“EM BUSCA DA CIDADE IDEAL”: IMAGENS E IMAGINAÇÃO DO URBANISMO DE HAUSMANN NO INTERIOR DA AMAZÔNIA

Aldair José Batista de Souza

Pesquisador do Museu de Arte Sacra de Bragança-Pa – MASB

      

RESUMO: Demonstrar uma cidade que está passando pelo processo de transformação urbana, à exemplo dos grandes centros europeus e nacionais no início do século XX, é o objeto de análise do presente artigo. Todavia, não buscamos unicamente retratar as obras, como o calçamento das ruas, os prédios públicos, o embelezamento das praças e as regras sobre as habitações feias e insalubres, mas também, captar o ideal de cidade moderna e as imagens de desejo.

PALAVRAS-CHAVE: Bragança – Modernidade – Urbanização.

ABSTRACT: Demonstrate a city than it is to is passing by the the process as of conversion city planning, at the example of the big ones centrepieces at the start from the XX th century , is the one object as of analysis from the actual article. Yet , did not we pick uniquely portray the jobs as the calçamento of the pathways , the prédios public , the embellishment of the marketplaces and the rules on the subject of the habitations ugly and unhealthy, but also , grab the one ideal as of modern city and the images as of desire.

KEYWORDS: Bragança – Modernidation – Urbanisation.

                                                                                

              O paradigma do urbanismo moderno frances haussmanniano[1]  que passou a ser reproduzido na Amazônia não fora exclusivamente políticas dos administradores das cidades de Belém e Manaus no período áureo da extração da borracha. O planejamento urbano que ocorreu em Bragança do Pará no início do século XX não deixa de ser expressivo, em termos gerais inspirava-se no que fora feito nas grandes capitais brasileiras. Relativamente pequena, em relação a centros como Rio de Janeiro, Belém, Manaus, Paris ou Londres, mas no imaginário de muitos cidadãos bragantinos, principalmente os segmentos dominantes, a cidade despontava como uma futura urbe.  A cidade de Bragança para a época, não se apresentava apenas como uma singela cidadezinha do interior do Pará, mormente em sua dinâmica social e na sua estrutura urbana. O aumento populacional e urbanístico nela operado, pela ocasião da instalação de núcleos agrícolas de migrantes e a implantação da Estrada de Ferro de Bragança, em 1908, destacaram-na como o mais importante núcleo urbano do interior paraense.  Pela qualidade de sua produção agrícola, ela tornou-se um grande pólo de distribuição de mercadorias que atendia não só Belém, mas a Amazônia e a região Nordeste.     

              Liderada por uma elite de coronéis e profissionais liberais com grande representação política no estado do Pará, a cidade foi “sonhada e idealizada a um novo estágio civilizatório, que se parecesse com as maiores cidades européias, mas especificamente a França, onde se atingisse uma verdadeira revolução de práticas e costumes” (SILVA, 2002), que envolvesse valores morais e sociais fundamentais para os indivíduos. Tratava-se, portanto, como afirma o historiador Geraldo Coelho, das “condições reais e imaginárias da belle-époque, (...) aos eixos da mundialização da cultura francesa como representação de um padrão burguês e civilizado de identidades e de práticas culturais” (COELHO, 2002). Esses imaginários de sociabilidade e modernização urbana européia foram eleitos por boa parte da elite bragantina como modelo ideal a ser seguido, influenciando o precoce automorfoseamento da cidade.

              As mudanças urbanísticas que embelezaram a face da cidade tiveram início no governo do intendente Cel. Antonio Pedro da Silva Pereira (1899-1906) e intensificado na administração do Major Antonio da Costa Rodrigues (1909-1912) e do Cel. Francisco Antonio Pinheiro Junior (1912-1918). Em tais administrações foram projetados na estrutura urbana além de redes de distribuição de água e esgotos, iluminação elétrica, calçamento/alargamento e sarjetamento de ruas, construções de pontes, o Palacete Municipal (1905), o Mercado Municipal (1911) e o Matadouro Municipal (serviços e obras explorados pela empresa de melhoramentos públicos, Santo & Calandrini); a chegada da locomotiva do Trem na Estação da Estrada de Ferro (1908) e a implantação do Coreto Antônio Lemos (1910), na parte central da Praça Marechal Deodoro da Fonseca. Foi entusiasmado com o este surto de progresso da cidade que o governador do Pará, Dr. Augusto Montenegro, na ocasião da comemoração do término da ferrovia Bragantina, em seu discurso, denominou Bragança de “Pérola do Salgado” (OLIVEIRA, 2005: 32-34).

              Em virtude dessas medidas remodeladoras, “o novo modelo” urbanístico aos poucos foi transformando a parte central, com ruas retas e perpendiculares, rigorosamente simétricas, formando um verdadeiro tabuleiro de xadrez (SILVA, 1981: 18). Logo, a estrutura urbana de uma cidade antiquada, tradicional, de ruas estreitas, desalinhadas, com animais vagando pelas ruas e de habitações insalubres; desprovida de calçamento, de uma rede de esgoto, de abastecimento de água e de iluminação elétrica, passa a ser projetada a um modelo de cidade moderna.           

              Um viajante que foi convidado pelo jornal “A Cidade”, em1916, adar sua impressão da Região Bragantina, descreve sua viagem no trem e ao chegar no centro urbano de Bragança, dá o seguinte depoimento:

  

(...) ao longe, na volta do caminho, a silhueta branca da cidade: era o ar puro, a água redimidora, a evocação histórica do passado, envergotadas as sombras gadelhudas dos caetés entre as maravilhas do presente, a maloca cedendo lugar aos agrupamentos civilisados, a resina chorando a sua lágrima estúpida aos fulgores da luz electrica, as cahiçaras substituídas pelo palacete moderno (...) (Cf. JORNAL A CIDADE, 1916).      

