EFICIÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 

Diego Henrique Silva Souza ¹

Bruno Dias Antunes¹ 

¹Acadêmicos do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES

RESUMO

 

O Estado é o responsável pelas normatizações e definições de atos legais, assim como a fiscalização do cumprimento da lei e o estabelecimento de medidas punitivas para as transgressões e violações da Lei e normas sociais. As crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em condições peculiares de desenvolvimento e, as leis e normas sociais, criminalizam atos sexuais praticados com elas, embora sejam grandes as dificuldades concernentes ao processo de notificação às autoridades competentes e o efetivo funcionamento das garantias desses direitos. O ordenamento jurídico pátrio trás um conjunto de normas e políticas com o intento de obstaculizar a prática de violência sexual contra as crianças e adolescentes, com tipos penais específicos para punição de sujeitos que atentem contra as crianças e adolescentes, considerando a sua fragilidade frente aos adultos.   O presente trabalho dispõe acerca da eficiência das normas do ordenamento jurídico pátrio no combate a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Considerando os tipos penais de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, bem como a relevância das Leis 12.015/2009 e Lei 11.829/2008.

 

Palavras-Chave: violência sexual, crianças e adolescentes, violência intrafamiliar;

 

 

1 INTRODUÇÃO

  

Do ponto de vista econômico, faz-se necessário retirar o estigma de que a violência sexual é predominante nas classes economicamente mais pobres. Muitas vezes, o que se observa é um tratamento desigual dado tanto às vítimas quanto aos agressores, de acordo com classe social, raça, cor, gênero e faixa etária, evidenciando mais as meninas de7 a14 anos, negras, pardas, oriundas das camadas mais pobres da população, donde se tem um resultado falso de que o problema está apenas neste perfil.

É necessário lembrar que grande parte da violência sexual ocorre na família cuja mãe, carente de informações sobre o tema sexualidade e violência, sai para trabalhar e necessita da contribuição financeira do companheiro, que nessa condição, aproveita-se para praticar seus atos contra menores, dentro de casa, sem que haja denúncia.

Com intuito de colimar seu fim social de proteção à criança e ao adolescente, ser em desenvolvimento, não basta apenas a repressão aos abusos cometidos contra o menor, mister se faz uma proteção mais abrangente.

Neste ínterim, o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta um conjunto de políticas de atendimento dirigidas aos segmentos da população infanto-juvenil que se encontra em situação de risco pessoal e social.

O paradigma da proteção integral elevou a criança e o adolescente a sujeitos de direitos e foi homologado como lei em 13 de julho de 1990, com a promulgação do ECA. No entanto, sua aplicação ainda se depara com dificuldades, dentre elas, a função dos Conselhos de Direitos, que se consubstancia em traçar políticas públicas, para garantir a cidadania à classe infanto-juvenil.

Segundo Ferrari (2002), “o marco dos direitos da criança e do adolescente se deu na legislação internacional, dos direitos humanos”.

O Estatuto traz um conceito mais amplo de violação de direitos, que engloba ações ou omissões que ameaçam ou violam direitos fundamentais de crianças e adolescentes como direito à vida, ao respeito, à dignidade, à liberdade.

Liberati (2002, p.79), comenta sobre as políticas de atendimento apresentadas no Estatuto como:

Entende-se por política de atendimento o conjunto de medidas, ações, normas, instituições e programas criados e desenvolvidos pelo Poder Público destinados ao atendimento de crianças e adolescentes, visando à promoção e garantia dos direitos fundamentais

O Estatuto prevê que serão chamados a colaborar com o Poder Público, a

Família e a sociedade. Para isso, dispõe em seu artigo 86, que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A comunidade também será chamada a participar na formulação e controle das políticas e ações em defesa dos direitos da criança e do adolescente.

São previstas também as políticas de prevenção e programas assistenciais, que estarão disponíveis às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social.

As diretrizes da política de atendimento são: o sistema municipal de atendimento; os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente; a criação e manutenção de programas específicos; a manutenção dos Fundos Nacional, estaduais e municipais; a integração operacional dos órgãos e a mobilização da opinião pública.

