresa que enfrenta um período de anormalidade financeira entre seus ativos e passivos a fim de se manter ativa no mercado, bem como preservar os empregos e a sua função social.

                                                                                                         

1.1   Princípio da Preservação da Empresa.

 

O artigo 47 da Lei n 11.101/2005 demonstra qual a finalidade da Recuperação Judicial:

  “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

 

A viabilização da superação da situação de crise econômico–financeira permeia o princípio da preservação da empresa aplicado pelo Poder Judiciário nos casos concretos para traçar a conduta das empresas recuperandas no processo de recuperação judicial.

No princípio da preservação da empresa o interesse social prevalece sobre o privado, pois tem como objetivo preservar as organizações produtivas, diante do prejuízo econômico e social que a extinção de uma empresa pode ocasionar aos empresários, trabalhadores, fornecedores, consumidores, bem como à sociedade civil.

O princípio em tela, mesmo que implícito, é abarcado pelo ordenamento Constitucional:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 

 VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Nos moldes do artigo 170 da Constituição Federal, transcrito acima, depreende-se a preocupação da Carta Magna em preservar a ordem sócio-econômica primando pela manutenção da justiça social em observância da dignidade da pessoa humana que está intimamente ligada ao princípio da preservação da empresa que não admite a extinção de propriedades produtivas.

Com o advento da Lei de Recuperação da Empresa n 11.101 de 2005, fica comprovada a importância que a empresa representa para a sociedade no sentido de restabelecer as condições econômico-financeiras em um momento de dificuldade, pois  quando uma empresa cumpre com sua função social não é de interesse do Estado sua falência, mas sim sua manutenção, recuperação e preservação que deverá ocorrer de forma imediata.

No entanto, para a aplicação do art. 47 da Lei n. 11.101/05, deve-se efetuar uma analise do caso concreto, cabendo ao operador do direito ponderar sobre a manutenção da unidade produtiva em detrimento dos credores e dos impactos da decisão na sociedade civil.

2      Artigo 31 da Lei n° 8.666/93.

 

Para habilitarem-se em um processo de licitação as empresas precisam demonstrar qualificação econômica financeira suficiente para arcar com as responsabilidades da contratação com o poder público. Nestes termos, o artigo 31 da Lei n 8.666/93 esclarece qual a documentação necessária para apresentação:

``Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;

II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.

§ 1o  A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade. 

 § 2o  A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1o do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.

§ 3o  O capital mínimo ou o valor do patrimônio líquido a que se refere o parágrafo anterior não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação, devendo a comprovação ser feita relativamente à data da apresentação da proposta, na forma da lei, admitida a atualização para esta data através de índices oficiais.

§ 4o  Poderá ser exigida, ainda, a relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, calculada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação.

§ 5o  A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.``

 

Em um cenário de recuperação judicial, as empresas que têm como principal fonte de receita o oferecimento de mão de obra serviços e a contratação com o poder publico, deparam-se com um gigantesco empecilho no seu processo de restabelecimento econômico por fragilizar a manutenção de seus ativos diante do perigo da impossibilidade de participar de licitação e de apresentar toda a documentação, acima citada, relativa à sua qualificação financeira.

Embora o rol do artigo 31 da Lei 8.666/93 seja taxativo, a apresentação da certidão negativa de falência negativa de falência ou concordata exigida pela inteligência do inciso II do mesmo códex é suficiente para ensejar a discussão da possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem ou não de processos licitatórios.

O conflito entre a real comprovação da qualificação econômica –financeira da licitante e a capacidade de manutenção dos ativos e da sua função social, deve ser analisado no caso concreto afim de determinar a melhor aplicação da Lei n 11.101/2005 frente ao interesses do Poder Público e da sociedade civil.

3      Empresas recuperandas e a contratação com o poder público.

 

Superada a definição do princípio da preservação da empresa e a documentação exigida para habilitação de empresas em processo licitatório, constata-se o conflito entre o Poder Público e as empresas em recuperação judicial perante a impossibilidade de apresentar a totalidade das certidões demandadas, tais como, certidão de falência ou concordata ou certidão negativa de débitos tributários.

Ocorre que, quando a empresa recuperanda tem como principal fonte de receitas a contratação com entes públicos, a proibição da manutenção de seus contratos ou da participação em novas licitações acarretaria na sua imediata convolação em falência por não coseguir manter sua capacidade produtiva gerando como consequência o desemprego e o impacto negativo na ordem econômica e social.

Por outro lado, é exigida, pelo Poder Público, a comprovação da capacidade financeira da licitante, pois é necessário garantir que a empresa honrará com a responsabilidade e com os riscos do serviço contratado.

            A problemática entre a preservação da empresa para manutenção da sua função social e o Poder Discricionário da Administração Pública é cada vez mais presente nos processos de recuperação judicial sendo pertinente a análise dos julgados nos casos concretos a fim de delinear os parâmetros para solução dos casos correlatos.

