ELEMENTOS DO GROTESCO NA OBRA “AVENTURAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS”, DE LEWIS CARROL¹

 

Benedita Aldeni de Carvalho²

 

RESUMO: Este artigo se deteve a uma análise feita a partir da oba “Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carrol, procurando revelar, analisar e explicar como aparece o grotesco na obra. Quais os elementos o autor utiliza para caracterizar o grotesco. Buscamos evidenciar o que é grotesco e como foi sua origem através da realização de um estudo sobe essa corrente. Partindo daí, procuramos encontrar as características desse termo na obra analisada. Tivemos por base teórica os estudiosos Victor Hugo (2007), Bakhtin (1993) E Kayser (1986), a fim de desenvolver uma tese conveniente a partir desse estudo.

PALAVRAS-CHAVES: Grotesco, Aventuras de Alice, País das maravilhas, transformações.

 

1. INTRODUÇÃO

O termo grotesco teve sua origem na língua italiana e foi utilizado para denominar abjetos ornamentais e pinturas encontradas em escavações feitas em Roma no final do século xv. Suas formas eram inacabadas, abertas e fantásticas, metamorfoses de figuras humanas com animais, plantas e espaços, fugindo da representação real do mundo. O grotesco já existia antes mesmo de ser conceituado. Somente no Romantismo que o grotesco se dará de forma acabada. O teórico Victor Hugo desenvolve nesse período uma teoria do grotesco que proporcionará uma clareza sobre os estudos do vocábulo. É com o Romantismo que a modernidade das artes será inserida. Por isso ele dirá que o moderno inicia-se no romantismo.

No pensamento os modernos, ao contrário, o grotesco tem um papel imenso. Aí está por toda parte; de um lado, cria o disforme e o horrível; do outro, o cômico e o bufo. (...) É ele que se meia, a mancheias, no ar, na água, na terra, no fogo, estas miríades de seres intermediários que encontramos bem vivos (...) é ele que faz girar na sombra a ronda pavorosa do sabá, ele ainda que dá a Satã os cornos, os pés de bode, as asas de morcego. (HUGO, 2007, p. 30-31).

Percebe-se que o grotesco tem um papel importante dentro da literatura e será abordado de diferentes maneiras tentando buscar um entendimento e possibilidades de significação.

O presente trabalho pretende analisar a personagem Alice e suas aventuras na obra, na qual encontramos características do grotesco. Procuraremos através de citações, comprovar como aparece esse grotesco.

2. O GROTESCO NAS AVENTURAS DE ALICE

A história de Alice se trata de um sonho surrealista escrita no século XIX, cheio de trocadilhos, sátiras, charadas. A aventura começa quando aparece a fantasia, isto é, o Coelho Branco.

Sozinha com seus pensamentos, ela calculava (...) se valia a pena levantar e colher margaridas só pelo prazer de fazer um colar de margaridas quando, de repente, um Coelho Branco passou correndo por ela. 

[...]                                                                                                                

(...) o coelho pegou um relógio de bolso do seu colete, consultou as horas. (...) Fervendo de curiosidades, Alice correu pelo campo atrás do coelho, felizmente bem a tempo de vê-lo pular para dentro de uma grande toca em baixo de uma cerca.

(...) Alice pulou atrás dele, sem nem pensar como ia sair de lá. (Aventuras de Alice no País das Maravilhas, p. 11-12).

 

Nessa passagem do texto percebemos que o grotesco aparece de forma fabulosa, fantástica. O autor explora o imaginário. Percebemos traços que vão além do real. O coelho é figura imaginária porque fala, consulta horas no relógio.

Alice após ter seguido um coelho apressado, caiu em um profundo buraco e acabou descobrindo o estranho país das maravilhas. Onde a personagem tenta se livrar dos problemas e acaba arranjando mais. Ela experimenta o que ver pela frente sem ter uma preocupação com as consequências. Por ser um lugar fantástico, tudo isso que acontece com Alice torna-se estranho. A personagem fica alienada, dependendo de tudo daquele lugar para livrar-se das dificuldades. O grotesco aparece nesse texto representado pelo termo estranho. Kayser (1986) é um teórico que contribui para a corrente do grotesco estranho, ampliando a idéia de estranheza adicionando a alienação de um mundo que se tornou estranho.

(...) quando seus olhos bateram em uma garrafinha que estava perto do espelho (...) tirou a rolha da garrafa e a levou aos lábios. (...) e muito antes do que ela esperava: antes de beber metade da garrafa, sua cabeça já estaria batendo no teto e ela teve que se curvar para não quebrar o pescoço. (Aventuras de Alice no País das Maravilhas, p.47-48).

 

Sempre que Alice comia ou bebia qualquer coisa acontecia algo interessante. O lugar em que a personagem se encontrava contribuía para que ela dependesse dele para sai dali. Oque acontece é estranho porque o País das Maravilhas é um lugar maravilhoso, fantástico, mágico, fabuloso que acaba causando estranheza o que acontece de ruim com Alice. O trecho acima confirma a presença do grotesco através das coisas absurdas e exageradas que acontece com a personagem.

A personagem se depara com muitos obstáculos em seu caminho e esses são resolvidos de forma mágica. Através do percurso no universo imaginário, notamos que ela passa por várias alterações físicas.