              A nova paisagem urbana chama a atenção do viajante. Aquela imagem de cidade como uma “aldeia” indígena, descrita por maloca, passa agora a ser vista com feições novas, civilizada, tendo a presença da energia elétrica que assumia o papel de representação da modernidade, do futuro e do progresso, em face ao plano de remodelamento que a recente urbe experimentava. 

              Havia um projeto da elite política local de modernização da urbe, ou melhor, do seu centro, na tentativa de mostrar o progresso que desfruta a cidade, pois     

(...) a nossa cidade acompanha a marcha progressiva, para ser indiscutivelmente a segunda cidade do Estado, não porque as outras se mostrem retardarias, mas porque ella avança procurando não perder de vista a prospera e futurosa Capital. A estrada que, ha pouco tempo, nos ligou a Capital, solvendo as grandes difficuldades de communicação entre nós e ella, abriu as portas do município à entrada de capitaes e de braços novos que nos virão fecundar as fontes de riqueza. Mas, por isso mesmo, grandes são os cuidados, as attenções, os esforços, os serviços que o município está, e cada vez mais, reclamando. Mister se está fazendo, e do modo mais imperioso, que procuremos, tanto quanto em nossas forças couber, proporcionar á vida, entre nós, as comodidades e o conforto das capitaes civilizadas de que ella está carecendo (...) (Cf. LIVRO de Relatório da Intendência Municipal de Bragança, 1910: 16).        

              Portanto, o poder público procurava projetar para o tecido urbano de Bragança a imagem de uma cidade que está se modernizando, com características européia, que correspondessem aos interesses das elites e autoridades bragantinas. Nesse caso, ela deveria ser limpa, saneada e com uma população de hábitos e costumes de uma cidade moderna, e os grandes centros civilizados seriam modelos a serem seguidos.

             Para a realização de tal política que deveria embelezar, sanear e policiar, os administradores públicos iniciaram a proposta de modernização do perímetro urbano, implementando relevantes medidas, como a revisão do Código de Posturas, criação da Polícia Municipal, instalação da luz elétrica; além da formação de uma Comissão de Melhoramentos Urbanos, instrumento necessário para a efetivação de inúmeras intervenções urbanas. Medidas urbanísticas que se deram por meio de uma crescente legislação com o propósito de embelezamento/saneamento.

              Os melhoramentos nas ruas adquiriram força no governo do intendente Antonio da Costa Rodrigues, quando o Conselho Municipal autorizou a Intendência a entrar em negociação com os proprietários da pedreira de granito, no Alto Quatipurú, para o fornecimento de paralelepípedos (Cf. LIVRO de Leis Municipais, 1910: 12). Assim, inúmeros trabalhos foram iniciados:

 As aberturas de valas laterais teriam início em algumas ruas cimentadas, como a da Travessa Senador José Pinheiro, no trecho compreendido entre a Praça Senador Antonio Lemos e a Rua 13 de Maio, para o escoamento das águas fluviais. Na Travessa Rio Grande, partindo da Rua General Gurjão e terminando na Rua Conselheiro João Alfredo o alargamento e destocamento foram feitos. Nas praças Marechal Deodoro da Fonseca e São Benedito, na Travessa Vigário Motta, na Rua Visconde do Rio Branco, na Praça Senador Antonio Lemos, na Rua General Gurjão, na Rua Dr. Justo Chermont, na Travessa Senador Pinheiro, na Rua Marechal Floriano Peixoto e na Travessa Cônego Miguel foram realizados os aterramentos necessários para os futuros serviços de calçamentos que ainda estavam faltando. Paralela a Rua Dr. Roberto que se estenderá da Travessa 15 de Agosto até acima da Travessa do Riozinho foram feitas a abertura de uma rua (Cf. LIVRO de relatório da Intendência Municipal de Bragança, 1910: 13).

              No ano de 1914, o intendente Pinheiro Junior, prossegue com os trabalhos de reparos em algumas daquelas ruas. Na Rua Visconde do Rio Branco foi feito a aquisição de uma faixa de terra de200 mpara o seu prolongamento e calçamento.  No extremo da Travessa Senador Pinheiro, devido o desmoronamento de uma barreira próximo ao litoral, estava sendo realizado os levantamentos para a reconstrução do trecho danificado. Na Rua Marechal Floriano Peixoto por causa do lamaçal após as chuvas, foram feitos os trabalhos de calçamento.

            Além desses trabalhos fora aberta uma larga avenida. As grandes avenidas eram símbolos dos grandes centros. Construções exigidas pelo progresso e pelo desenvolvimento industrial, para facilitar o deslocamento e escoamento da produção, impulsionar o comércio e inclusive para garantir o abastecimento de víveres e demais produtos indispensáveis à população. Essa preocupação com a circulação fez com que a Municipalidade idealizasse a construção da Avenida Thomaz Ribeiro. Ela teria, logo de início, aproximadamente5 quilômetrosde extensão, ligando a cidade com as regiões dos campos. Não se tratava propriamente de abrir uma nova via, mas de utilizar a Rua da Liberdade já existente, desapropriando-a e alargando-a. Mas Bragança naquele início do século XX comportava um desenvolvimento comercial, industrial e populacional que realmente exigisse medidas emergenciais como a abertura de uma avenida? A questão das avenidas estava ligada mais à fantasmagoria da cultura burguesa, isto é, da ilusão e do imaginário em se apropriar de um modelo estrutural urbano vigente nos grandes centros como Paris, Rio de Janeiro e Belém, que, se implantado ou instalado garantiria galgar ao status da modernidade (BENVENUTTI, 2004: 95).