2 Dos Principais órgãos de proteção à criança e ao adolescente

 

O Sistema de Justiça da Infância e da Juventude exerce seus poderes através dos seus principais órgãos que ajudam a proteger crianças e adolescentes no que diz respeito à violação dos seus direitos.

2.1 Dos Conselhos Tutelares

 

Com fulcro no artigo 131, o ECA dispõe: “ o conselho tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”.

Assim, conceitua-se que o Conselho Tutelar é um instituto através do qual, a população municipal busca proteger os direitos da criança e do adolescente na integralidade do seu texto.

No Conselho Tutelar trabalham cinco Conselheiros, escolhidos pela comunidade para um mandato de 03 anos. Eles são os principais responsáveis para fazer jus a esses direitos e dar os encaminhamentos necessários para a solução dos problemas referentes à infância e à adolescência.

Podem ser encaminhados ao Conselho Tutelar casos de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão que tenham como vítimas crianças ou adolescentes.

Ao receber denúncia de que alguma criança ou adolescente está tendo seu direto violado, o Conselho Tutelar passa a acompanhar o caso para definir a melhor forma de resolver o problema.

Conforme Tavares (2001, p. 260), o Conselho Tutelar é:

Um órgão permanente do Poder Executivo Municipal, autônomo, composto por representantes das comunidades populares locais eleitos para a gestão de direitos e interesses de crianças e adolescentes, intervenção parajudicial em conflito de menor gravidade, ou encaminhamento ao Juízo da Infância e da Juventude dos casos que refogem à sua possibilidade de solução. 

Verdadeiramente, o Conselho Tutelar não é órgão jurisdicional para tomar decisões. Mas, conforme o art. 136 do ECA, são atribuídas a ele algumas dessas resoluções, porque ele atua administrativamente em prol de crianças e adolescentes e tem o dever de encaminhar casos em conflitos ao Juízo especializado e oficializar o MP, quando percebidos atos que estejam em desfavor das crianças e adolescentes.

Cury (2005, p. 446), “O Conselho Tutelar não é apenas uma experiência, mas uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada [...]”.

O ECA atribui ao Conselho Tutelar, o dever imposto pela Constituição Federal de1988, atoda sociedade, o dever de cuidar dos direitos da criança e do adolescente.

                                                   

2.2 Da Vara da Infância e da Juventude

  A indicação do juiz da infância e da juventude é feita na organização judiciária do município local que tem a finalidade de julgar as causas invocadas nas normas da Lei 8.069/90. O juiz pauta em princípios normativos para equidade e harmonia do bem comum de uma sociedade.

O juiz, em se tratando de questões familiar, precisa pautar sua competência nos interesses da criança e do adolescente, mas nem por isso, precisa desigualar as partes no curso do processo, já que desiguais não podem ser tratados  como iguais. A preeminência dos interesses da criança e do adolescente não são formais (processual), mas substantivas; não se referem à instrução, mas pura e exclusivamente ao julgamento.

Nesse sentido, concorda com essa opinião o desembargador Amaral e Silva (1994, p.268): “O sistema, como a legislação corresponde, é tutelar, protetor, mas isso não o torna parcial”.

O princípio da livre convicção, na fase de decisão, prepondera o que estabelece o art. 131 do CPC, e na argumentação, o juiz indicará os motivos que o levou a tal convencimento.

Em concomitância com o juiz, a Vara da Infância e da juventude tem a incumbência institucional de garantir e proteger os direitos da criança e do adolescente e em casos de violência doméstica, imputar os pais ou responsáveis por descumprimento de decisão judicial. Porém, é necessário ressaltar que os juízes das Varas da Infância e da Juventude não podem responsabilizar o agressor, pois não são competentes para isso. A competência é específica das Varas criminais. No momento adequado, o processo será enviado à Vara Criminal, de acordo com o entendimento do juiz.

