Renata Catacci Guimarães

Introdução

Uma das maiores preocupações contemporâneas é a busca por meios de efetivar os direitos sociais consolidados na nossa Constituição Federal de 1988, visto que em virtude de questões políticas, econômicas, sociais e culturais apresentam dificuldades de serem aplicados na prática para proporcionar o desenvolvimento do país, principalmente no que diz respeito à diminuição das deficiências e desigualdades da sociedade.

E a partir desta preocupação estudar-se-á o controle judicial de políticas públicas como um dos meios de concretizar os direitos sociais, analisando o contexto histórico, tanto do mundo como do Brasil, com o surgimento das Cartas Constitucionais garantistas e dirigentes.

Também serão examinadas as políticas públicas como função precípua do Administrador Público, mas que pela falta de resultados passa a ser realizado pelo Poder Judiciário. Contudo é preciso entender o funcionamento do orçamento público que deve ser bem planejado e desenvolvido.

Existe hoje uma nova concepção de equilíbrio de poderes e não mais de separação absoluta de poderes, pois eles se completam na medida em que se um não é capaz de desempenhar suas funções o outro deve socorrê-lo, pois isolados não conseguem mais atender aos interesses da coletividade.

Dessa forma o Judiciário ganha uma nova roupagem, tornando-se um agente político com grande função de emancipação social cumprindo com seu ideal de justiça através do controle judicial de políticas públicas, tanto na sua formação quanto na sua execução.

Além do papel desses poderes na concretização das políticas públicas, a Lei Maior determina um grande instrumento para tanto, ou seja, o Ministério Público, que, para alguns, é considerado na atualidade como o quarto poder após a Constituição de 1988 ter concedido-lhe autonomia e garantias antes exclusivas dos magistrados, além de configurar-lhe função de guardião da sociedade, defendendo seus interesses (art. 127 da CF).

1.Contexto Histórico

O Estado Constitucional desenvolveu-se a partir da crise do Estado Absolutista, opressor, onde o soberano podia tudo, concentrando todo o poder em suas mãos, enquanto seus subordinados deviam completa e incondicional obediência. E foi no início do século XVIII, tendo seu ponto culminante em 1789 com as Constituições Francesas da Revolução, que vem a se firmar o princípio da liberdade nas relações sociopolíticas, limitando e contendo os poderes políticos.

E nesse contexto surge a idéia de um Estado constitucional de separação de poderes com a eclosão da Revolução da Independência Americana e Revolução Francesa, ocorridas na segunda metade do século XVIII. Enquanto a Revolução Americana deu luz ao espírito Republicano e provocou a emancipação de diversas colônias no continente, a Revolução Francesa difundiu por toda a Europa a idéia de uma constituinte democrática.

A teoria de Montesquieu e o texto da Declaração dos Direitos do Homem inauguram a fórmula de separação de poderes concluindo-se que deveria ser afastada a concentração de poderes, onde a fórmula perfeita seria a prevenção do controle de um poder sobre o outro. Essa primeira versão do Estado constitucional voltou-se para a idéia de legalismo, com necessidade de segurança jurídica; de soberania e autonomia da vontade além de consolidar os chamados direitos de primeira geração, que são os direitos civis e garantias individuas. São direitos de prestação negativa por parte do Estado, ou seja, regras que limitavam sua atuação, permitindo certas práticas aos membros da sociedade como a livre comercialização de mercadorias e a participação no exercício do poder político, seja como um membro investido de autoridade política ou como eleitor dos membros de tal organismo.

O Estado Liberal clássico da primeira fase do constitucionalismo sofreu muitas críticas, tanto por parte do socialismo utópico, exigindo a reforma social, como pelo socialismo científico, pleiteando a extinção do Estado, encarado como fonte de privilégios burgueses.A partir da segunda década do século XX, as estruturas do Estado Liberal se enfraquecem com questionamentos que pretendiam afastar a legitimidade da legalidade.

Mesmo com a consolidação de direitos civis e políticos fundamentais, a discrepância social era nítida, com a concentração da riqueza na mão de poucos. A igualdade difundida era na verdade, uma igualdade formal, fundamentada em uma concepção abstrata de universalidade. O processo de industrialização se intensificava, alterando completamente as relações e o processo de produção.

E foi com o crescente aumento das desigualdades, gerido pela Revolução Industrial, que a questão operária foi explicitada como questão social, multiplicando-se as lutas sociais urbanas, tendo como protagonistas principais a classe operária, a burguesia industrial e o Estado liberal não-intervencionista.

E como resultado da crise do Estado Liberal clássico nascem os primeiros traços do Estado Social que busca sua legitimidade não mais na lei e sim na concretização dos direitos sociais garantidos nas cartas constitucionais dispostos como princípios. Pressionado pelas lutas do movimento operário que reagia às péssimas condições de trabalho e à miséria que se generalizavam, aliadas às crises cíclicas produzidas pelo próprio capitalismo, o Estado Social passou a assumir ações públicas de proteção social ou a agir como autor. Paulo Bonavides apud Marcelo Paulo Wachesleski demonstra a importância dos princípios nessa nova geração constitucional:

Quando prevaleciam por única constante na caracterização do Estado Moderno os direitos da primeira geração, a lei era tudo. Quando se inaugurou, porém, a nova idade constitucional dos direitos sociais, como direitos de segunda geração, a legitimidade – e não a lei – se fez paradigma dos Estatutos Fundamentais [...]. A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o princípio, e o princípio é a Constituição na essência; [...] Ou colocado em outros termos: a legalidade é a observância das leis e das regras; a legitimidade, a observância de valores e princípios [...] A regra define o comportamento, a conduta, a competência. O princípio define a justiça, a legitimidade, a constitucionalidade.[1]

Destaca-se a importância do Estado Social ou Estado de Bem-Estar (Welfare State) existente principalmente nos países capitalistas centrais no período de 1945 – 1975, devido à crise de 1929 que abalou o capitalismo mundial, propiciando um questionamento quanto ao paradigma liberal até então vigente.

