EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO N.º 23.376 DO TSE NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2012

Cynthia Daiane de Oliveira

RESUMO 

Este trabalho pretende demonstrar quais as implicações do projeto de Lei recentemente aprovado que visa afastar a necessidade de aprovação das contas para a retirada da certidão de quitação eleitoral, requisito necessário à para homologação de candidaturas, afastando parcialmente a aplicabilidade da chamada Ficha Limpa Contábil. 

Palavras-chave: Ficha limpa contábil. Resolução 23.376. Lei n.º 9.504/97.

INTRODUÇÃO

A Resolução n.º 23.376, do Tribunal Superior Eleitoral, de relatoria do Ministro Arnaldo Versiani, de primeiro de março de 2012, com supedâneo no art. 23, inciso IX, do Código Eleitoral e art. 105, da Lei n.º 9.504/97, resolveu diversas situações atinentes ao direito eleitoreiro brasileiro, sendo que um dos principais temas disciplinados por aludida resolução diz respeito à obtenção da certidão de quitação eleitoral, requisito de mister para a homologação da candidatura política.

Através desta Resolução criou-se o que hoje é conhecido como Ficha Limpa Contábil, segundo a qual aqueles candidatos que não tiverem suas contas aprovadas não poderão candidatar-se para as próximas eleições, mas tal instituto está sujeito a acabar.

Nesses termos consonante o disposto no art. 35, §3, da Resolução retromencionada, o candidato elaborará tudo o que for necessário relativo à prestação de contas, devendo ser encaminhado ao respectivo Juízo Eleitoral, por intermédio do comitê financeiro do partido político ou diretamente pelo candidato, sendo certo, ainda, que o candidato ou comitê terá até o dia 06 de novembro do corrente para, querendo, apresentar aludidas contas (art. 29, III, da Lei n.º 9.504/97 c.c. art. 38, da Resolução n.º 23.376-TSE).  

O comitê financeiro deverá ser formado até dez dias úteis após a escolha dos candidatos pelo partido e tem por objetivo facilitar a apresentação das contas pelo candidato.

Para efetuar o exame das contas poderá a Justiça Eleitoral requisitar técnicos contábeis dos Tribunais de Contas da União, Estados e dos Tribunais ou Conselhos de Contas Municipais, conforme o caso, e, havendo indícios de irregularidade o Juízo Eleitoral poderá realizar diligências, assim como requisitar informações ao candidato ou comitê a fim de solucionar o problema (Poder Instrutório).

Assim, dispõe o art. 52, da Resolução n.º 23.376, in verbis:

 

Art.52. Adecisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada até 8 dias antes da diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 30, §1º).

§1º Na hipótese de gastos irregulares de recursos do Fundo Partidário ou da ausência de sua comprovação, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 dias após o seu trânsito em julgado.

§2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral. (grifo nosso) 

Nos termos do §7 do art. 11 da Lei n.º 9.504/97 a Certidão de Quitação Eleitoral destina-se a atestar a existência e/ou inexistência de registro no histórico da inscrição do candidato, no que concerne “a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”

Assim, o que se verifica é uma espécie de Ficha Limpa Contábil, vez que segundo a Ministra Nancy Andrigui “o candidato que foi negligente e não observou os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso que cumpriu com seus deveres.

Ocorre, todavia, que em vinte e dois de maio de dois mil e doze, a Câmara aprovou um projeto de lei que autoriza candidatos com prestações de contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral a participar das eleições.

Não elucubrando a respeito do mérito de um projeto dessa envergadura, fato é que diversas mazelas serão geradas e talvez a maior celeuma se a respeito da aplicabilidade ou não da modificação para as eleições vindouras.

Segundo consta “o projeto aprovado nesta terça foi apresentado no início de maio e seguiu direto para apreciação em plenário, onde foi aprovado em votação simbólica (sem contagem nominal de votos). Durante a votação, apenas o PSOL orientou a bancada a votar contra.” (PASSARINHO, Nathalia. Câmara aprova projeto que libera candidatos com contas rejeitadas. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/05/camara-libera-candidatura-de-politicos-com-contas-rejeitadas.html>. Acesso em: 18 jun. 2012.)

Referida proposta foi de autoria de Roberto Balestra (PP-GO), que assim se pronunciou:

 

“o TSE extrapolou ao exigir a aprovação das contas como pré-condição para a expedição dos registros de candidatura.” (PASSARINHO, Nathalia. Câmara aprova projeto que libera candidatos com contas rejeitadas. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/05/camara-libera-candidatura-de-politicos-com-contas-rejeitadas.html>. Acesso em: 18 jun. 2012.) 

Seguindo seu roteiro normal a proposta deverá ser encaminhada para análise do Senado e, caso seja aprovada sem alterações, seguirá para a Presidência que poderá sancionar ou vetar a proposta. Não obstante, ainda que efetivamente a proposta venha a ser transformada em lei no corrente ano, a aplicação deverá ser postergada para 2014 em função do princípio da anualidade.