2.3 Ministério Público da Infância e Juventude

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o ECA preveem as garantias dos direitos da criança e do adolescente e o órgão que está mais comprometido na observação dos acontecimentos com a criança e a juventude é o MP, por ser o progenitor dos direitos fundamentais do cidadão. Por isso, o alargamento de suas funções. No ECA há disciplinação às suas atribuições nos artigos200 a205 que o legitimam para interceder em favor dos interesses individuais, coletivos e difusos da criança e do adolescente. As diversas leis do país, como a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, as Leis Orgânicas Estaduais e O ECA atribuem ao MP de forma expressa ou tácita, direta ou indiretamente, em favor da infância ou da juventude.

Destacam-se algumas funções do Ministério Público: assegurar o acesso das crianças e adolescentes à educação, observar e zelar pelo direito da convivência familiar e comunitária; atuar nos atos infracionais cometidos por adolescentes, garantir atendimentos à saúde, buscar implantar nos municípios, o Conselho Tutelar, protegê-las de crimes e defendê-las de todo abuso, mesmo que seja dos pais.

Promotoria da Infância e da Juventude e Curadoria da Infância e da Juventude são dois grandes grupos no Sistema de Justiça. Em termos judiciais, a promotoria funciona junto ao Juizado da Infância e da Juventude. Segundo Tavares (2001, p. 201), “atua em Juízo de primeiro grau, provocando a jurisdição com postulações de natureza cível em defesa de interesses metaindividuais ou individuais indisponíveis de crianças e adolescentes [...]”, enquanto a Curadoria tem funções extrajudiciais ou administrativas com importâncias fundamentais e essenciais à defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Especificamente, a violência sexual doméstica, considerando que há violação da liberdade individual, integridade física e moral da criança e do adolescente, cabe ao MP intervir, provocando a jurisdição para tomar as medidas cabíveis até mesmo pedir a ele o afastamento do molestador de onde o abusar estiver morando. Nota-se, portanto, a amplitude de poder do Ministério Público no Sistema de Justiça da Infância e da Juventude. É ele que atua na defesa da ordem jurídica, sempre atento aos direitos fundamentais.

3 A suficiência da norma brasileira nos crimes de violência sexual intrafamiliar com advento da Lei 12.015/2009

 

Salienta-se que, verdadeiramente, de nada adiantará a existência de nova lei, com a previsão de novos crimes e de penas mais altas, se na prática, não houver a participação social, a eficiência dos órgãos públicos encarregados da fiscalização, investigação, processo e punição daqueles que praticam atos sexuais intrafamiliares. As alterações trazidas pela referida lei vão além de meras mudanças pontuais nos tipos penais previstos e nas penas a eles cominadas.

Hoppe apud Veronese (2006, p. 132):

[...] a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só não conseguem mudar as estruturas. Antes há que se conjugar os direitos uma políticas social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados.

A efetividade da norma brasileira depende do empenho, do compromisso de cada cidadão com essa missão, em trabalho cotidiano, enfrentando os inúmeros obstáculos que certamente surgirão. Em razão da própria complexidade do fenômeno violência de gênero intrafamiliar contra criança e adolescente.

As formas de abuso sexual com contato físico sofreram significativas modificações com a inovação da Lei de nº 12015/09, o art. 214 do CP, por exemplo, foi revogado, devido à ampliação do elemento objetivo. Outro exemplo que deixou de ser abuso sexual com contato físico, foi o estupro, art. 213 do CP, antes da inovação não havia esclarecimento quando a mulher praticava obrigatoriamente conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.

Antes da Lei 12015/09, art. 213: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena de reclusão de6 a 10 anos”.

Com a nova redação, o art. 213 do CP: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor eram tratados em artigos separados do Código Penal:

Estupro - artigo 213, CP: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 06 (seis) a 10 (dez) anos”.

Atentado violento ao pudor - artigo 214, CP: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena – reclusão, de 06 (seis) a 10 (dez) anos”. 

Tais crimes foram resumidos no artigo 213 do CP que dispõe:

Artigo 213 do CP: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 06 (seis) a 10 (dez) anos.