 Tudo que se conseguia enxergar, ao olhar pra baixo, era um pescoço comprido que não acabaria mais, parecia o caule de uma planta saindo do mar de folhas verdes lá embaixo.

[...]

Já que parecia não haver a menor chance de levantar as mãos até a cabeça, tentou baixar a cabeça até as mãos e ficou encantada ao descobrir que seu pescoço podia se curvar facilmente em qualquer direção, como uma cobra. (Aventuras de Alice no País das Maravilhas, p.64-65).

 

O grotesco aparece nesse trecho como uma imagem que caracteriza a transformação. Para Bakhtin (1993, p. 22) “O grotesco é uma imagem que se caracteriza como um fenômeno em estado de transformação”. Percebemos que o corpo de Alice passa por constantes transformações, aparece até mesmo como uma cobra.

A morte aparece constantemente como uma ameaça na aventura de Alice. Embora as ameaças nunca se materializem, as situações sugerem que a morte está sempre ao redor e pode torna-se realidade a qualquer instante. Isso se intensifica quando ela conhece a rainha e ouve a sempre gritando que alguém seja decapitado.

– E quem são esses? – perguntou a Rainha, apontando para os três jardineiros deitados perto da roseira.

 [...]

– Como é que eu posso saber? – disse Alice, surpresa com sua própria coragem. – Não é da minha conta!

A Rainha ficou vermelha de fúria e, depois de encará-la por um momento como uma fera selvagem gritou:

– Cortem - lhe a cabeça! Cortem... (Aventuras de Alice no País das Maravilhas, p. 102).

 

O país das maravilhas representa o belo. Mas há um contraste entre o grotesco e o sublime no texto. O sublime seria o país das maravilhas e o grotesco é representado pela morte. O próprio nome revela que tudo é maravilha, mas há a presença constante da morte. Para Hugo (2007, p.33):

(...) como objetivo junto do sublime, como meio de contraste, o grotesco é, segundo nossa opinião, a mais rica fonte que a natureza pode abrir a arte.

[...]

O sublime sobre o sublime dificilmente produz um contraste, e tem-se necessidade de descansar de tudo, até o belo. Parece, ao contrário, que o grotesco é um tempo de parada, um termo de comparação, um ponto de partida, de onde elevamos para o belo com uma percepção mais fresca e mais excitada. (HUGO, 2007, p.33).

O sublime cede lugar ao grotesco, introduzindo o perigo, o trágico em meio a um lugar maravilhoso e bonito. E na busca de descansar o sublime necessita evitar tudo, até o belo. É por isso que o grotesco aparece no País das Maravilhas.

O grotesco também será representado na obra “Aventuras de Alice no país das maravilhas” pela luxúria, na personagem Rainha de Copas que se aproveita do seu cargo para humilhar seus semelhantes. Sempre há o temor da morte em relação a rainha.

                                      É melhor VOCÊ ficar quieto! – disse o Cinco. – Ontem mesmo eu escutei a Rainha dizer que você merecia ser decapitado!

                                         [...]

                                       - Bem, acontece que, veja bem, senhorita, esta roseira aqui era para ser uma roseira VERMELHA, mas nós plantamos uma BRANCA por engano, e se a Rainha descobrir mandará cortar nossas cabeças, você sabe.

 

Victor Hugo no livro “Do grotesco ao sublime” comenta o que representa o grotesco e o sublime. Podemos ver que o luxurioso, o crime está dentro do termo grotesco. O belo é restrito a somente um tipo. Enquanto o grotesco é mais amplo.

(...) enquanto o sublime representará a alma tal qual ela é, purificada                        pela alma cristã, ele representará o papel da besta humana. O primeiro tipo, livre de toda mescla impura, terá como apanágio todos os encantos, todas as graças, todas as belezas; (...) o segundo tomará todos os ridículos (...) é a ele que caberão as paixões, os vícios, os crimes; é ele que será luxurioso (...) o belo tem somente um tipo; o feio tem mil (HUGO, 2007, p.35,36).

 

Podemos concluir que o grotesco está mais explicitado que o sublime. Tudo que causa mau gosto será grotesco, enquanto o sublime é difícil de se encontrar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A análise feita expõe uma discussão sobre o grotesco e o sublime. Mas principalmente o termo grotesco que buscamos evidenciar na obra “Aventuras de Alice no país das maravilhas”. As aventuras de Alice no país das maravilhas nos mostram características fortíssimas no grotesco.

            O desenvolvimento dessa pesquisa contribui de forma significativa e prazerosa para uma reflexão crítica, também um aprofundamento da obra em estudo, discutindo a relação da mesma com o grotesco encontrado.

            Esperamos que este trabalho possa servir como fonte de pesquisa aos apreciadores da Literatura, principalmente aqueles que se interessam pela produção de literatura infantil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. O Contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.

 

CARROL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas; tradução de Jorge Furtado e Liziane Kuglang. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

HUGO, Vitor. Do Sublime e do Grotesco. São Paulo: Perspectiva, 1988.

KAYSER, Wolfgang. O grotesco. São Paulo: Perspectiva, 1986.