              Os serviços públicos também se estendiam ao tão desejado sistema de abastecimento d´agua e esgotos, por meio de canalizações, que atenderia as necessidades da população. Foi nesse momento que tiveram início a desobstrução e limpeza do igarapé Rio Grande, desde o local da “Aldeia” até a sua foz, bem como os reparos de que carecia o pontilhão de madeira existente sobre o rio na Rua Marechal Floriano Peixoto. Para o andamento dos diversos melhoramentos a administração municipal resolveu criar equipes de trabalhadores braçais. Eram homens que estavam espalhados em diversos pontos da cidade realizando trabalhos de canalização, calçamento, sargetamento, alargamento das ruas e demais serviços públicos necessários para o embelezamento de Bragança, e como era prioridade do município ter um sistema de abastecimento de água e um mercado a sua altura foram contratados mais trabalhadores para as conclusões das obras.

              Outra melhoria foi na energia elétrica, que agora os bragantinos não mais dependiam do deficiente serviço de iluminação de lampiões. A Intendência Municipal na tentativa de garantir um eficiente sistema de iluminação elétrica firmou o contrato com a empresa Eumar Santos & Calandrini, em 19 de fevereiro de 1909. A proposta da municipalidade era primeiramente iluminar os lugares de lazer das elites à exemplo das praças e depois estender a luz para os domicílios, por ordem do proprietário.

              O plano de remodelamento implementado pela administração municipal previa também o término da construção do prédio do Mercado Municipal, bem como a modernização do Palácio da Intendência e o embelezamento das praças, em especial a Generalíssimo Deodoro da Fonseca. Eram obras permeadas de signos que representavam modernidade e civilização erigidas na cidade.  O Moderno Mercado Municipal, como também era chamado, teve a conclusão dos trabalhos em 7 de setembro de 1911 pela Empresa Santos & Calandrini. Foi construído estrategicamente em um local de destaque, voltado para o porto em direção a ponte do litoral, no retângulo formado pelas ruas Souza Franco, Rio Branco e pelas Travessas José Pinheiro e São Matheus. Sua arquitetura, neoclássica, obedecia todas as regras das construções modernas, tendo a cobertura central sobre peças metálicas e a sua área total de 875 m², com o compartimento central destinado a talhos e aparadores, numa superfície de 336 m². Possuía 16 salas externas com vinte e cinco metros quadrados cada um. Todo o edifício era aparelhado higienicamente, sendo marcado e tendo amplos passeios para garantir a melhor circulação de mercadorias e de consumidores. Sendo “um esplendido edifício, capaz de honrar a qualquer cidade adiantada do nosso país” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal de Bragança, 1912: 26).

              As peças metálicas existentes na estrutura do mercado é um ponto relevante, pois reflete a modernidade empregada nas construções modernas. Esse tipo de material, presente nas obras monumentais dos grandes centros, era fruto dos avanços da ciência, cada vez mais utilizado na engenharia civil. Como observa Sandra Pessavento,

O ferro foi invadindo a técnica de construção no século XIX, presentes nas estações ferroviárias, nos mercados, nas usinas... Misturando a força com a leveza, a resistência com a transparência, a arquitetura do ferro sem dúvida marcava a separação de duas épocas. Ela se associava aos novos tempos, da indústria, do vapor, da eletricidade, do capitalismo triunfante (PESSAVENTO, 1997: 179).

              O ferro estava cada vez mais presente no cotidiano dos bragantinos, seja através dos trilhos do trem, dos fios elétricos, do coreto metálico, da Estação Ferroviária, ou da ponte metálica (atualmente denominada de Ponte do Sapucaia) – esta ponte atravessava o Rio Caeté  possibilitando aos bragantinos o acesso do trem à colônia Benjamin Constant. Com isso, Bragança estava entrando em uma nova época, se projetando “para ser em um futuro breve uma faustuosa cidade, com o progresso advindo da Estrada de Ferro” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal, 1913: 38).  

              O Palacete Municipal era outra obra que com sua suntuosidade dotava a cidade com ares de modernidade. Fora o primeiro prédio imponente edificado pelo poder público, uma cópia original do Palácio de Bragança de Portugal. A intencionalidade de construir o Palacete em um local de destaque – em frente a Praça Generalíssima Deodoro da Fonseca voltado para Rio Caeté – tinha como representação mostrar a ocidentalidade presente na cidade. O viajante navegando pelas águas do rio Caeté percebia logo na chegada um edifício de porte avantajado, revelando a civilização nas terras dos caetés.  No setor interno do prédio, na sala onde funcionava o Conselho Municipal, foram instalados gradis de ferro com pintura de alumínio ao mesmo tempo um serviço de iluminação. O Palacete era motivo de admiração por todos, destacando-se das outras construções ao seu redor, sendo chamado constantemente de uma edificação moderna. Sua presença no centro da cidade simbolizava um novo padrão arquitetônico colocando em xeque as construções ultrapassadas ali existentes. Assim, aquelas habitações feitas de madeira, varas e palhas (as caiçaras) não poderiam mais fazer parte da paisagem urbana daquela área.

              Foi neste sentido que a administração municipal, na tentativa de criar um espaço urbano, higienizado e belo, aprovou a Lei nº 96 de 15 de novembro de 1909:

Art. 1º: É absolutamente proibido a qualquer cidadão edificar ou redificar predios ou fazer-lhes qualquer modificações sem previa apresentação de planta, e sem a licença do alvará e apresentar as condições de hyggiene, estetica e architectura, de acordo com a largura das ruas e ampliação das praças e bem assim com a sua posição typografica.                    