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 14 (quatorze) anos: Pena – reclusão, de 08 (oito) a 12 (doze) anos.

§2º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

O crime de estupro passa a ser praticado quando alguém (qualquer pessoa) constrange outro, usando da violência ou grave ameaça, passa a ser crime sexual sem contato físico, quando praticado por qualquer ato libidinoso.

Nesse artigo, conforme redação anterior, homens, ou indivíduos do sexo masculino, submetidos à cópula anal forçada, sofriam atentado violento ao pudor, cuja pena era a mesma prevista para o delito de estupro.

Atualmente, a nova redação define: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.  O crime de estupro tomou amplitude, quando em sua redação foi substituída a palavra mulher por alguém, de forma que, doravante, qualquer pessoa pode ser vítima do crime de estupro. Portanto, não há restrição de gêneros quanto aos sujeitos do crime.

É pacífico considerar que qualquer pessoa do sexo masculino  também se tornam indivíduos passíveis de ser vitimados pela agressão definida pela nova capitulação legal de estupro.

Não há mais possibilidade de haver concurso de crime, pois ambas as figuras passaram a integrar o mesmo tipo penal. A figura prevista no art. 71 do CP, pode ser aplicável quando presentes os requisitos que a caracterizam, antes a prática do ato libidinoso e a conjunção carnal aplicava-se o concurso material, quando demonstrava que o primeiro crime não era prefácio do segundo crime.

Observando, ainda, à nova capitulação do artigo 213, o legislador cuidou de acrescentar-lhe dois parágrafos, segundo os quais, há a previsão de aumento de pena, às figuras qualificadoras. Se da agressão preliminar resultar à vítima lesão corporal de natureza grave, ou, ainda, se aquela for maior de catorze ou menor de dezoitos, casos em que configura a violência presumida ou seguida de morte, as penas para as duas primeiras hipóteses é de reclusão de8 a12 anos, para a terceira, de12 a30 anos.

Conforme art.225, aAção Penal era de iniciativa privada, condicionada à representação nos casos de hipossuficiência econômica da vítima ou de seus genitores, e pública incondicionada na hipótese de o autor do crime exercer autoridade sobre a vítima, seja na condição de pai, padrasto, tutor ou curador. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa:

 §1º Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I – se a vítima ou seus pais não podem prover as despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; II – se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. §2º No caso do n. I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

Como regra geral, a ação penal passou a ser pública condicionada à representação, ou incondicionada, na hipótese de a vítima ser menor de 18 (dezoito) anos, segundo alterações introduzidas ao artigo 225 do CP, que passou com a seguinte redação:

Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

O estupro ou o atentado violento ao pudor nas hipóteses do art. 224 e alíneas do Código Penal passou a integrar tipo específico constante do art. 217-A do CP.

Assim, a normatização brasileira é suficiente, pois a ampliação e adequação da tutela penal da dignidade da pessoa humana no que se relaciona às atividades sexuais podem se considerar um grande avanço no que se refere ao estupro e ao estupro vulnerável.

Segundo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Criança e Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (2006, p. 30):

A promoção a proteção e a defesa do direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária envolvem o esforço de toda sociedade e o compromisso com uma mudança cultural que atinge as relações familiares, as relações comunitárias e as relações do Estado com a sociedade.

A fim de que haja eficácia da norma na proteção da criança e adolescente, faz-se necessário um trabalho conjunto envolvendo juízes da Vara da Infância e Juventude, promotores, defensores públicos, psicólogos, escolas, profissionais da área de saúde, líderes comunitários e tantos outros mais agentes. Dessa maneira, possibilitam-se mudanças de valores na sociedade, no que concerne às questões de violência de gênero, colaborando para a diminuição da violência na sociedade como um todo.

3.1 Dos crimes sexuais contra vulnerável

Durante um período, prevaleceram críticas entre as normatizaçoes praticadas a um estupro contra um adulto, sendo que a pena de reclusão era de6 a10 anos, e o crime de estupro praticado contra menores de 14 anos, cuja pena era de4 a10 anos.