O Welfare State proporcionou, no contexto da sociedade capitalista, a construção de políticas sociais resultantes da luta por direitos sociais, institucionalizando o direito na vida social, diluindo a distinção entre as relações públicas e privadas e gerando a publicização das relações privadas que passam a ser mediadas por instituições políticas democráticas e simultaneamente resulta na judicialização das relações políticas.

Simultaneamente à formação do Estado Social surgem as primeiras constituições rígidas definidoras dos direitos, garantias e princípios fundamentais como a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimar, 1919.

A Constitucionalização dos Direitos individuais, coletivos e políticos, passam a representar uma garantia, pois de meras recomendações destinadas a orientar a ação governamental tornam-se verdadeiros direitos subjetivos, passíveis de serem discutidos em face do poder do Estado. Direitos capazes de serem argüidos perante o Judiciário, órgão fiscalizador da correta aplicação dos direitos consolidados na Constituição vigente.

1.2 Processo histórico do surgimento dos direitos sociais no Brasil

Paralelo à evolução dos direitos constitucionais no mundo podemos destacar o desenvolvimento das garantias e direitos sociais no Brasil a partir da década de 1930, com o início do processo de industrialização e migração das populações rurais para o perímetro urbano, ascendente ao poder Getúlio Vargas que efetiva as primeiras conquistas dos trabalhadores com o reconhecimento dos sindicatos, seguros contra a velhice e invalidez e instituição do salário mínimo.

Paradoxalmente, o período democrático que sucede à ditadura Varguista não foi muito produtivo no que diz respeito aos direitos sociais. A partir de 1964 até o início da década de 1980, re-inaugura no país o regime ditatorial, comprometendo o exercício dos direitos civis e políticos. A década de 80 é considerada "perdida" quanto ao crescimento econômico do país, todavia quanto ao desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais é inegável que houve avanço devido, inclusive, a movimentação social ocorrida no período com organizações da sociedade civil associadas à expansão dos movimentos sociais urbanos que lutavam por melhorias nas condições básicas de vida da população.

E com a erupção desses direitos sociais é promulgada a Constituição de 1988, que ao contrário das constituições anteriores, originadas de um contexto pré-definido em que é possível assimilar as forças construtoras de seu texto, inova ao nascer do ceio da Assembléia Constituinte. Foi elaborada sem contar com um anteprojeto e no contexto muito particular em que ela própria era parte do processo de transição entre autoritarismo e a democracia política, e não um resultado dele. Não houve no Brasil um efetivo Estado Social, aos moldes do Welfare State, passando de um Estado conservador, com um histórico cheio de golpes e contra-golpes para um Estado Democrático de Direito.

A Constituição de 1988 é a primeira no Brasil a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para, então discorrer sobre o Estado, de sua organização e do exercício de poderes. Originalmente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material de direitos impossíveis de serem abolidos, modificados ou transformados da Constituição.

Encontramos novos direitos e garantias constitucionais, bem como o reconhecimento da titularidade coletiva dos direitos, com menção à legitimidade de sindicatos, associações e entidades de classe para a defesa de direitos. Admite a idéia de universalização dos direitos humanos ao consagrar o valor da dignidade humana, como princípio fundamental do constitucionalismo brasileiro estreado em 1988. Essa mesma constituição ainda demonstra interesse pela comunidade internacional, ao prever, pela primeira vez, dentre os princípios a reger o Brasil nas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos.

Além de estabelecer no artigo 6º que são direitos sociais o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, ainda possui uma ordem social com extenso universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pela sociedade. [2]

O novo texto constitucional, espelhado nas constituições européias, apresentou-se programático, compromissário e dirigente, todavia não foi capaz de criar um novo imaginário na sociedade. Pois além de manter as velhas práticas positivistas e conservadoras, não foi desenvolvido ainda uma Teoria Geral do Estado e uma Teoria Constitucional, que construiriam as condições de possibilidade para a implementação da nova Constituição, resultando na falta de efetividade das normas constitucionais. [3]

Paradoxalmente, observa-se, principalmente a partir da década de 1980 uma hegemonização crescente no Brasil e no mundo do referencial teórico neoliberal. Esse movimento obteve repercussão global para o Brasil, o qual nunca chegou a ser um estado protecionista (aos moldes do Welfare State). Atualmente encontra-se dependente e vinculado a uma economia e política em escala global, o Estado brasileiro está condicionado a articulações internacionais que prevêem: privatizações e enxugamento da máquina administrativa com precaução focalizada nos ajustes macroeconômicos.

Esse cenário nacional e internacional de contenção da ação do Estado nas políticas sociais reflete na qualidade dos serviços do Estado. E é nesse aspecto que encontramos um grande paradoxo do processo existente nas políticas sociais no país, à medida que se garante na norma a cidadania como direito, observa-se um movimento de redução da intervenção nas políticas sociais por parte do Estado.

E é por essa entre outras razões que se tem buscado outros meios de efetivação das políticas sociais, visto que os poderes eleitos (Executivo e Legislativo) para exercer tal papel não estão conseguindo cumpri-lo. Como forma de suprir essa ineficiência tem-se procurado executar, e até mesmo formular, as políticas públicas por meio de controle judicial, mas este ainda está se desenvolvendo, procurando corrigir algumas falhas e aprimorando alguns resultados positivos.