Art. 2º: É rigorosamente vedada a construção de predios insalubres.

Art. 3º: A approvação de que fala o art.1º não poderá ser concedida, assi como o alinhamento sem que seja ouvida a comissão de obras e alinhamentos do Conselho Municipal (LIVRO de Leis da Intendência Municipal de Bragança, 1909).

              Em nome do interesse público as moradias anti-higiênicas, as barracas de palha e habitações precárias, não poderiam permanecer no centro. Nessas edificações estavam instalados os interesses da elite em remodelar, higienizar e controlar a cidade. Os pobres foram os mais atingidos uma vez que a condição miserável em que viviam obrigava-os a construir barracas de palha. As medidas previstas na lei procuravam restringir e expulsar do espaço habitacional das elites, as construções feias e que comprometesse a saúde, dificultando assim a população pobre de ter sua casa naquele perímetro.

              A legislação urbana também pretendia manter uma feição harmonizada entre as residências, proibindo a edificação de prédios “sem previa apresentação de planta e sem a licença do alvará” (LIVRO de Leis da Intendência Municipal de Bragança, 1909). Tal medida era complementada pela Lei Municipal de 1906 que “concebia o prazo de 12 meses para que dentro deles os proprietários fizessem os devidos melhoramentos para construção e remodelamento das edificações”. 

              Nesta batalha contra a feiúra, destacava-se o papel do engenheiro municipal que tinha o dever de denunciar A Comissão de Melhoramentos Urbanos os prédios que estavam fora das normas estabelecidas pelo Código de Posturas:

Existindo vários predios arruinados e em estado de desabarem, com risco da vida dos enquellinos, que em algum d´lles moram, como também puchadas de casinhas .... Requeiro que o Sr. Intendente, de conformidade com o desposto do Código de Posturas em vigor, some a respectiva Commissão para examinar os predios sita na praça Marechal Deodoro da Fonseca dos Medeiros de Quadros; na travessa de s.t Antonio de Manoel Miranda, na rua Justo Chermont dos herdeiros de Rosa Lima; na Rua Visconde do Rio Branco dos herdeiros de Manoel Ferreira de Vasconcelos, na Travessa  do Sol de Joaquim Ferreira Porto  e Manoel dos Santos  e no Largo da Matriz de Manoel Scine, para serem intimados os proprietários a demoli-los, em praso curto, e findo (LIVRO de Requerimento da Intendência Municipal, 1910).

          

              Ao mesmo tempo em que se procurava demolir aquilo que era feio, aplicavam-se novas exigências arquitetônicas para construção de prédios modernos. Pela Lei nº 123 de 4 de dezembro de 1918 a Intendência decretou que todos os prédios que fossem construídos no perímetro urbano, “os proprietários seriam obrigados a fazê-la com platibanda. E os que fossem reconstruídos ficaram sujeitos a seus proprietários as mesmas obrigações do artigo antecedente”. Segundo Jussara Derenji ao analisar as reformas em Belém, essas regras eliminaria do meio urbano os temidos cortiços e barracas, “pois ao proibir materiais como palha e barro, investiria contra a casa térrea, predominantemente nas construções coloniais e obrigaria a reformar todas as fachadas ao impor as platibandas” (DERENJI, 1994: 85).

              Outra estratégia para reurbanizar o espaço das elites bragantinas foi a da valorização do espaço imobiliário da área central, elevando a taxa das décimas urbanas. Medida em que uma parcela da população não podia atender, como é o caso da requerente:

Catharina Alves da Silva, viuva de José Rodrigues da Silva vem perante V.S. requerer que, attendendo a seu estado de pobreza, seja ella dispensada, por lei ordinária, das decimas de sua puchada, a rua Floriano Peixoto, canto da travessa Lauro Sodré, desta cidade, onde habita, (...). Este requerimento é feito por que a edade e soffrimentos da requerente a impedem de ezercer trabalho remunerados, vivendo de poucos recursos de produtos de pessoas domesticas (LIVRO de Requerimento da Intendência Municipal, 1912).    

              Dentro do projeto de remodelação urbana, o embelezamento das praças e jardins constituía um outro fator importante no processo de metamoforseamento da cidade. A preocupação em arborizar e ajardinar esses espaços públicos não estava ligado apenas à questão estética de uma nova cidade, mas à idéia de criar espaços saudáveis. Era o modelo progressista presente nas transformações na paisagem urbana de Bragança com duas características: “uma, é a existência de grandes áreas verdes consagradas ao lazer, a jardinagem, que satisfaçam aos olhos e preservem a saúde; a outra é a especialização das atividades humanas – habitat, o trabalho, o lazer e a cultura” (SILVA, 1995: 16).

              Assim, o espaço verde no centro ganha atenção no processo de modernização de Bragança, pois transmitiam ares de modernidade, ordenamento e beleza. Foi nesta perspectiva que as praças da cidade foram revitalizadas. A Praça Generalíssima Deodoro da Fonseca, em frente o Palacete Municipal, carecia de melhorias só tendo em seu centro dois pavilhões de madeira para o hasteamento de bandeiras. O plano de revitalização incluía a implantação no centro da praça de um pavilhão de ferro (coreto) vindo da Alemanha e do ajardinamento de plantas vindo do Horto Municipal de Belém. A presença do coreto metálico, em 1910, foi motivo de comemoração pela população bragantina, pois a partir daquele momento, a cidade dispunha de um espaço civilizado próprio para as sociabilidades modernas, como as apresentações de orquestras das bandas musicais do município.                 