Entretanto, é possível dizer que as controvérsias foram sanadas, trazendo efetividade nos crimes praticados contra menores de catorze anos e aqueles que possuem deficiência. Com o advento da Lei 12.015/09, o atentado violento ao pudor é vetado, o estupro e o ato libidinoso praticado contra vítimas menores de 14 anos, ganham novas elevações penais. E ainda, conforme o art. 213,§, 1º se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos, a pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

A Lei 12.015/2009 trata como vulneráveis as vítimas menores de 14 (catorze) anos, os portadores de enfermidade ou deficiência metal ou ainda, qualquer vítima impossibilitada de oferecer resistência.

Artigo 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos: Pena – reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§2º (VETADO)

§3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Conforme redação anterior, somente a mulher poderia ser vítima do crime de estupro, que tinha o homem como seu sujeito ativo. As condutas que definiam o estupro e o atentado violento ao pudor foram sistematizadas no artigo 217-A, em razão do sujeito passivo, denominado vulnerável, havendo um aumento da pena, passou a reger pelos limites de 08 (oito) a 15 (quinze) anos.

Não há restrição de gêneros quanto aos sujeitos do crime, todavia, deve-se observar que o homem somente poderá ser vítima da figura prevista na segunda parte do referido artigo.

Note-se que o tipo penal pune o ato de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, não exigindo o emprego de violência real. As formas qualificadas, conforme previa o artigo 223 caput e parágrafo único do Código Penal, quando praticadas contra vulnerável, incidia causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei n.º 8.072/90, aumentando-se a pena pela metade.

O artigo 9º da Lei n.º 8.072/90, quanto aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, em suas formas qualificadas, praticados contra pessoa vulnerável, tornou-se inaplicável em face da criação dos parágrafos 3º e 4º do artigo 217- A, que qualificam, respectivamente, os resultados lesão corporal grave e morte.

A inaplicabilidade desse dispositivo justifica-se na proibição, pois as mesmas circunstâncias que antes serviam para majorar a pena com base no mencionado artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, agora servem para qualificar o tipo, conforme se extrai da redação dos §§ 3º e 4º do artigo 217-A.

Desse modo, as penas mínimas e máximas previstas para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, qualificados pelo resultado lesão corporal grave ou morte, praticados com violência presumida, regiam-se pelos limites de 16 (dezesseis) e 24 (vinte e quatro) anos, no primeiro caso, e 24 (vinte e quatro) e 30 (trinta) anos no segundo. Com a nova lei, houve um abrandamento da pena do crime de estupro qualificado contra vulnerável, que, no caso de resultar lesão corporal grave para a vítima passou a reger-se pelos limites de 10 (dez) e 20 (vinte) anos, e, no caso de resultar morte, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Conforme exposto, o art. 217-A, do CP, trouxe agravantes penais para os crimes de estupro contra menores de 14 anos, para esses casos, o artigo trouxe pena de reclusão de8 a15 anos. Se essa conduta resultar lesão corporal grave, a pena de reclusão pode chegar até 20 anos; se resultar morte, a pena chegará a 30 anos, o que caracteriza crime hediondo.

3.2 Corrupção de menores, Art. 218 do CP


A Lei n.º 12.015/09 alterou o título do capítulo II que tratava “Da Sedução e da Corrupção de Menores”, para “Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável”, mudando a redação do artigo 218 do Código Penal, passando a punir a conduta de “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”, com pena de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos.

A ação penal nesse crime é igualmente pública incondicionada, ex artigo 225, parágrafo único, do CP.

 

3.3 Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, art. 218-A do Código Penal

 

A lei em estudo criou o seguinte tipo penal:

Art. 218-A.  Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

A ação penal nesse crime é igualmente pública incondicionada, conforme artigo 225, parágrafo único, do CP.

 

3.3.1 Outra forma de exploração sexual de vulnerável, art. 218-B do CP

 

Também foi criada a seguinte figura delitiva:

Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:  Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. 