2.Políticas Públicas

As políticas públicas têm como fundamento a necessidade de atender às normas programáticas que para muitos são vistas apenas como programas, declarações ou promessas para o Poder Público sem obrigação de serem executadas por apresentarem caráter discricionário. Mas este conceito tem sido derrubado, passando a se encarar as normas programáticas como verdadeiras regras a serem seguidas pelos poderes públicos, tanto pelo Poder Legislativo a fim de que elabore projetos de lei a serem votados e promulgados, como pelo Poder Executivo ao sancionar as leis e realizar a Administração Pública, aliás, tem ele se auxiliado das atividades dos chamados dos Conselhos de Gestão na elaboração das políticas públicas e até mesmo pelo Poder Judiciário por meio de determinados instrumentos na falta de presteza e eficiência dos poderes escolhidos constitucionalmente.

Entre as várias definições de políticas públicas (várias porque política pública apresenta um processo complexo não se limitando ao campo jurídico) destacamos a seguinte feita por Edis Milaré apud Sérgio R. Barros:

A política pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.[4]

Esse processo complexo envolve desde o controle de constitucionalidade e da legalidade das normas jurídicas que as definiram até o controle dos outros atos jurídicos relacionados, sejam os administrativos, sejam os praticados por terceiros.

São vários os gêneros de políticas públicas, quais sejam, o das políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como a saúde, educação, segurança e justiça, etc), das políticas sociais compensatórias (como a previdência e assistência, seguro desemprego, etc.) das de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc) das reformas de base (reforma urbana, agrária, etc), das políticas de estabilização monetária.

Podemos identificar alguns dispositivos que são de fundamental importância para a identificação do conteúdo dos direitos sociais e as políticas públicas que lhes são concernentes, estão nos artigos 196 a 200 (que tratam da política de saúde); os artigos 203 e 204 (que regulam a assistência social) e os artigos 205 a 213 (que discorrem sobre a política educacional).

Mesmo que cada uma dessas diversas políticas públicas possua objetivos específicos, elas, contudo, têm em comum um mesmo objetivo final que traduz a sua essência, qual seja, a finalidade de ser uma ação que tenha em mente o coletivo, a população em geral, e pretenda melhorar suas condições de vida, assegurando a concretização dos direitos de todos os cidadãos abrigados constitucionalmente. Assim, podemos concluir que as políticas públicas apresentam um caráter universal, pois visam alcançar a todos que são protegidos pela Constituição.

2.1 Orçamento Público e Políticas Públicas.

É impossível tratar de políticas públicas sem mencionar a questão orçamentária, esta é imprescindível para implementação dos direitos sociais, pois é através da previsão orçamentária de recursos que se realiza a programação de gastos públicos, de arrecadação de receitas e definição das estratégias econômico-sociais do Estado para que as escolhas de prioridades ganhem maior relevância.

Nos dizeres de Ricardo Lobo Torres apud Lúcia Helena Brandt "o orçamento deixou de ser um instrumento de simples controle de finanças e passou a ser instrumento capaz de permitir a implementação de políticas públicas e a atualização dos programas e do planejamento governamental". [5]

Dessa maneira, encontramos na própria Constituição Federal dispositivos que tratam do orçamento público ( arts 163 a 169 – Capítulo II – "Das Finanças Públicas" – do Título VI – "Da Tributação e do Orçamento"), dentre eles é considerável que destaquemos o art. 165:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: 

I - o plano plurianual; 

II - as diretrizes orçamentárias; 

III - os orçamentos anuais.

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. 

§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. 

§ 3º - O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária. 

§ 4º - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. 

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: 

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

§ 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. 

§ 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. 

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. 

§ 9º - Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; 

II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. 

Logo temos que é de grande importância entender do papel da Lei do Orçamento Anual (LOA), do Plano Plurianual (PPA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), pois exercessem relevante função na definição e priorização das ações governamentais, ressalta Leonardo Augusto Gonçalves, "sem a correta compreensão do funcionamento do ciclo orçamentário toda e qualquer discussão em torno da elaboração e cumprimento das políticas públicas tende a se revelar absolutamente inócua, posto que dificilmente serão implementadas sem recursos para tanto". [6]

A disponibilidade de recursos do Estado é que vai condicionar a efetividade das políticas públicas, que será identificada através da realização de cálculos acerca dos possíveis resultados de uma decisão a fim de atender determinadas metas para a satisfação de uma necessidade coletiva. A respeito deste tema nos diz Sério Rezende de Barros:

Assim, a íntima relação existente entre as políticas públicas e os direitos sociais condiciona a atuação do Estado a prestações diretamente vinculadas à destinação dos bens públicos e à disponibilidade orçamentária. Dessa forma, as políticas públicas e, mais particularmente, os direitos sociais que elas informam têm uma dimensão – um peso – economicamente relevante para o Estado. [7]

Aqui cabe salientar que a arrecadação de receitas deve estar diretamente relacionada à previsão de gastos públicos, que além de prever os gastos dos próprios órgãos da Administração Pública deve se voltar para concretização das políticas públicas - visto que ao serem delegados poderes ao Estado esperamos uma contra-prestação que é a satisfação das necessidades da coletividade, mas é claro respeitando o princípio da não-vinculação da receita proveniente de impostos, pois poderia limitar o Poder Executivo na sua função administrativa (mas a própria Constituição nos traz exceções no que diz respeito a gastos em educação e saúde).

A elaboração e a execução do orçamento-programa a fim de traçar as políticas públicas é função precípua do Poder Executivo com aprovação do Legislativo, mas quando estes se mostrarem ineficientes outros instrumentos serão disponibilizados e entre eles encontramos o controle judicial das políticas públicas realizado pelo Poder Judiciário, como veremos a seguir.

