Era 24 de dezembro, eu estava ainda no trabalho, faltavam 3h pra eu ir embora. Nesse dia estava cheio de coisas pra fazer, serviço acumulado do dia anterior, minha mesa abarrotada de papeis, estava tão cansado, foi uma semana tumultuada pra mim. Enfim, deu a hora, passei o cartão de ponto e só pensava em chegar em casa. Enquanto caminho, gosto de olhar tudo a minha volta, principalmente o céu, coisas que normalmente não dá pra fazer quando estou de carro. Antes de chegar no ponto de ônibus, ví um quiosque beira mar, resolvi sentar um pouco e tomar um suco. Fiquei alí algumas horas olhando o mar e pensando. Nessa hora percebi que estava acontecendo uma briga na areia da praia, eram dois moradores de rua. Ninguém fez nada, aquilo me incomodou profundamente, fui até a ponta da areia, meio receoso, mas gritei, ameacei ligar pra polícia, um deles correu e outro ficou caído alí. Me aproximei, perguntei se estava tudo bem, ele respondeu que sim. E der repente já estávamos conversando como se nada tivesse acontecido. O nome dele é Alexandre e me contou um pouco da sua história, o porque tinha ido parar na rua, perdeu toda sua família num acidente, e pego por uma depressão, resolveu largar tudo e morar nas ruas. Ele tinha uma conversa tão agradável que continuamos a falar. Continuamos andando pelo calçadão da praia, bem lá na frente tinha uma mulher sentada, chorando muito, nos aproximamos e perguntamos se queria ajuda. Ela era uma garota de programa, seu nome é Dyana. Sentamos os três e dividimos nossas histórias. Nossa! como a vida nas ruas era cruel, e eu reclamando das minha pilhas de papel. Percebi nesse momento que tudo aquilo que me causava transtorno, não passava apenas de pequenas coisas sem importância, que eu poderia resolver apenas com um pouco de organização e mudança de hábitos. Já era 1h da manhã, parecia que já nos conhecíamos, olhamos pro céu e vimos uma enorme estrela vindo sobre nossas cabeças. Quanto mais andava, mas ela nos seguia. Dyana que estava acostumada a fazer programa por alí, nunca tinha visto nada assim. Pensei, talvez um novo satélite que tivesse sido lançado no espaço, quem sabe? Alexandre apesar de viver nas ruas, era muito culto e religioso também, só não encontrou forças pra se auto ajudar. Dyana era descrente de tudo, sua vida desde pequena não era fácil, não conheceu sua família, foi criada em orfanato e quando fez 18 anos foi mandada embora. Sem formação, ou experiência profissional, caiu nas ruas, e é o que vive até hoje. Apesar da hora, a praia estava toda iluminada. A estrela ainda estava sobre nossas cabeças, parecia nos acompanhar, em um momento ela foi mais a frente, e achamos tão estranho aquilo, ela queria que nós a seguíssemos. Andamos tanto, quem nem sei onde fui parar, fiquei com medo, nunca tinha feito isso, ainda mais com pessoas que não conheço. Dava para ver , eram várias casas de madeira, uma comunidade bem humilde, não tinha rede elétrica, um emaranhado de fios agarrados a hastes de madeira fincada no chão. A estrela de prata ficou azul e foi descendo, parecendo um asteroide, nós deitamos no chão sem saber o que era aquilo, mas a estrela se pôs sobre o telhado de um barraco como se sinalizasse algo. Corremos até lá, mesmo com medo, estávamos os três juntos. Alexandre me deu suporte me levantando e pude ver pela janela do barraco. Era um casal, e a mulher estava pra ter um bebê. O homem estava sentando numa cadeira feita de caixote com a cabeça sobre as pernas entregue ao desespero. A mulher deitada em uma cama de tijolos e esteira, ofegando com as contrações, esperando o nascimento. Batemos na porta, o homem veio nos atender, e sem saber quem éramos, nos colocou pra dentro. A casa não tinha praticamente nada, além das paredes, um chão de terra batida e um fogão velho com uma caixa de isopor no chão. Até Alexandre que estava acostumado a viver nas ruas, se emocionou vendo tudo aquilo, lembrou da sua família. O homem de nome Tião, se sentiu mais seguro com nossa presença, a mulher Daniele, em trabalho de parto, agradeceu com um leve sorriso. E ficamos alí em volta da cama, esperando o nascimento. Quando olhei minha volta, percebi algumas aves empoleiradas na janela, a porta tinha insetos e bichos que rastejavam, todos parados, como se estivessem esperando algo. Ouvi pássaros de grande porte aterrissar no telhado de zinco. E passamos a noite sentados no chão em silêncio no meio de todos aqueles bichos sem temer o que estava acontecendo. Já era 3:30min da manhã, e Daniele já não aguentando mais, dá a luz a uma menina. O vento sopra forte janela adentro, os pássaros se agitam no bater de asas, eu não tinha nada pra oferecer nesse momento. Peguei minha caneta de bolso e coloquei sobre a cama presenteando a menina, Dyana tão emocionada, entregou seu espelho, Alexandre tinha o dom da palavra, e fez uma oração. A estrela entrou telhado adentro e repousou sobre o bebê. E mas que der repente a estrela sobe como um cometa e desaparece no céu. Amanhece, o bebê dorme no colo de Daniele. Eu e Dyana saímos pra procurar uma padaria, Alexandre ajuda o Tião no preparo do café. Compramos pão, leite, biscoito e algumas frutas da época. Arrumamos uma mesa improvisada e fizemos alí a nossa ceia de natal. Eu pude ver a alegria de Tião e Daniele. Alexandre e Dyana fizeram promessas de amizade. Depois desse dia nuca mais os vi. Mas tenho certeza de uma coisa, Dyana e Alexandre não estão mais nas ruas, pra onde eles foram eu não sei. Mas de um a coisa eu sei, as nossas vidas mudaram, e mudaram para sempre...Feliz Natal.