              As melhorias também foram feitas na Praça Augusto Montenegro que ficava próximo a Estação da Estrada de Ferro.  No dia 7 de dezembro de 1908 foi erguido no centro da praça um busto em homenagem ao então Governador do Estado do Pará, Dr. Augusto Montenegro, por ter trazido a Estrada de Ferro ao município. No entender da historiadora Nazaré Sarges, analisando a Belém da Borracha, a veneração pelos grandes homens pelos grandes vultos fez parte também do projeto de urbanização, “pois é importante fazer com que a população sempre se lembre de quem realiza as ‘grandes obras’ de modernização, e, de certa forma, colabore com o progresso da civilização” (SARGES, 2000: 171). Nela foram feitos ainda os aterros e calçamentos com pedra mosaica de que estava carecendo. Também foram embelezadas, calçadas e ajardinadas as praças Antonio Lemos, da República e o Largo da Matriz. A Praça Silva Santos localizada ao redor do Mercado Municipal foi embelezada por árvores de jaminzeiros.

              Além das obras de embelezamento, a Intendência preocupava-se com a limpeza e higiene da cidade. Uma cidade moderna deveria estar limpa e saudável. Afinal, uma doença contagiosa – à exemplo da epidemia de varíola de 1902 – poderia espalhar-se rapidamente pelos espaços imundos e pobres, afetando novamente toda a população. Portanto, era necessário cuidar, combater, fiscalizar e impor normas higiênicas para moradias, estabelecimentos comerciais, terrenos, estábulos e animais que vagavam pelas ruas.

              O poder público através do Código de Posturas aplicava medidas punitivas para quem descuidasse do asseio.  Multas, prisões, fechamento de habitações e estabelecimentos comerciais, eram penalidades impostas para quem não cumprisse as posturas. Os terrenos e quintais imundos podiam torna-se um potencial foco transmissor de doença. Nesse caso, a Intendência estabelecia um prazo de trinta dias para que os proprietários limpassem seus terrenos. Os que não cuidassem da limpeza ficariam sujeitos a multa de 50$000 réis:

Aos trinta dias do mez de junho do anno de mil novecentos e doze, nesta cidade de Bragança, Estado do Pará, eu Raymundo Feliciano Alves Fiscal Geral da Intendência, em correção que procedi, encontrei com falta de limpeza o terreno de propriedade de Joaguim Zacarias da Silva, a rua 13 de Maio, canto da travessa do Lago, pelo que impuz a multa de cincoenta mil reis (50$00) de conformidade com o artigo nº 32 do Código de Polícia Municipal. E por ser verdade lavrei o prezente auto de multa que assigno com as testemunhas: João Francisco da Luz e Sizernando da Silva Mattos, que a tudo viram e assistiram (AUTO de Multa, 1912).    

              A vigilância e a fiscalização também alvejavam os proprietários de porcos, cachorros, cavalos e gados. Os hábitos da população interiorana de criar animais nos quintais e nas ruas para o próprio consumo ou para comercializar, foram fortemente proibidos. Qualquer animal que vagasse sem licença ou que fosse criado nas ruas da cidade deveria ser imediatamente apreendido e seu dono multado:

O Cel. Raymundo Antonio da Silva, faz saber a todos os interessados de ordem do Sr. Intendente Municipal, que tendo sido apprendido um porco que vagava nas ruas da cidade, e como seu dono não tenha vindo, satisfazer a multa de 30$00 em que incorreu (JORNAL A CIDADE, 1913).

              As moradias foram alvos de intervenção diretamente das Posturas. Os prédios de péssimas condições de higiene foram interditados pela Municipalidade de Bragança. As autoridades apontavam as habitações populares como focos transmissores de doenças. O Código de Polícia Municipal de Bragança nº 69 de 23 de outubro de 1910 em seu parágrafo único, “proibia a construção de barracas cobertas de palha dentro do perímetro urbano”. Esta iniciativa garantiria que as habitações anti-higiênicas não permanecessem no centro, a fim de evitar a propagação de doenças.                 

              Medidas profiláticas imediatas foram tomadas pelo governo municipal para garantir a saúde da população em épocas de epidemias, como por exemplo, no caso da epidemia de Gripe Espanhola, que vinha contaminando os moradores da cidade. Para evitar a propagação da doença, a Intendência proibiu aglomerações de pessoas, chegando a interditar o cemitério no dia de Finados, assim como suspendeu o campeonato de futebol. Além dessas medidas, o poder público através do periódico “A Cidade”, indicava os conselhos médicos o que a população deveria seguir para evitar a doença:

  O que devemos evitar:

 

  a – As visitas aos doentes; b – As aglomerações ou ajuntamentos;  c – Cuspir ou escarrar no chão; d – Tossir sem proteger a boca com um lenço ou com a mão;e – Uso de gelados ou de qualquer bebida alcoólica, mesmo em 

pequena    quantidade ou sob qualquer pretexto;  f – O aperto de mão ou beijo nas crianças; g – Comer excessivamente; h – Voltar ao trabalho sem nos sentirmos forte, pois a  convalescencia é,   em geral, longa; i –Excesso  sem qualquer natureza (JORNAL A CIDADE, 1918).    

 

O que devemos fazer:

 

a – lavar freqüentemente a casa com solução de creolina; b – abrir freqüentemente as janelas e portas dos aposentos, pois a casa em que entrar ar não entra doença; c – escarrar dentro de pequenas bacias com conteúdo de solução de creolina; d – escarrar nos lenços, quando não tivermos bacia ou escarrador; e – ferver os lenços; f – comer sobriamente, evitando gelados e bebidas alcoólicas; g – sobrevindo qualquer complicação, chamar o médico mais próximo (JORNAL A CIDADE, 1918).      

