Era segunda-feira, há 24 anos, não decretei feriado. Tenho certeza disso, pois ao chegar na redação do jornal em que eu trabalhava, o Correio Popular de Campinas, naquele 21 de agosto de 1989, notei que amigos me olhavam com comoção. Alguns vinham até meio sem jeito me cumprimentar com gestos de condolências, como se eu tivesse perdido um parente muito próximo. Tinha morrido o Raul Seixas, eu voltaria a ter esta sensação de perda também em 1994, com a morte do piloto Ayrton Senna da Silva.

Não sou Seixas, sou Silva, mas nem de longe parente do Senna. Realmente, naquele 1989, eu fiquei triste e assim como milhões de brasileiros me sentia como se tivesse perdido um ente muito querido, afinal como acreditar que tinha morrido, em São Paulo, o roqueiro, o baiano, o brasileiro, o internacional, o interplanetário, Raul dos Santos Seixas, de 44 anos? 

Ele mesmo dizia que “os homens passam e as músicas ficam..”, mas pensávamos ser mais uma brincadeira do eterno Maluco Beleza das metamorfoses ambulantes. Não era. A morte, que Raul dizia que talvez fosse o segredo da vida, não o da luz, calava quase para sempre pensamentos e a voz renitente de um dos grandes nomes do rock.

Eu disse quase calava, pois Raul é tocado em rádios, notebooks, ipods, TVs, DVDs, cinemas, etc... Até “novos” pensamentos dele surgem, isso 24 anos após sua morte. Não que ele tenha vencido a morte, tão forte, que mata o gato, o rato e o homem, mas porque as reviradas no famoso Baú do Raul permitem encontrar documentos gráficos e sonoros para brindar aos raulseixistas com coisas inéditas.

Como disse, naquela segunda-feira, 21 de agosto de 1989, não decretei feriado, mas percebi algo cruzar os ares. Não era Salomão cantando seus salmos. Talvez fossem nuvens de mil megatons antecedendo a chegada de algum anjo embriagado, que de um disco voador juraria ser pecaminoso algum amor. Seria o último trem que a todos levam sem passagem ou bagagem?

Sem entender ou definir, nesta fração de tempo de quase 25 anos, simplificada por Raul com a definição de que tão longa é a noite eterna do tempo se comparada ao curto sonho da vida, o que devo ter visto foi o último disco voador além que egoistamente venho buscar Raulzito para shows ao vivo em outras dimensões. 

Foi deixado para nós, humanos e limitados, alentos em fitas, vinis, CDs e DVDs, enfim gravações daquele que gritava direitos (quando todos sequer ousavam falar) do homem, que podia viver e até morrer como quiser... Os escravos servirão: Viva Raulzito e a Sociedade Alternativa ! 

Edson Silva, 51 anos, jornalista, Campinas