3.1  Precedente no STJ.

No dia 18/12/2014 a 2ª turma do STJ,  decidiu, por maioria, que uma empresa em recuperação judicial, do ramo de soluções de tecnologia com o foco comercial dirigido ao setor público pode participar de licitações públicas, in verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR DEFERIDA PARA CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. NECESSIDADE DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL APRESENTAR CERTIDÃO PREVISTA NO ART. 31, II, DA LEI 8.666/93. QUESTÃO INÉDITA. ATIVIDADE EMPRESARIAL. RENDA TOTALMENTE OBTIDA POR CONTRATOS COM ENTES PÚBLICOS. PERICULUM IN MORA INVERSO EVIDENCIADO. QUESTÃO INÉDITA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEFERIMENTO DA MEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. LIMINAR CASSADA. EXTINÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.1.  A jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a concessão de provimento liminar em medidas cautelares reclama a satisfação cumulativa dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O primeiro consubstancia-se  no fato de o direito alegado no recurso ser plausível e encontrar amparo em entendimentos deste Superior Tribunal e o segundo remonta-se à possibilidade de perecimento do direito caso a medida não seja deferida.2. O Tribunal de origem exarou decisão no sentido de permitir que a agravante, pessoa jurídica em recuperação judicial, continuasse a participar de licitações públicas, "sem apresentação da certidão negativa de recuperação judicial" salientando, para tanto, que essa "possui todas as certidões negativas ínsitas no art. 31 da Lei nº 8.666/93, sendo certo que, por estar em recuperação judicial, não seria capaz de apresentar apenas a certidão negativa de falência ou concordata." 3. Quanto ao fumus boni iuris - possibilidade de  empresa em recuperação judicial ser dispensada de apresentação da certidão ínsita no inciso II, do art. 31, da Lei nº 8.666/93, considerando os fins do instituto elencados no art. 47 da Lei nº 11.101/2005 - para fins de participação em certames, verifica-se que esta Corte Superior de Justiça não possui posicionamento específico quanto ao tema.4. Nos feitos que contam como parte pessoas jurídicas em processo de recuperação judicial, a jurisprudência do STJ tem-se orientado no sentido de se viabilizar procedimentos aptos a auxiliar a empresa nessa fase. A propósito, cita-se o REsp 1187404/MT - feito no qual foi relativizada a obrigatoriedade de  apresentação de documentos, por parte de empresas sujeitas à Lei nº 11.101/2005, para fins obtenção de parcelamento tributário. Restou consignado que: "em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei n.11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. (REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO.) 5. O fato de o pleito deduzido no especial não encontrar amparo em qualquer precedente desta Corte, somando à tese adotada, em situações similares, no sentido de relativizar as exigências documentais, previstas em lei, para que empresas em recuperação judicia possam lograr êxito em seu plano recuperatório, afastam, da espécie, o fumus boni iuris.6. Não resta evidenciada a alegação de ser o  provimento assegurado pela instância a quo genérico com efeito  erga omnes. O Tribunal a quo  não autorizou a recorrida a participar sumariamente de toda e qualquer licitação sem apresentação de quaisquer documentos previstos na lei de regência. Afastou a apresentação de uma certidão: a certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica.7. O periculum in mora não foi demonstrado, pois o agravado não foi capaz de demonstrar o perecimento de seu direito. Aliás, ao contrário, visualiza-se na espécie, possível ocorrência de periculum in mora inverso, pois, tendo a agravante focado sua atividade empresarial em contratos com os entes públicos, constituindo-se em 100 % de sua fonte de receitas, a subsistência da liminar em tela poderá comprometer a sua existência.8. Agravo regimental provido, cassando a liminar anteriormente deferida e julgando extinta, sem julgamento de mérito, a presente Medida Cautelar”[2]

O entendimento da maioria dos relatores que corroborou na decisão de permitir a participação em licitação da empresa recuperanda foi de que a antiga concordata é instituto diferente da recuperação judicial e que não há previsão legal para a exigibilidade da certidão de recuperação judicial no procedimento licitatório.

Observa-se, ainda, que a recuperanda em tela, não é devedora fiscal nem tributária e focou sua atividade em contratos com os entes públicos, de modo que, a proibição de licitar comprometeria a existência da empresa.

No entanto, a decisão pela possibilidade de participação de empresas em recuperação judicial em licitação não foi unanime tendo votos contrários que desencadearam questões relevantes quanto à afronta do princípio da legalidade por obrigar o ente público a dispensar documentos que a lei exige e a extensão dos efeitos dessa permissão que não pode ter cunho genérico, erga omnes e sim inter pars.

Não há no ordenamento pátrio lei que proíba expressamente uma empresa em recuperação judicial de participar de licitação, portanto, a decisão do STJ não implica em uma imposição à administração pública e sim uma liberdade à empresa que deverá ser analisada em cada caso.

3.2   Extensão dos Efeitos.

 

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CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Graduada na Universidade Salgado de Oliveira. Aluna do curso de Especialização em Direito Civil e Processo Civil da Pontifícia Universidade Católica / PUC – Goiânia – GO. Advogada.

[2] AgRg na MC 23.499/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 19/12/2014.