              Essas prevenções higiênicas tiveram como alvo os pobres que para os médicos higienistas eram os principais responsáveis pela transmissão da gripe, principalmente por serem os freguentedores dos botequins, moradores dos cortiços superpovoados e por não portarem hábitos civilizados. As iniciativas médicas tinham como objetivo garantir a saúde do homem trabalhador. Em uma sociedade onde a ordem era trabalhar para conduzir o país ao almejado progresso, isto é, garantir o processo de produção e o enriquecimento dos setores dominantes, eram necessárias as mínimas condições de higiene. Uma doença contagiosa poderia contaminar rapidamente a população, dessa forma, os corpos doentes e fracos não teriam bom rendimento no trabalho. Assim as doenças ameaçavam a existência do trabalhador.

              Portanto, para garantir a saúde da população era preciso intervir diretamente nos espaços destinados à moradia e na renovação dos costumes das pessoas. A limpeza representava manter o corpo limpo, através do banho; deixar a casa devidamente oxigenada e abandonar os costumes que não estabelecesse uma vida sadia.

              Ainda na tentativa de manter a cidade higienizada, foram realizados serviços de limpeza e construção de esgotos que canalizassem os dejetos da população para o Rio Caeté. Montou-se uma equipe de Limpeza Pública que atuava na limpeza de lixo das ruas, praças, terrenos baldios e no cemitério público. Também foram feitos banheiros públicos na área comercial da cidade, bem como bueiros e galerias para o escoamento das águas fluviais. Estes serviços garantiriam à população uma cidade agradável e, sobretudo saudável.    

              A garantia da saúde dos bragantinos também estava voltada para regulamentação dos alimentos. A Intendência, pretendendo manter as necessárias condições higiênicas dos gêneros alimentícios para o consumo da população, firmou o contrato pela resolução nº 136 de 30 de novembro de 1910 com a Empresa Santos & Callandrini para a conclusão das obras do Matadouro Municipal. Esta obra juntamente com o Mercado Municipal tinha também como meta garantir maior fiscalização higiênica e controle sobre o alto preço dos alimentos de primeira necessidade, principalmente em épocas de extrema carestia, pois os trabalhadores precisavam de uma alimentação sadia, necessária para recarregarem suas energias após longas jornadas de trabalho na lavoura agrícola. 

              Visando solucionar este problema, o Conselho Municipal estabeleceu a Lei nº 176 de 12 de novembro de 1918:

Art. 1º Fica expressamente prohibido abater-se gado de qualquer espécie, para consumo na cidade, fora do curro.

Art. 2º Fica também prohibido expor carne a venda, em talhos fora do mercado público, extendendo-se a mesma prohibição ao peixe fresco salmora e mariscos.

PARAGRAFO ÚNICO: Os atalhadores de carne e vendedores de peixe fresco e ou de salmoura e mariscos são obrigados a uma licença do poder municipal, o qual apresentarão ao funcionário fiscal do município, logo que lhe seja pedida.

PARAGRAFRO ÚNICO: Ficam isentos da licença os trabalhadores de carne, que forem marchantes e os vendedores de peixe quando forem os próprios pescadores...

 Art. 3º O intendente entrará em accordo com o contractante dos melhoramentos públicos da cidade, para reduzir a taxa do peixe e marisco vendidos no mercado.

              Tal legislação visava resolver os preços abusivos de 1200 para 1400 réis da carne bovina, que ficou escassa no município devido a grande exportação de gado feita pela Estrada de Ferro. Diante disso, o poder público resolveu proibir o abate clandestino do animal, tentando ter controle do abastecimento do mesmo e dispensou os impostos dos marchantes, que se comprometessem em manter o preço razoável.

              Se por um lado essas medidas buscavam solucionar a falta de higiene e a alta dos preços dos alimentos, por outro lado provocou indignações e resistências por parte dos vendedores que utilizavam o espaço externo do Mercado Municipal, para a venda de carne e peixe. A regulamentação que proibia o uso desses espaços não reconhecia as vivências e relações ali geridas, deixando os vendedores transtornados, pois até aquele momento esses locais eram utilizados livremente. Mas, mesmo com a proibição da lei municipal os vendedores resistiam, insistindo na venda em outros locais:

(...) em a Praça da República, onde eu Perciliano de Mattos Ferreira, Guarda Fiscal da Intendência Municipal, me achava em pleno serviço do meu cargo encontrei Raymundo Correa vendendo peixe fresco em lugar proibido pelo que declarei multado na quantia de cem mil réis (100$000) de acordo com o artigo do Código de Polícia Municipal em vigor (...) (AUTO de Multa, 1918).      

              O trabalho de Michele Perrot, (PERROT, 1988: 123) contribui para o entendimento desta questão. Ao analisar a conduta popular na Paris do século XIX, Perrot enfatiza que as políticas de higiene, de regulamentação e de delimitação dos espaços funcionais afetaram diretamente o cotidiano da população e suscitaram resistências. A autora cita o caso dos pequenos ofícios do Bairro de Temple, por volta de 1832, onde existia o comércio ao ar livre com as bancas vendedoras de roupas e objetos de segunda-mão. Com a construção de um mercado coberto, essas bancas foram obrigadas a transferirem-se para lá e a tirar seus alvarás de licença. Paralelamente surgem os camelôs e os saltimbancos, com o seu comércio ambulante e insistem em utilizar livremente as ruas e as praças, não aceitando as determinações impostas.

