EM EDUCAÇÃO NÃO SE IMPROVISA, SE INVESTE!

Por Márcio Melo*
1. O IMPROVISO

"Deixe os outros falarem dos males deles, eu vou falar dos meus".
(Bertolt Brecht, no prefácio das Poesias no exílio)

O grande educador Anísio Teixeira disse certa vez que o Brasil só seria uma grande nação quando a máquina que forma o cidadão fosse realmente valorizada. E essa máquina é a EDUCAÇÃO. Mas num País que é um dos mais ricos do mundo, e que no entanto, e paradoxalmente, tem uma das piores distribuições de renda, a educação pública é um fracasso. E essa educação pública atende historicamente e notadamente à maioria da população, que é pobre, periférica, favelada e analfabeta (ou semi-analfabeta).

A Educação pública no Brasil está falida, como estão falidos os professores, os estudantes e o resto da sociedade. E aqui na Bahia, de onde falamos, não podia ser diferente. É o descaso com que é tratada a coisa pública, o bem que é comum, de todos, nesse país. Por aqui, a educação pública é relegada aos últimos planos. E num ambiente onde reinam a bagunça, o desrespeito, o descaso e a falta de diálogo, só existirá espaço mesmo para a gritaria, a depredação e a violência. É o que temos presenciado nesses onze anos de magistério na rede pública de ensino: um sistema educacional que não tem propiciado a muitos estudantes o mínimo necessário, que é a capacidade e o discernimento para ler e entender um texto. A cada novo ano, mais analfabetos funcionais, vítimas deste sistema educacional caótico, hipócrita e inoperante que temos, vão sendo jogados no mercado. É uma educação de faz de conta!

Nessa sociedade em que vivemos, quando a Educação não funciona, a Justiça funciona! O sistema judiciário brasileiro é bruto, é mau ? principalmente com os pobres, favelados e periféricos! Educação por aqui nunca foi prioridade! Cadê as nossas autoridades e poderes públicos? Até quando essa plebe vai ter que ajoelhar, esperando a ajuda de Deus? Essas nossas administrações públicas são como as novelas da Globo: mudam os personagens, mas o enredo é o mesmo... sempre mais do mesmo: falta de investimento em educação e infraestrutura, falta de conclusão de obras conveniadas, falta de políticas de saneamento básico, de produção agrícola e geração de emprego e renda. Aí fica uma juventude ociosa, sem perspectiva, com as "pernas quebradas" ao concluir o Ensino Médio, pois só vislumbram o trabalho na lavoura, na pedreira ou no comércio. A tarefa é difícil, dificílima!

Nós professores é quem somos sempre os que fazem a diferença. É preciso ir de encontro aos otimismos exagerados, e ensinar esse povo a cobrar dos políticos, porque não dá mais para tolerar o atraso e a ignorância de boa parcela da nossa população! Porque é enganoso falar em desenvolvimento, se o "carro-chefe" dele não for a Educação pública de qualidade para todos! Porque o nosso estado, o Nordeste e o resto do País não se desenvolverá plenamente, enquanto uma boa parcela da população não souber ler. O analfabestismo é o principal fator causador desse círculo vicioso da miséria! Porque o exercício da cidadania não comporta mais a omissão perniciosa que, até hoje, em geral e historicamente, foi característica de uma faixa elitizada da sociedade, que sempre teve acesso a uma Educação de qualidade e a uma vida de melhor qualidade do que a maioria esmagadora da população.

2. POBRE UNIVERSIDADE PÚBLICA...

"Estou convencido de que é preciso continuar a dizer não, mesmo que se trate de uma voz pregando no deserto".
(José Saramago, escritor português, Nobel de Literatura)

Os pilares básicos e fundamentais de uma universidade são: Ensino, Pesquisa e Extensão. Em nossas universidades estudam todos os tipos de pessoas: professores, profissionais liberais, servidores públicos, comerciantes etc. Mas o que percebemos é que, por um lado - e isso é de espantar muito ? a grande maioria dos acadêmicos viraram acríticos e estão concentrados apenas em seu status econômico. Nada se discute, só se estuda! Porém, por outro lado, vemos ainda uma luz no fim do túnel, uma característica que cada dia é mais evidente: jovens de todas as idades que se deslocam todos os dias de suas cidades, localizadas a quilômetros de distância da escola/faculdade, em busca do tão almejado diploma. O que essas pessoas querem, acima de tudo, é objetivar seus sonhos e encontram no estudo uma forma de transformar a sua realidade. Esses estudantes, sejam eles jovens ou adultos, e tendo convicção ou não do que querem, como disse certa vez um colega nosso da turma de Direito, "sabem com clareza o que não querem: não querem uma universidade de faz de conta; uma biblioteca carente; professores metodologicamente paradoxais; meios de comunicação ineficiente entre aluno-colegiado-professor-direção".