3.Controle Judicial das Políticas Públicas

Passamos agora à análise da efetivação das políticas públicas através da máquina judiciária, tanto na sua elaboração quanto na sua execução, e quais instrumentos são utilizados para concretização das políticas públicas e dedicaremos atenção especial ao papel do Ministério Público nessa importante missão. Mas antes disso é fundamental destacar a mudança da concepção de separação absoluta dos três poderes, inclusive do caráter apolítico do Poder Judiciário.

3.1Concepção política do Poder Judiciário e equilíbrio dos poderes

O caráter de neutralidade e apoliticidade do juiz defendida por positivistas com o surgimento do liberalismo clássico, hoje cai por terra, pois se chegou à conclusão de que esta foi sempre uma máscara para manutenção do status quo, impedindo qualquer tentativa de mudanças sociais e a redistribuição das riquezas de forma mais equilibrada. Assim observa Nicole Mazzoneli Facchini:

Se mesmo em um Estado de perfil liberal, em que eram submetidos ao exercício da jurisdição apenas litígios de caráter individual, jamais houve uma atuação judicial completamente neutra, apolítica e estritamente lógica, quanto menos poder-se-á insistir na existência dessa neutralidade em um Estado Democrático de Direito. Estado, este caracterizado por uma sociedade articulada, intensamente pluralista, e em que desdobram incessantemente novos direitos – principalmente aqueles de natureza difusa e coletiva – e novos tipos de litigância, como as controvérsias que envolvem interesse público. [8]

E assim assumimos o caráter subjetivo do juiz, ou seja, não há como desconsiderar seus valores e as experiências no ato de julgar, mas deve conciliar estes com o caso concreto, agindo de forma racional almejando sempre a decisão mais justa de acordo com os critérios da sociedade, logo fica evidente sua função política na defesa dos interesses da sociedade ao julgar condutas da administração, ao avaliar a constitucionalidade das leis e, inclusive, ao tomar uma posição nas ações coletivas. Afirma Sérgio Cruz Arenhart:

A fim de enfrentar a questão posta, um pressuposto merece ser ponderado: o juiz, atualmente, não é mais visto como simples aplicador do direito. Seu papel, na atualidade, foi alterado de mera "boca da lei", como queria o liberalismo clássico, para verdadeiro agente político, que interfere diretamente nas políticas públicas. Este papel se faz sentir em todas as oportunidades em que o magistrado é levado a julgar. Não há dúvida de que um juiz, que deve decidir sobre a outorga ou não de certo benefício previdenciário a alguém, interfere, mesmo que de forma mínima, em uma política pública. Sua decisão importará a alocação de mais recursos, a alteração de certos procedimentos (para atender ao caso concreto), além de representar um paradigma para outras pessoas e situação equivalente. [9]

Essa função política está presente não só nas ações individuais, mas principalmente nas ações coletivas, voltadas para satisfação da coletividade, ações estas ainda novas para os operadores de direito por isso muitas vezes há dificuldades em alcançar sua finalidade. Em razão disso devem ser levados em consideração três fatores: a divergência dos princípios fundamentais do Direito que se encontra em contraste e a preocupação com a realidade social. Dessa forma, juízes têm encontrado no princípio da proporcionalidade uma grande ferramenta de atuação, considerando três aspectos: a adequação, a exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entre os vários meios para atingir a finalidade das normas legais em contraste devemos escolher o que for mais adequado ao caso específico. Na análise desta adequação, há de se preocupar com o menor sacrifício do interesse que será subjugado, ou seja, a sua exigibilidade. Por derradeiro, será considerada a proporcionalidade em sentido estrito, contando com o resultado mais vantajoso no que diz respeito a um interesse, com o menor sofrimento para os outros. [10]

Esses aspectos estão diretamente relacionados à interpretação do texto constitucional feita pelo juiz que além de seguir critérios subjetivos/valorativos deve estabelecer critérios objetivos/hermenêuticos. Reforça Arenhart: "Em todo este papel interpretativo do magistrado se nota alta dose de critérios políticos valorativos. Embora se tente esconder esta imposição sob o manto de argumentos retóricos, não há dúvida de que há de se exigir do magistrado papel valorativo semelhante àquele esperado dos representantes políticos da sociedade". [11]

A partir do exposto acima passamos a compreender que a idéia de separação absoluta encontra-se ultrapassada e que o juiz não é mero aplicador da lei, a Lei Maior conferiu-lhe funções muito maiores e muito mais atuantes no âmbito do Estado Democrático de Direito. Incumbe-lhe exigir dos poderes Executivo e Legislativo a efetivação de políticas públicas quando se mostrarem inertes, pois essa recíproca interferência nada mais objetiva que a satisfação dos interesses coletivos, função precípua do Poder Público. São palavras de Nicole M. Facchini:

Ao Poder Judiciário, habituado a julgar e solucionar litígios interpartes, o ideário de uma democracia de moldes substanciais atribui-lhe um novo papel, que não substitui, mas completa e se agrega às suas antigas, clássicas e rotineiras funções. É possível transforma-lo em um poderoso instrumento de controle e implementação de políticas públicas na medida em que os demais poderes omitirem-se quanto aos seus deveres institucionais de criar e executar políticas públicas, buscando a transformação do existente na direção do horizonte fixado na Constituição Federal. [12]

Arenhart esclarece a diferença entre a válida interferência do poder Judiciário da falsa idéia de usurpação de poder:

...não estará o juiz usurpando a atribuição de qualquer representante de outra Função do Estado; não estará agindo como legislador, já que sua preocupação não é a de criar a política pública, mas apenas a de exprimir a vontade da lei (do Direito) em relação à condução dela pelo Estado; também não se estará colocando no papel de agente do Executivo, especialmente porque sua função se limitará a indicar a direção a ser trilhada pelo Estado, sem considerar o modus operandi da medida. Por outro lado, não importará que o magistrado não goze – como os membros do Legislativo e do Executivo – da legitimidade pelo voto para efetivar estas escolhas políticas. É que, embora sua legitimação não decorra do voto popular, ela advém do processo em que a decisão é formada. Porque a decisão judicial nasce do contraditório entre os interessados e assenta-se na possibilidade de diálogo anterior entre os que, possivelmente, serão atingidos pela atuação jurisdicional, seu conteúdo deve gozar da mesma legitimação a que faz jus o ato político emanado do Legislativo ou do Executivo. [13]

Além da apoliticidade e neutralidade outra razão levantada para impedir o Poder Judiciário de desempenhar seu novo papel constitucional está ligada ao fato de seus membros não terem sido escolhidos pelo processo eleitoral, ou seja, de não terem sido escolhidos pelo povo. Razão esta que não vinga, pois não é porque o Legislativo e Executivo foram eleitos democraticamente pela população que assegurará o cumprimento de suas funções, por isso a própria Constituição determina poderes ao Poder Judiciário para sua guarda e cumprimento. Nicole afirma nesse sentido:

Outro argumento que não persuade refere-se à suposta ilegitimidade democrática dos magistrados por não estarem submetidos ao processo eleitoral. Esse raciocínio assenta-se tão-somente na idéia de um sistema democrático figurado ainda em termos liberais. No moderno Estado de Direito, no entanto, não se sustenta a mera configuração de uma democracia formal, em que apenas os representantes eleitos pelo povo servem como veículo das pretensões e necessidades daqueles que os elegeram. Ademais, ninguém garante que aqueles que receberam o voto popular realmente representem a vontade da maioria, ou – o que ainda se reveste de maior preocupação – a vontade da Lex Maior. [14]

Embora seja possível o controle judicial de políticas públicas, há determinadas situações em que a Lei Maior concedeu aos Poderes Executivo e Legislativo a discricionariedade na escolha das prioridades na implantação das políticas públicas, logo não poderá o Poder Judiciário intervir para modifica-lo, a não ser que justifique sua atuação como a mais correta para o cumprimento dos preceitos constitucionais e que os demais poderes agiram contrários a eles.

3.2Controle Judicial na Formação e Execução de Políticas Públicas

Embora na prática não haja uma real distinção entre o controle judicial na fase de formação e de execução das políticas públicas, pois muitas das vezes ele é feito concomitantemente, faremos a análise, por uma questão didática e melhor entendimento, dessas duas etapas separadamente.

O Controle Judicial da formulação das políticas públicas ocorre devido à necessidade de se verificar a compatibilidade dessas com as diretrizes traçadas pelo texto constitucional. Sabe-se que incumbe ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo a escolha das políticas publicas, conforme define a constituição, mas em determinadas hipóteses a própria Constituição já traçou o conteúdo de uma política pública e por isso os meios utilizados para atender os anseios sociais devem estar vinculados a esse.

A nossa carta constitucional estipulou que as áreas da educação e da saúde merecem tratamento especial, ou seja, devem ser-lhes reservados percentuais mínimos dos recursos orçamentários. Só então depois de reservados esses percentuais mínimos é que poderão os Poderes Executivo e Legislativo valerem-se da sua discrionariedade na escolha dos programas a serem adotados. Temos como exemplos o art. 198, II, da Constituição Federal, estabelece como diretriz do sistema único de saúde o atendimento integral, com prioridade das atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e o art. 227, caput, da Lei Maior, garante a proteção especial à criança e ao adolescente, determinando que essa assistência deva ser prestada com absoluta prioridade. [15]

Nas situações específicas onde a Constituição estabeleceu certas prioridades, o seu descumprimento terá como conseqüência o acionamento do Poder Judiciário, afim de que este determine a execução dessas políticas públicas para só posteriormente definir quais as outras a serem adotadas.

Em contra partida, há muitos outros casos em que a Constituição não determinou quais os meios a serem utilizados para satisfação das necessidades sociais, deixando a critério do Administrador Público a escolha de prioridades entre os programas sociais e econômicos que poderiam ser adotados, sob o controle do Poder Legislativo para aprovação ou não das leis que determinam as diretrizes e formas de atuação para a execução de certa política pública. O controle judicial nesses casos deve se pautar em avaliar se o Administrador Público foi contrário ao que dispõe a Lei Maior que tem sempre como fim a defesa dos interesses da coletividade. Salienta Brandt:

...quando o Poder Judiciário for provocado para avaliar as escolhas realizadas pelos Poderes eleitos, ele deve se restringir a analisar se aquela escolha foi tomada em expressa contradição às finalidades das normas constitucionais aplicáveis à espécie ou se ela (escolha) foi desarrazoada. Só em caso positivo é que deve julgar procedente a pretensão a ele apresentada, pois, como vimos, as escolhas acerca do conteúdo das políticas públicas, na maioria das vezes, foram atribuídas, pelo legislador constituinte, aos membros dos poderes eleitos, não obstante essas escolhas devam ser realizadas de acordo com as diretrizes traçadas pelo programa constitucional.[16]

Após tratarmos da formulação das políticas públicas, passamos a discorrer sobre a execução das políticas públicas, neste caso o Judiciário é convocado a fazer cumprir as políticas públicas já definidas em lei, ou para satisfazer uma política determinada pela Constituição, mas que ainda não fui regulamentada.