              Na idealização da Bragança moderna tentava-se criar um espaço homogêneo. Na área central, ou primeiro perímetro urbano, como também era chamada, deveriam ser erguidos palacetes, prédios – de preferência janelas em gradis –, residências ao melhor estilo e construções monumentais como o Mercado Municipal. Seria o espaço da alvenaria, do calçamento, dos jardins, das praças cuidadosamente ornamentadas e dos prédios importantes, como a Intendência Municipal, Grêmio Escolar, a Igreja Matriz, a Estação Ferroviária, bem como um espaço para as novas formas de sociabilidade.

              E não era apenas o desejo de alterar a paisagem urbana com construções, calçamentos das ruas, iluminação ou eficiência dos serviços públicos: desejava-se alterar os hábitos da população. O poder municipal passou a ter entre as suas atribuições e deveres, estabelecer normas e condutas sociais, para cuidar da harmonia do espaço urbano. A preocupação da administração municipal começou a ser focada no espaço central, pois dentro desse perímetro eram encontrados vadios, mendigos, doentes e bêbados que perturbavam e ameaçavam a vida da população. Uma legislação fora destinada a disciplinar e normatizar comportamentos indesejáveis dos setores populares. Em 1910, o Código de Polícia estabelecia multas ou detenções as pessoas que causassem desordens e escândalos nos lugares públicos da cidade, incluindo aí proferir palavras obscenas. A municipalidade decretava em 1919, a proibição do banho e lavagem de roupas, nos igarapés e rios as proximidades do perímetro urbano da cidade, como também a pesca utilizando-se da erva timbó. O infrator ficaria sujeito a multa de 100$000 e 200$000 mil réis ou a conversão de 10 dias de prisão.

              Assim, um modelo de cidadão é forjado: obediente, trabalhador, produtivo e saudável. Exteriorizar esses valores garantiria ao cidadão entrar na civilização e ter direito a ser reconhecido como civilizado. Paralelamente aos discursos e falas em defesa da higiene e da saúde pública, principalmente no que se refere à instalação de rede de esgoto, sistema de abastecimento de água, limpeza e asseio nos estabelecimentos comerciais e moradias, observa-se também preocupações com aqueles comportamentos de indivíduos que sem ocupação ficavam vagando pela cidade perturbando a ordem social.

              Nos relatórios da municipalidade é visível a preocupação pela preservação e defesa da ordem e harmonia da cidade. Em mensagem apresentada ao Conselho Municipal, em 1913, o intendente Francisco Pinheiro Junior, chama a atenção pelo desempenho da Polícia Municipal no papel de reprimir e garantir a tranqüilidade no espaço urbano: 

Escudados no sentimento da regeneração de costumes porque vem passando todo este rico estado do Pará, o governo municipal desenvolve acções eficientes para a manutenção da ordem e segurança pública. Os habitantes de Bragança reclamam de indivíduos de maus costumes e vícios que diariamente ameaçam a tranqüilidade dos cidadãos; até pouco tempo poucas veses se via na cidade acontecimentos que perturbavam o sossego público. Grande são os esforços da Polícia Municipal para punir e reprimir das praças, das ruas do comercio, vadios, embriagados, jogadores, reles espécies que infestam a cidade de crimes.

              O uso do álcool excessivo era um grande mal que desrespeitava as normas e princípios morais, sendo o maior responsável pelos desregramentos e desordens na cidade, suscitando medidas de punição e repressão por parte do poder público. A Lei Municipal nº 92 de 26 de abril de 1913, do Código de Polícia Municipal, estabelecia proibição aos “botequins que não sejam de hotéis ou pensões a serem obrigados a fechar às nove (9:00) horas da noite, do mesmo modo aos domingos e feriados até ao meio dia, só podendo abrir no dia seguinte”. Incorria na multa de 50$000 réis ao dono do botequim que estivesse vendendo cachaça e o indivíduo que fosse encontrado bebendo, após a hora estabelecida. Entende-se, portanto, que esse tipo de manifestação que ameaçava a convivência ordeira imposta era condenadas pelas autoridades bragantinas, mormente nos lugares públicos. 

              A ociosidade é outra ameaça que desrespeitava a ordem urbana e incomodava o poder público, sendo necessário criar mecanismo de recuperação e transformação do praticante da vadiagem. Consistia numa política de enquadramento no regime de trabalho e lições de princípios morais destinado a menores vagabundos que eram visto jogando bilhar nas tabernas, perambulando pelas ruas, envolvendo-se em brigas ou proferindo piadas de mau gosto aos transeuntes. Enquanto isso, a imprensa se manifestava reclamando medidas para acabar com esse mal que ameaça o espaço público de Bragança:

Bragança, possue uma malta de menores vagabundos e é preciso dar-lhes correctivo, e esse só pela educação pode ser bem proveitoso. Muito felicitaremos a nossa terra se dentro em breve tivermos o prazer de ver cada menor vagabundo sentado a noite nos bancos da Escola Nocturna e de dia das diversas officinas de alfaiate, marceneiros, sapateiros etc, que possuímos.  Cumpre a polícia o seu dever e contara connosco para auxilial-a na obra saneadora que precisamos encetar, custe o que custar, desagrade a quem desagradar (JORNAL A CIDADE, 1915).

              A inclusão de meninos vadios ou desocupados nas escolas e oficinas os tornaria úteis à sociedade; acostumando-se ao trabalho, garantiriam o seu futuro e o processo produtivo do município. Para dar conta dos moleques pobres que transitavam pelas ruas e praças da cidade, a intendência resolveu criar uma turma especial na Escola Municipal Noturna, onde os meninos seriam recolhidos para instrução educacional e profissional, mas de preferência agrícola. Pois seria através do desenvolvimento da indústria agrícola que Bragança se destacaria no cenário regional e acompanharia a “marcha progressiva da capital, para ser indiscutivelmente a segunda cidade do Estado do Pará” (LIVRO de Relatório da Intendência Municipal de Bragança, 1911).

