Elas são tão fáceis de entender

 

            - Celso!

            - Siim?

            - Com qual destes devo ir?

                        Celso tem os óculos acavalados sobre o nariz, refestelado na “cadeira do papai”, lê as notícias esportivas. É sábado à tarde e o casal vai a uma festa de bodas de ouro de um amigo da família. Celso já está pronto: Veste calças pretas, risca de giz e camisa azul de mangas longas. Sapatos de verniz completam o visual.

                        Durante os anos em que estão casados, Vera foi abastecendo o guarda-roupas do marido com inúmeras camisas, todas em azul, sua cor preferida. Fica fácil para Celso: Não há motivo para ficar indeciso na hora de aprontar-se.

                        - Hummm... O verde. Você fica linda de verde.

                        Ele mal levantou os olhos do jornal.

                        - Você está louco? Vou parecer um repolho gigante.

                        - Ah, filha! Veste qualquer um, estamos atrasados.

                        - Detesto que me chame de “filha”, não ouse usar esse tom comigo. Você nem me olhou, na verdade, você não liga pra mim!

                        - Amor, Verinha... Veste qualquer um. Todos são lindos. Esse marinho é novo?

                        - Novo? Novo, como?! Se você não tivesse gasto uma fortuna com o equipamento novo de pesca, eu teria comprado um vestido.

                        - Ah, sei...

                        Não havia dúvidas, mais cedo ou mais tarde, ela traria o “pobre” do equipamento de pesca à baila!

                        - E esse branco, o que você acha?

                        - Hum hum, combina com você.

                        - Viu? Taí! Você nem viu que não combina com estes sapatos?

                        - Ok. Ok.

- Ah, meu Deus! Estou gorda como uma porca, meu cabelo tá horrível. Essa cor não me favorece...

- Cor? Que cor?

- A do cabelo, oras. Celso...! Celso, por favor, quer olhar para mim?

- Pronto, querida, a seu dispor.

- Não vou mais. Desisto. Vá sozinho.

- Você quem sabe. Vou indo, já atrasado. Ainda preciso passar lá no Marcos...

- Quê? Marcos? Aquele que casou com a sua primeira namorada, aquela lambisgóia platinada, loira de farmácia?

- Preciso, querida, preciso.

- Pode parar! Não vai, não. Sozinho, ene, a, o, til!

- Num piscar de olhos, está pronta, arrumada, perfumada. Ele a olha de soslaio, um sorriso meio disfarçado no canto da boca. Continua linda, pequenina, delicada, tão suave! As marcas da idade só serviram para conferir-lhe uma beleza mais amadurecida.

- Viu? Você tem sorte de ter casado com uma mulher que odeia discussões inúteis. Ah, se eu fosse mulher de fazer tempestade em copo d’água...!

- Sei, filha, sei...!