Certa vez, na década de 90, o Sindicato ANDES fez uma campanha nacional a favor da universidade pública, que foi veiculada em várias revistas e jornais de circulação nacional. Nós publicamos no nosso pasquim STATUS QUO, número 02, de novembro/dezembro de 2007. Segue na íntegra: "SEM UNIVERSIDADE PÚBLICA GRATUITA E DE QUALIDADE O BRASIL NÃO TEM FUTURO. Uma nação que não investe na universidade pública, não aposta no futuro. Nossas universidades preparam profissionais e produzem pesquisas, ciência e tecnologia que possibilitam o desenvolvimento econômico, social e cultural do país. O Brasil depende de investimento governamental na universidade comprometida com as necessidades da realidade nacional. Caso constrário, só restará a idade da pedra". Essa campanha foi feita há mais de uma década, e nós ainda estamos a falar disso... Quanto atraso!
Mas o que é que nós precisamos mesmo para evoluir? Que educação nós precisamos construir juntos para que possamos evoluir? Será jogando bombas dentro de nossas salas de aula, colocando em risco a integridade física daqueles que são nossos professores e colegas? Será com gritos histéricos pelos corredores do colégio/faculdade, atrapalhando o trabalho do professor que está querendo fazer o seu trabalho com o mínimo de dignidade, mesmo não recebendo por este o que ele deveria e merecia receber? Dá para chamar de estudante um/a cidadão/cidadã que não respeita o seu mestre? Ou de mestre um/a professor/a que não respeita o/a seu/sua estudante? Quais são os verdadeiros motivos de tanta violência em nossas salas de aula? O que se perdeu? O grande Mestre Paulo Freire tem uma poesia lindíssima, chamada "A escola", onde ele diz o que é uma escola, ou o seu sonho de uma escola de verdade. Segue na íntegra: "Escola é... o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, o coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de ?ilha cercada de gente por todos os lados?. Nada de conviver com pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém, nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se ?amarrar nela?! Ora, é lógico... numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz." Essa linda poesia, e outras coisas importantes sobre Educação está disponível no site do Instituto Paulo Freire: www.paulofreire.org. Acesse hoje mesmo!
Muitos professores querem trabalhar numa escola/universidade como essa pensada pelo Paulo Freire... Mas na escola/universidade em que muitos trabalham, isso ainda é um sonho, uma utopia (que significa plano, ideal ou desejo impossível de realizar). Na escola/universidade em que muitos trabalham, principalmente no turno da noite, ao invés de aulas tranquilas, com diálogo entre alunos e professores, há gritaria; ao invés de respeito, há desrespeito; ao invés de aulas, há muito barulho nos corredores; ao invés de alunos que estudam, que questionam com inteligência os seus professores, há alunos que só pensam em brincar e "matar" aula. Claro que há sempre algumas boas exceções, em todos os lugares. Mas nós vamos evoluindo aos poucos, com passos de formiga e sem vontade, não é mesmo? E se pensarmos que já foi pior? Será mesmo que já foi pior? Nós professores queremos trabalhar em escolas/universidades onde tenhamos segurança e paz; onde possamos respeitar e ser respeitados; onde possamos falar e ouvir... Enfim, onde a Educação seja possível... Com certeza, é disso que precisamos para evoluir!
É duro para uma pessoa estudar tanto tempo, viver tantos sacrifícios, entrar em faculdades públicas falidas, depois de ter passado por colégios de faz-de-conta, para depois ainda se deparar com um mercado de trabalho inexistente!
3. O INVESTIMENTO

"Se você acha que a educação é cara, tenha a coragem de experimentar a ignorância." (Derek Bok)
Educação é investimento! Mas nesse mundo globalizado, de interatividade, de Internet, bytes, multimídia e empregabilidade, muitos jovens ainda não vislumbram essas mudanças, pois estudam ainda em escolas onde as condições de funcionamento são precárias, principalmente aqui no interior da Bahia. Há muitas escolas ainda com classes com um número altíssimo de alunos, dificultando assim a aprendizagem. Achamos que toda pessoa em sã consciência, que tem compromisso e preocupação com a própria educação e com a educação dos filhos, deve concordar com a gente de que é preciso ter compromisso, comprometimento! Ou os políticos e governos e a população passam a enxergar a Educação pública realmente como um investimento, ou não alavancaremos a sobrevivência nesse terceiro milênio, marcado pelos aspectos apontados no início do parágrafo. É como afirmou certa vez, numa entrevista, a escritora Ruth Rocha: "Acho que os pais têm que assumir a educação dos filhos. Eles têm 100% de responsabilidade na educação: pai 100% e mãe outros 100%, e presidente da república, e ministro da educação, e professores de escola e todo mundo têm 100% de responsabilidade. Na matemática não funciona, mas eu acho que, moralmente, é isso."
Muitos ainda não acordaram, mas o mundo está numa intensa transformação, que é cada dia mais rápida e complexa. As fronteiras foram derrubadas, tanto as físicas quanto as culturais. É cada vez maior a procura de empregos que exijam formação universitária ou, na pior das hipóteses, o 2º grau. A senha para quem quer sobreviver e se realizar nestes novos tempos não representa exatamente um segredo para ninguém: EDUCAÇÃO.
O mercado hoje, em todas as áreas, procura quem seja capaz de comandar as máquinas, quem procura otimizar a utilização de algo de modo a diminuir custos e aumentar os lucros. Nesse sentido, as escolas/universidades precisam investir mais em ações de melhoria da estrutura física e na capacitação de pessoal. Quando se dá atenção ao processo de aprimoramento da qualidade do ensino, necessariamente a prioridade passa a ser: melhorar a proposta pedagógica, os objetivos e a prática educacional; atenção no desempenho profissional dos corpos técnico-administrativo e docente; melhorar o desempenho e o nível de aprendizagem dos alunos e atenção no nível de satisfação dos segmentos da comunidade.

Escolas e universidades devem preocupar-se mesmo é em preparar cidadãos capazes de enfrentar situações de mudança, tomar iniciativas, assumir escolhas e aprender continuamente. Esse é um exercício que deve começar primeiro em casa, continuar na escola/universidade e acompanhar o estudante por toda a vida.

Importante mesmo, na Educação, é a participação de alunos, professores, funcionários, pais e comunidade no processo!

(Márcio Melo, professor da rede pública de ensino do estado da Bahia há onze anos; professor na Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim há quase dois e estudante de Direito na Universidade do Estado da Bahia, UNEB, Campus IV; sendo que este é o segundo Curso que faz nesta Universidade: o primeiro foi História)