DESENVOLVIMENTO

Sobre o tema a Emenda Constitucional n.º 04, de 1993, alterou o art. 16, da Carta Magna, que passou a ter a seguinte redação:  

Art.16. Alei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993) 

Assim, numa análise perfunctória do objeto do presente trabalho temos que ainda que transformada em lei tal modificação não implicará nas próximas eleições municipais, eis que conforme visto a lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, ou seja, as alterações do processo eleitoreiro não serão concretizadas na eleição subsequente se tiver entrado em vigor a menos de um ano antes do pleito.

A questão, portanto, reside em saber se tal alteração modificaria ou não o processo eleitoral. Nesses termos, o conceito de processo eleitoral é assunto recorrente nos Tribunais pátrios, mormente para fins da aplicabilidade do princípio da anualidade eleitoral (art. 16 da Constituição da República).

Certo é, todavia, que em casos semelhantes e diga-se de menor envergadura a Corte Constitucional vem se pronunciando no sentido de aplicação do art. 16, da CF, existindo, portanto, presunção ainda que juris tantum de sua utilização.

 Nesses termos, no julgamento da ADI 3.685, de Relatoria da Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2008, DJE. 26/02/2010 p. 312, em discussão à constitucionalidade da EC n.º 52/2006, o Supremo Tribunal Federal asseverou que ao modificar o regime de coligações o processo eleitoral é afetado, não devendo ter efeitos para as eleições que ocorreriam a apenas sete meses da promulgação. Senão vejamos: 

[...] 2. Ainovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). [...] 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência.(grifo nosso) 

Debruçou-se sobre o tema, ainda, o ministro Ricardo Lewandowski, que nos seguintes termos se pronunciaram acerca do alcance do disposto no art. 16, da Carta Magna: 

[...] Para terminar, Senhor Presidente, afasto, com a devida vênia, o argumento de que a disciplina da “verticalização” refoge ao conceito de processo eleitoral, submetido ao princípio da anualidade, por força do artigo 16 da Carta Magna, sob o argumento de que aquele tem início com as convenções partidárias para a escolha dos candidatos, porquanto as coligações das agremiações políticas, que as antecedem no tempo, matizam, modulam, condicionam, todo o conjunto de procedimentos que se desenvolve na seqüência. [...] 

Ainda, quando da prolação da decisão da ADI n.º 3.685, o Supremo Tribunal Federal (STF), através do voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, asseverou que o processo eleitoral alcançaria inclusive a fase de formação de coligações (RTJ 199-3/957-1.038): 

[...] Com efeito, a inclusão de elementos ou procedimentos “estranhos” ou diferentes dos inicialmente previstos, além de afetarem a segurança jurídica das regras do devido processo legal eleitoral, influenciam a própria possibilidade de que as minorias partidárias exerçam suas estratégias de articulação política em conformidade com os parâmetros inicialmente instituídos. [...] Apesar da suposta invocação de igualdade formal dos partidos negar que, em âmbito nacional, cada uma das facções políticas possui condições materiais diferentes para lidar com a revogação ou não da regra da verticalização. [...] 

Tal regra justifica-se na garantia do devido processo eleitoral, na certeza da estabilidade das “regras do jogo eleitoral” – Substantive due processo of Law –, focado, em última análise, dar sentido e efetividade a um axioma essencial, fundamentado na segurança das relações jurídicas, buscando, no campo das eleições, preservar a confiança entre indivíduos e Estado, para que mudanças abruptas nas chamadas regras do jogo não possam se tornar instrumento vulnerador de princípios constitucionais, limitação imposta, inclusive, ao Congresso Nacional, ainda que no exercício do Poder Reformador.

Por isso, considerando que o direito material em jogo se trata de direito fundamental de essencial importância, que se relaciona com a própria faceta democrática do Estado, sob pena de trazer um dano irreparável ao titular do direito, é de se respeitar a regra insculpida no art. 16, da CF, posto que seu desrespeito, data máxima vênia, poderá causar enormes prejuízos ao seio da sociedade, ante a própria natureza da perlenga, conceito que deve ser analisado com enorme vagar. 

No mais, deve ser lembrado para o caso em tela o pensamento do filósofo Benjamin Nathan Cardozo, que aduz que “poucas regras em nosso tempo são tão bem estabelecidas que não podem ser obrigadas algum dia a justificar sua existência como meios adaptados a um fim” (MORRIS, Clarence. Os grandes filósofos do direito. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 533-534).

E, nestes termos, a regra justifica-se perfeitamente, eis que a alteração do processo legislativo mostra-se real e legítima.

O Ministro Ayres Britto, disciplina brilhantemente o alcance do art. 16, da CF, da seguinte forma: “eleição é coisa séria demais para ser legislativamente versada na undécima hora” (RTJ 199-3/981). 

CONCLUSÃO 

Ora, se o Tribunal Constitucional Brasileiro (STF) considera que a discussão a respeito da composição de coligações como matéria própria do processo, mais razão deve ter quanto ao registro de candidaturas e à restrição, bem como ao exercício da capacidade eleitoral passiva.

Dessa forma, entendemos que, aprovado o projeto, deverá o TSE decidir se a nova lei altera ou não o processo eleitoral e, por consequência, decidir se a mesma será aplicada nas próximas eleições, permanecendo, até ser decidida a contenda, plenamente válida a decisão do TSE, vetando a candidatura de quem teve contas desaprovadas.