§ 1º  Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

 ocorre nas mesmas penas:  I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;  II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. 

§ 3º  Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

Nos termos do artigo 225, parágrafo único, do CP, a ação penal é pública incondicionada à Representação. 

3.4 Elementos constitutivos dos art. 213 e 217-A, ambos do Código Penal

3.4.1 Dolo específico

Consiste na vontade livre e consciente de ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso com qualquer pessoa, ou seja, também com criança e adolescente. Antes da Lei 12.015/09, era importante apurar o dolo específico para que não houvesse confusão do delito estupro com o atentado violento ao pudor, principalmente, nos casos de tentativa em que era comum a confusão entre delito e estupro. Hoje com inovação dessa Lei, o atentado violento ao pudor encontra-se revogado.

3.4.2 Uso de violência

É elemento indispensável e constitutivo para a realização do tipo, será o responsável por caracterizar de forma fundamental o delito do estupro. Usa-se para minimizar a resistência eventual ou real da vítima. Se for necessário ao agente empregar a força física ou moral, isso significa que não há o consentimento da vítima para a prática do ato sexual.

A violência empregada pode ser classificada em efetiva ou presumida. No que diz respeito àquela, que cogita o art. 213, do CP, caracteriza-se pelo emprego imediato e real da força, ou de quaisquer outros meios que privem alguém da possibilidade de resistir ou se defender. Podendo ela se subdividir em física ou moral.

Leciona Gusmão (2001, p. 90), há violência física quando:

O agente usa da força material, de forma a reduzir, assim a vitima à impossibilidade de reagir, importante para resistir, bem como quando, em produzindo um mal físico, torna iminente a possibilidade ou eventualidade de reiteração ou agravamento do próprio mal causado, de maneira a constituir um perigo para a mesma vítima, criando-lhe um estado psíquico de temor, que se distingui do produzido em certas hipóteses de violência moral, por se caracterizar por uma violência física ativa e inicial, que se caracteriza por sua vez, em encerrar uma potencialidade eficiente de mal maior.

Por sua vez, a violência moral é caracterizada pela ameaça grave, constrangendo a vítima à prática sexual.

A violência presumida está no art. 217- A, do CP, aquela que em virtude de princípios, motivos sociais, jurídicos, dentre outros, são os casos de crianças e adolescentes sem discernimentos, deficientes mentais ou que se encontre em situação em que não há possibilidade de resistir ao estupro.

3.4.3 Conjunção carnal

 É um delito que se consuma com a conjunção carnal dos órgãos genitais, podendo ser do sexo oposto ou do mesmo sexo, seja ela superficial ou completa. Antes a conjunção carnal era o relacionamento sexual normal entre homem e mulher, com a penetração do pênis na vagina, seja ela completa ou incompleta.  Com a nova normatização, a conjunção carnal pode ser com qualquer pessoa, não importa o sexo.

 

3.4.4 Ato libidinoso

 

Compreendem-se todos os atos que implicam contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios ou com o ânus, os que implicam manipulação erótica por mãos ou dedos. As carícias também são consideradas atos libidinosos, por exemplo, durante um exame médico.

Segundo Capez (2006, p. 28) explica:

O ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido.

Logo, como a conjunção carnal, o ato libidinoso tende a satisfazer um extinto sexual humano.

 

3.4.5 Consumação e tentativa do crime

 O crime consuma-se com a introdução ou um simples toque nos órgãos genitais da vítima, desde que o agente utilize da violência ou grave ameaça. É possível a tentativa quando o agente, após empregar a violência ou grave ameaça, é impedido de realizar o ato libidinoso. Ressalte-se que, se o sujeito ativo vier a praticar qualquer ato libidinoso ou alguém permitir que ele pratique, o crime está consumado.

 

3.5 Rufianismo, art. 230 do CP

Os parágrafos 1º e 2º do artigo 230 do CP, também tiveram suas redações atualizadas pela lei em estudo.

§1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:  Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.