O Controle Judicial das políticas públicas nessa fase pode estar ligado a atos administrativos de competência vinculada ou de competência discricionária; no primeiro caso o Judiciário deve julgar se o administrador agiu conforme determinação da lei, melhor dizendo sobre a interpretação dada a ela. Já no caso de atos discricionários o controle judicial apresenta certa restrição e complexidade.

É complexo e limitado esse controle judicial, pois somente em algumas situações é que poderá ser feito e dependerá de uma minuciosa análise por parte do Poder Judiciário que envolva critérios de razoabilidade e racionabilidade. É necessário que o Poder Judiciário tenha à sua disposição todas as características dos fatos relacionados ao ato administrativo discricionário. Essa avaliação não se restringe a lei, deve alcançar o caso concreto para saber se o administrador conseguiu optar pelo meio que satisfaça o interesse público, entre os vários outros envolvidos. [17]

A discrionariedade foi concedida ao Administrador Público para que nas situações em que a lei não conseguisse prever o melhor resultado para atingir o interesse coletivo, pudesse optar por um ato administrativo que alcançasse tal finalidade com maiores benefícios para a sociedade.

Logo temos que somente nas hipóteses em que o Judiciário comprovar que a sua opção e não a do Administrador é a única possível para atender o interesse público é que poderá substituir a decisão administrativa, visto que a discrionariedade do administrador não pode ser substituída pela discricionariedade do juiz.

Para finalizar citamos o exemplo[18] da Ação Civil Pública nº 2006.61.08.007.664-9, em trâmite da Justiça Federal de Bauru/SP, proposta pelo Ministério Público Federal em face da União. Em investigação feita pelo Ministério Público Federal foi constado que a comercialização de carne de frango de varejo estava sendo realizada de forma irregular prejudicando o consumidor. Foram colocados pedaços de gelos no interior de frangos inteiros ou injeção de água ou substâncias que retém água pela carne dos frangos, resultando no aumento do peso do produto colocado a venda.

Essa irregularidade deveria ser controlada pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, que é o órgão incumbido da fiscalização por meio do método chamado "dripping test", aprovado pela portaria nº 210, de 10 de novembro de 1998, criada pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento.

Mas segundo a investigação realizada esse método é pouco eficaz para a análise de frangos inteiros e congelados e não é aplicável à fiscalização de carnes resfriadas de aves, além de haver um método supostamente simples, preciso e eficaz elaborado por Dr. Roberto Oliveira Roça da UNESP-Botucatu, que realiza a eficiente avaliação da absorção de água nas carcaças e cortes de frango.

Munido desses fatos o Ministério Público Federal propôs a referida ação civil pública para obter a condenação da União à obrigação de aplicar, por meio do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, um método capaz de definir de forma eficiente o teor de água em cortes e carcaças de aves congeladas ou resfriadas, com ou sem osso.

Ainda requereu o Ministério Público Federal que a União fosse condenada a avaliar o método desenvolvido pelo Dr. Roberto de Oliveira Roça. Após análise dos fatos e reconhecimento da legitimidade do Ministério Público Federal para propor a ação e reconhecida a juridicidade dos pedidos do autor em relação ao método foi concedida liminar.

Como podemos notar, a decisão administrativa abordada na ação civil pública é de caráter discricionário, pois envolve a adoção de conhecimentos técnicos – ligados a critérios administrativos – permitindo à Administração avaliar se os métodos a serem adotados correspondem ao interesse público, e assim permitir sua aplicação.

Dessa forma temos que embora a discrionariedade do juiz não possa substituir a discricionariedade do administrador, ficou comprovado pela investigação do Ministério Público que o método exposto encontrado pelo autor é o único capaz de atender o interesse público de forma eficiente, melhor dizendo, é a única maneira eficaz de analisar se há ou não excesso de água na carne de frango, protegendo o consumidor dos abusos de comerciantes.

Logo é perfeitamente admissível a interferência do Judiciário nesse caso – e em outros semelhantes – pois ficou comprovado o descaso do administrador Público em encontrar o melhor método para garantir a eficiência no seu papel fiscalizador a fim de impedir a má-fé dos comerciantes sobre os consumidores, grande massa da sociedade.

4.Instrumentos de Controle Judicial de Políticas Públicas - Ação Civil Pública.

Na busca da efetivação do controle judicial de políticas públicas têm sido implementados instrumentos judiciais, como mandado de injunção, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação de insconstitucionalidade por omissão, argüição de descumprimento de preceito fundamental e ações coletivas. Entre esses instrumentos abordaremos a ação civil pública – uma espécie das ações coletivas.

A ação civil pública foi regulamentada pela Lei 7.347 em 1985, como defesa dos diretos difusos e coletivos, primeiramente tratou de áreas como meio ambiente, patrimônio histórico e cultural e direitos do consumidor, logo após estendeu-se ao patrimônio público e ao controle da probidade administrativa até alcançar os direitos fundamentais como educação, saúde, trabalho, etc.

São legitimados para propor a ação civil pública o Ministério Público, a União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, também estão incluídas nesse rol as associações que estejam constituídas há pelo menos um ano. Mas o maior número das ações é proposta pelo Ministério Público e é dele que trataremos no presente tópico visto que a Constituição de 1988 lhe conferiu o papel de "guardião da sociedade".

O Ministério Público ganha a partir da Carta Constitucional de 1988 autonomia e independência funcional, além de garantias antes reservadas somente aos magistrados, como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Tais garantias lhes são conferidas para que possam atuar livremente, sem que sofram pressões externas e até mesmo internas quando produzidas por membros superiores da instituição.