              Como se nota, as medidas elaboradas pela administração municipal e autoridades públicas, surgiram exclusivamente pela necessidade de preservação e defesa da ordem urbana. Uma cidade que busca estar em sintonia com o progresso que experimentava a capital do Pará, Belém, tudo que ameaçasse a idealização de uma cidade civilizada, passa a ser motivo de preocupação por parte dos setores dominantes, que não mediram esforços para promoverem ações de vigilância, controle e punição sobre os costumes, hábitos e lazer dos segmentos populares. A construção da Bragança moderna implicava representações imaginárias sobre os seus cidadãos. Assim é que a imagem do cidadão trabalhador, educado, bem vestido e produtivo deveria sobrepor-se à imagem do indivíduo vagabundo, ocioso, embriagado e desordeiro.

              Este universo de transformações que estava se operando em Bragança encontrou significação no sonho e na imaginação de uma Belle-Époque confiante na crença do progresso e da racionalidade técnica a serviço da remodelação dos espaços urbanos, (PICON, 2001: 67-85) caracterizado por demolições de moradias, separação entre espaços públicos e privados, higienização, arborização das praças, em fim, na construção de uma “cidade ideal”. Esse imaginário só foi possível, devido o projeto dos republicanos paraenses que pretendia transformar a região de Bragança no “celeiro agrícola” do Estado, para sustentar a economia da borracha, recebendo para isso investimentos consideráveis como, por exemplo, a implantação da Estrada de Ferro de Bragança. Segundo José Ubiratan do Rosário, tratava-se da “articulação entre as duas áreas econômicas regionais – a produção agrícola bragantina e o extrativismo da borracha – já a caminho do boom que se intensifica, na região, a influência da Belle-Époque”, (ROSÁRIO, 2000: 26) fazendo com que surgisse de imediato a preocupação das elites locais na elaboração de um projeto urbanístico para o centro da cidade. De acordo com os relatórios dos Intendentes e o jornal “A Cidade”, os trabalhos regeneradores eram feitos para proporcionar a cidade uma nova feição, moderna:

(...) A cidade pacata, de vida monotoma e simples, não podia porem, ficar esquecida pelo progresso, com suas variadas transformações e tudo se modificou numa actividade febril. Grandes e modernos predios sugiram, veio a estrada de ferro, cortaram-se novas ruas e introduziu-se a moda com seus caprichos exqnesitos; enfim, desapareceu o aspecto antiquado.

Tudo soffreu o latego feroz do modernismo triunfante (JORNAL A CIDADE, 1915).

              Os resultados desta mudança estavam nas ruas e avenidas calçadas, alinhadas e alargadas; nas praças cuidadosamente ornamentadas com flores, árvores e monumentos metálicos; na iluminação elétrica; nos prédios públicos; na funcionalidade do Mercado Municipal; nos Códigos normativos; no sistema de canalização de água e esgoto; na fiscalização higiênica de moradias, gêneros alimentícios, estabelecimentos comerciais; e no Trem, o maior símbolo do progresso e da modernidade na cidade. 

             Em suma, pode-se deduzir que, a representação dos grandes centros civilizados, principalmente de Paris, plasmou de forma acentuada a sociedade amazônica. Em outras palavras, a representação dos hábitos e costumes europeus estava cada vez mais encenada no cotidiano urbano de Belém, Manaus e Bragança, naquele expirar da virada do século XIX para XX. Nas páginas do jornal “A Cidade” atesta o novo tipo de viver urbano que estava se configurando em Bragança. Era um cenário urbano tomado por senhores e senhoras que buscavam desfrutar os espaços das praças, das ruas, do cinema, dos clubes, das agremiações, dos bailes e dos banquetes ao ar livre, se assemelhando com os “rituais de civilização” do mundo burguês. Assim, adotar o comportamento e uso da cultura urbana européia era estar em sintonia com as pulsações aceleradas de uma época de transformações ditada pela ideologia do “Progresso e Civilização.”  

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Companhia das Letras, 1988.

BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1989.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. São Paulo: Brasiliense, 1986.

COELHO, Geraldo Mártires. No Coração do Povo: Monumento à República em Belém (1891-1897). Belém: Paka-Tatu, 2002.

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PERROT, M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

ROSÁRIO, José Ubiratan. A Saga do Caeté: folclore, história, etnografia e jornalismo na cultura amazônica da Marujada; Zona Bragantina, Pará. Belém: CEJUP, 2000.

SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a bele-époque (1870 - 1920). Recife, 1990. Mestradoem História. UFPE.

SILVA, Armando Bordallo da. Contribuição ao estudo do folclore amazônico na Zona Bragantina. Belém: Falangola, 1981.

SILVA, Klayton Campelo. Discursos, Perspectiva e Narrativas: Bragança através do jornal A Cidade. Belém: UFPA (Monografia), 2002.

SILVA, Sonia Maria Bessa da. Bragança, a cidade e o seu cotidiano. Belém: UFPA (Especialização em História da Amazônia), 1995.

 

VELLOSO, Mônica Pimenta. As tradições populares na Belle Époque carioca. Rio de Janeiro: Fuñarte, 1988.



[1] O paradigma de modernização urbanística utilizado em todo o mundo foi a grande reforma urbana implementada em Paris pelo barão Georges Eugène Haussmann, entre 1853 e 1869. Na América Latina, o modelo de Haussmann predominou até meados do século XX. No Brasil, o primeiro exemplo de reforma urbanística surgiu na cidade do Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Depois, outras cidades adotaram planos urbanísticos em sua modernização, como São Paulo, Manaus, Belém, Curitiba e Porto Alegre.