Quanto à forma qualificada prevista no § 2º, não há de se falar em pena de multa, a multa era relevante na redação anterior, com a modificação da lei, a multa foi excluída do texto.

 

3.6 Lei 11.829/2008 – Pedofilia

A Lei da Pedofilia trouxe no seu conteúdo novas figuras típicas que modificaram alguns artigos do ECA e Código Penal Brasileiro. Ela foi promulgada durante a abertura do 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescente, realizado na cidade do Rio de Janeiro.

Trata-se de crime de produção de pornografia infantil, conforme artigo 240 do ECA: Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”. É a produção de qualquer forma de pornografia envolvendo criança ou adolescente, cuja pena é de reclusão 04 a 08 anos e multa. Também está previsto para quem agencia, de qualquer forma ou participa das cenas de pornografia infantil, é o que dispõe o § 1º do artigo 240 do ECA. Já o § 2º do mesmo artigo prevê o aumento de 1/3 (um terço) da pena para quem exerce função pública ou quaisquer relações de confiança. O artigo 241 do ECA explana que o ato de vender ou expor à venda, por qualquer meio (inclusive internet), de foto ou vídeo de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente é punido com pena de 4 a 8 anos. Ressalva-se que a lei dispõe que quem assegura os meios de armazenamento das fotos ou vídeos de pornografia infantil, ou seja, a empresa de Internet que guarda a pornografia em seus computadores para a pessoa que quer divulgar; ou que assegura o acesso à internet, por qualquer meio, da pessoa que quer divulgar ou receber pornografia infantil também comete crime de pedofilia.

O abuso sexual cometido contra criança atinge todos os seus direitos. A criança que é vítima de pedofilia tem, evidentemente, desrespeitados seus direitos à saúde, à vida, à dignidade, ao respeito e à liberdade.

7 A importância das Leis n. 12.015/2009 e Lei 11.829/2008 para a proteção das crianças e dos adolescentes no ambiente intrafamiliar

As duas leis são construções de uma legislação mais eficiente no combate aos crimes sexuais cometidos contra criança e adolescentes.  A Lei 11.829/2008 trouxe mudança criminal significativa relativa ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que resultou em uma combinação eficaz junto à Lei 12.015/2009 dos Crimes contra a Dignidade Sexual.

Insta salientar-se, que nenhuma lei é suficiente sem que haja um verdadeiro comprometimento social em relação ao combate a estas condutas.

A legislação só surte efeito, se houver participação efetiva da sociedade, do Estado e dos órgãos de proteção da criança e do adolescente. É preciso que todos estejam atentos, especialmente pais, professores e aqueles que lidam diretamente com crianças.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Inegavelmente, ao final desse trabalho, observou-se que houve um grande avanço com as Leis 11.829/2008 e 12.015/2009 dos crimes sexuais intrafamiliar contra criança e adolescente, mas que há uma necessidade de motivação social na esfera penal e civil, para fazer valer o que está adstrito na norma. É essencial que haja divulgação em espaço público e privado para que possam ser trabalhadas informações de combate aos crimes que violam os direitos das crianças e adolescentes, especialmente nos meios urbanos e nos lugares de risco onde existem atividades informativas e socializadoras. Motivar todos aqueles que direta ou indiretamente estejam inseridos na promoção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, como: Conselhos Tutelares, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Polícia, ONGs, MP, e Justiça da Infância e Adolescente.

Necessário ainda se faz que sejam criadas políticas de mobilização social para coibição dos abusos contra crianças  e adolescentes,  uma vez que é indispensável a participação social para identificar as vítimas e agressores e inibir novos atos.

Imperioso ainda que a punição dos indivíduos que pratiquem os crimes descritos seja célere e eficaz, a fim de garantir a erradicação da impunidade, gerando assim o temor do agressor e impedindo que o mesmo venha a cometer novos crimes.

Ainda, de suma importância, é necessário o acolhimento das vítimas de forma que sejam oferecidas a elas meios de superar o trauma, garantido a elas todos os direitos constitucionais que lhes são devidos.

 

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