A garantia de sua autonomia e independência funcional, impõe a necessidade de crescente e constante aprimoramento institucional na busca de uma maior instrumentação que possibilite desempenhar de forma mais efetiva suas responsabilidades na garantia do cumprimento da lei e da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, difusos e coletivos. [19]

Podemos comprovar essa nova vertente do Ministério Público por meio do art. 127 da Constituição Federal ao defini-lo como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". São objetos de sua defesa - interesses que a Constituição considera indisponíveis – o direito à vida, à liberdade, à educação, à saúde, entre outros. E nessa nova perspectiva de politização do órgão judicial e do Ministério Público citamos Rogério Bastos Arantes:

O Ministério Público tem sido o agente mais importante da defesa de direitos coletivos pela via judicial e, dado que os conflitos relativos a tais direitos têm geralmente conotação política, pode-se dizer que também tem impulsionado um processo mais amplo de judicialização dos conflitos políticos e, no sentido inverso, de politização do sistema judicial. [20]

Muito embora a Ação Civil Pública objetive a defesa da coletividade, ela ainda não é capaz de alcançar a todos, a maioria dessas ações acabam protegendo interesses particulares de grupos específicos (sejam direitos difusos ou coletivos). Isso porque nosso sistema judiciário está acostumado à satisfação imediata da lide, ou seja, o juiz ao determinar à parte vencida o cumprimento de determinada prestação (entrega de bem da vida, obrigação de fazer ou não fazer ou pagamento de quantia certa) termina sua função jurisdicional. Mas essa é uma das características das ações bipolares que tem autores e réus determinados ou determináveis, nas ações de tutelas coletivas a execução é permanente de natureza continuada, ou seja, não é possível fazê-la através de um único ato. É o que observamos nas palavras de Lúcia H. Brandt:

Essas ações coletivas, que muitas das vezes discutem as políticas sociais, diferenciam-se das tradicionais ações, nas quais se discutem relações jurídicas de natureza privada. Se, por um lado, essas ações que versam sobre as relações privadas, de regra, resolvem-se pela entrega do bem da vida a uma das partes, por outro, as decisões judiciais que têm como objeto as políticas públicas envolvem critérios de justiça distributiva e, consequentemente, não podem ser resolvidas dessa maneira. [21]

E sob essa nova perspectiva da função jurisdicional é que percebemos a necessidade de alteração na forma de atuar do Poder Judiciário. É necessário que desenvolva seu caráter político, que participe mais de cada fase do processo a fim de conhecer a realidade dos fatos, do cotidiano da sociedade, é preciso que assuma seu caráter subjetivo sem deixar de ser imparcial.

Devem ser colhidas informações a respeito do direito social que está sendo reclamado, ou mesmo da política pública a ser implantada, por exemplo, quais serão as pessoas beneficiadas com tal medida e quais poderão ser prejudicadas.

Também é de grande importância a análise da região (local) a ser a atingida, pois é certo que uma medida judicial não será capaz de alcançar globalmente a todas e nada mais justo procurar satisfazer primeiramente os menos favorecidos, as regiões mais pobres e deficientes (mas o que temos observado na prática é justamente o contrário, ou seja, aqueles que tem acesso à justiça encontram-se nas regiões mais desenvolvidas)

Neste contexto, sustenta-se que, num processo coletivo fundado na representação legal, o juiz da causa não pode atender a um pedido do autor que venha a afetar os interesses de terceiros que não se encontram efetivamente representados nos autos. Deste modo, a formulação de uma nova política pública no bojo de um processo judicial somente pode ser aceita caso o autor coletivo comprove ter sido garantida a participação de todos os envolvidos na formulação da proposta. Basta se imaginar o exemplo das decisões adotadas no interior dos chamados conselhos consultivos, tais como os conselhos municipais de saúde e educação, as quais poderiam ser utilizadas pelo autor coletivo sob o argumento de que surgiram da necessidade e vontade populares. Nas hipóteses em que o pedido formulado pelo autor coletivo consista na obtenção de um provimento judicial que substitua o processo de decisão política, o juiz deve investigar se a solução buscada perante o Poder Judiciário não fere o princípio democrático. [22]

Dessa forma, temos que é imprescindível procurar na própria sociedade as respostas para os problemas sociais e econômicos de nossa nação. E aqui observamos a grande importância do Ministério Público, visto que apresenta uma grande ferramenta para tal realização, ou seja, o inquérito civil, ferramenta esta concedida pela Lei Maior de 1988, em seu art. 129:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

(...)

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

Nessa fase extrajudicial, através do inquérito civil o Ministério Público pode utilizar-se de documentos de autoridades da Administração Pública direita ou indireta, requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais para realização de atividades específicas, além de exames, perícias, inspeções, que podem elucidar acerca das circunstâncias em que foram adotadas certas políticas públicas, ou os motivos que levaram a omissão do poder público. Como resultado, teremos elementos que auxiliarão na correta delimitação de pedidos formulados na ação civil pública a ser proposta.

Outra ferramenta que pode ser utilizada para instruir os inquéritos civis e outros procedimentos investigativos é a audiência pública. Ela permite a discussão sobre a execução dos direitos fundamentais, a fim de subsidiar os membros do Ministério Público com informações, além de possibilitarem a participação da sociedade na tomada de suas decisões.

A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas passa, em primeiro plano, pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios, Estados e da União no que concerne ao atendimento aos direitos sociais, buscando, em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo, Conselhos de Gestão e sociedade civil organizada definir prioridades a fim de que eventuais falhas nesse atendimento sejam devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos públicos contemplem recursos suficientes para tanto.

De outra ponta, se o Ministério Público deve atuar na elaboração das políticas públicas, também deve ter ao seu alcance instrumentos eficazes na busca do cumprimento das políticas já formuladas. [23]

Por essas e por outras razões concluímos que o Ministério Público é hoje um forte instrumento a fim de proporcionar efetividade e eficiência aos direitos sociais através do Controle Judicial de Políticas Públicas, promovendo assim o desenvolvimento do país, diminuindo suas deficiências ao contribuir para a defesa dos hipossuficientes.

Se este novo quadro institucional, associado ao voluntarismo dos membros do MP, representa uma possibilidade de judicialização dos conflitos políticos, de outro lado isto tem significado também uma crescente politização da instituição, e em duplo sentido: do ponto de vista do arranjo institucional de poderes, o MP rompeu o isolamento do sistema judicial para se constituir em ator relevante no processo político, interferindo muitas vezes de modo decisivo na dinâmica entre os poderes; internamente, a politização também vem ocorrendo no sentido de um posicionamento ideológico de seus integrantes diante dos desafios de redução de desigualdades sociais e ampliação da cidadania.[24]

Considerações Finais

Realizado o estudo do Controle Judicial de políticas públicas podemos perceber que a preocupação com a coletividade na defesa de seus interesses, almejando uma sociedade mais "humana" e igualitária, tem sido cada vez maior, por isso há necessidade de se desenvolver mecanismos e alterar as velhas práticas de manutenção do status quo, derivadas do positivismo, como por exemplo, a neutralidade do juiz, onde este era considerado mero aplicador da lei. Agora passa a assumir seu caráter político, admitindo inclusive que ao julgar concilia seus valores com a razão e o caso concreto, mas sem deixar de ser imparcial.

Outra idéia derrubada é a da separação absoluta dos poderes, pois, apresentam sim funções que lhes são precípuas, mas podem exercer as de outro quando pertinente, visto que devem se equilibrar objetivando a eficiência dos serviços públicos produzindo benefícios para a coletividade.

O Ministério Público é outro grande protagonista na defesa dos direitos sociais não só na proposição das ações coletivas, principalmente da ação civil pública, como também no inquérito civil, este considerado uma grande ferramenta investigativa para a colheita de materiais além das audiências públicas que permitem a participação da sociedade na discussão a cerca dos direitos fundamentais e contribuírem com informações.

Logo auxiliarão o juiz na decisão de dar provimento ou não da ação proposta, se deve conceder o direito social demandado, ou exigir que seja formulada ou executada determinada política pública.

Referências:

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[1] WACHELESKI, Marcelo Paulo. Jurisdição e políticas públicas: a eficácia dos direitos fundamentais e a politicidade do Poder Judiciário. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 16 , fev. 2007. Disponível em:
< http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao016/Marcelo_Wacheleski.htm>
Acesso em: 21 dez. 2007.

[2] PIOVESAN, Flavia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos Direitos Sociais e Econômicos no Brasil: Desafios e Perspectivas. Disponível em: <redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/282/28281509.pdf> Acesso em 11 de jan. 2008.

[3] STRECK, Luiz Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova Crítica do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[4] BARROS, Sérgio Resende. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação. Disponível em: <http://www.srbarros.com.br/artigos.php?TextID=89>. Acesso em: 12. jan. 2008.

[5] BRANDT, Lúcia Helena. O Controle Judicial das Políticas Públicas: Os Limites Institucionais-Estruturais do Poder Judiciário. 160fls. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília, Fundação Eurípides Soares da Rocha, 2007, p. 48.

[6] GONÇALVES, Leonardo Agusto. O Ministério Público e a tutela dos direitos sociais.sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/130307.pdf . Acesso em 17 dez. De 2007.

[7]BARROS, Sérgio Resende. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação. Disponível em: http://www.srbarros.com.br/artigos.php?TextID=89. Acesso em: 12. jan. 2008.

[8]FACCHINI, Nicole Mazzoneli. Controle Judicial das Políticas Públicas: a questão da reserva do possível, da legitimação e do princípio da separação dos poderes. Disponível em:
<://www.tex.pro.br/wwwroot/00/070620controle_nicole.php >
Acesso em: 05 jan. 2008.

[9] ARENHART, Sergio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 777, 19 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7177>. Acesso em: 29 de dez. 2007.

10Id. Ibid.

[11] Id. Ibid.

[12] FACCHINI, Nicole Mazzoneli.Op. Cit.

[13] ARENHART, Sergio Cruz. Op. Cit.

[14] FACCHINI, Nicole Mazzoneli.Op. Cit

[15]BRANDT, Lúcia Helena. Op. Cit., p. 61.

[16]BRANDT, Lúcia Helena. Op. Cit. p. 65.

[17]BRANDT, Lúcia Helena. Op. Cit

[18] BRANDT, Lúcia Helena. Op. Cit. 76-77.

[19] OLIVEIRA, Adriana de, et. e tal. Materialização dos direitos sociais: O papel do Ministério Público e do Serviço Social. Disponível em: www.mp.rs.gov.br/areas/ceaf/arquivos/enssmp/Textos%20Completos%20PDF/a_mater_dir_soc_papel_mp_ss.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2008

[20] ARANTES, Rogério Bastos. Direito e Política: O Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos. www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n39/1723.pdf. Acesso em 09 jan. 2008.

[21] BRANDT, Lúcia Helena. Op. Cit. p.113

[22]APPIO, Eduardo. Amicus curiae e audiência pública no processo civil brasileiro – propostas para o fortalecimento da cidadania através das ações coletivas no Brasil. <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao009/eduardo_appio.htm>. Acesso em 17 dez. 2007.

[23] GONÇALVES, Leonardo Agusto.Op. Cit.

[24] ARANTES, Rogério Bastos. Op. Cit.