1 INTRODUÇÃO


O objeto de estudo deste trabalho é analisar a Efetivação do Direito Fundamental à Saúde no Brasil, visto não apenas como a ausência de doenças, assim como garante a Constituição da OMC (Organização Mundial de Saúde) em seu preâmbulo , mas um reconhecimento efetivo ao direito à saúde que também tem previsão normativa na Constituição Federal da República de 1988.
A sociedade brasileira, principalmente após a década de 1980, tem adquirido a consciência de seu direito à saúde, abrangendo milhões de pessoas que se encontram à margem do mercado consumidor, como também as elites economicamente ativas estão reivindicando a materialização e efetividade ao direito legitimado.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, estabelece em seu art. XXV que: "Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde... cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis". Não resta dúvida que o Direito à saúde é essencial e superior a todos, para eficácia à vida digna de um povo.
O Poder constituinte originário almejou estabelecer um Estado Democrático e Social de Direito, com função ativa na busca por reduções nas desigualdades sociais. É necessária a leitura dos quatro primeiros artigos da Constituição, em especial o Art. 3º, para constatar a discordância entre "A vontade de poder" e "A vontade de constituição".
É realmente a saúde, de fato um direito? Gera ele alguma obrigação e, consequentemente, a responsabilidade pelo não cumprimento desta? Será que é por acaso, que a Organização Mundial de Saúde (OMC), classificou o modelo adotado pelo Brasil, como um dos piores do mundo, dentre uma lista de 191 países?
Enquanto responsável pela sustentação da Constituição, o Poder Judiciário é constantemente convocado para dirimir os conflitos entre os cidadãos e o poder público. Quando de um lado, a população necessita do poder público para que efetive o cumprimento das normas constitucionais, e que do outro lado tem este por sua vez, suas ideologias e correntes partidárias que podem vir a prejudicar o bom desempenho da saúde pública, ou até mesmo em decorrência da má gestão pública, descumprem com a sua obrigação constitucionalmente determinada, que é fornecer uma saúde pública eficiente e digna para a população brasileira.
Neste exato momento, milhares de ações tramitam em todo o país objetivando o fornecimento, por parte do Estado, de algum medicamento ou tratamento médico. Nestas demandas, encontra-se a manifestação de uma série de questões muito mais amplas, que dizem respeito à espécie de Estado que queremos e a sua conformação organizacional.
O aspecto jurídico destaca-se pela necessidade de efetivação e relevância ao Direito de Isonomia na saúde pública. Sendo acentuado o contraste existente entre os avanços tecnológicos no ramo da Medicina e Medicamentos, e o verdadeiro descaso e lentidão do Poder Legislativo em formular leis benéficas aos usuários da saúde pública, bem como a falta de interesse do Poder Executivo em desempenhar com eficiência o seu dever de gestor no âmbito da saúde pública. Neste diapasão a justiça é imprescindível para dirimir os conflitos, por razões de direito da população e dever do Estado de garantir uma melhor qualidade do sistema único de saúde.
Dentre essas questões, se sobressai a do equilíbrio de poderes, que se manifesta no dilema de aferir-se até onde é lícito ao Poder Judiciário interferir em ações do Executivo. Também vários aspectos processuais entram em voga, notadamente no que fere a legitimidade para a propositura das demandas, e especialmente a eficácia concreta da tutela jurisdicional por fim prestada.
É relevante a pesquisa sobre o Direito à saúde, sob esse novo enfoque conferido pela Constituição de 1988, que demarcou as possibilidades da materialização judicial desse direito, com o apoio da teoria dos direitos fundamentais que vem sendo desenvolvida no Brasil e em outros países.

É válido considerar também o alcance e as possibilidades de atuação do poder judiciário na aplicação e efetivação do direito fundamental a saúde, diante das omissões do poder Legislativo e do Executivo, que na visão do constitucionalismo tradicional, seriam os principais responsáveis pela concretização deste direito fundamental e essencial: O Direito à Saúde.
A apresentação do estudo encontra-se no campo do Direito Constitucional, sendo então embasada através de Doutrina, Legislação e Jurisprudência, Artigos Jornalísticos, demonstrando a relevância da discussão desse tema enquanto necessário para a garantia e efetivação ao direito de fornecimento da saúde pública efetivamente igualitária e apropriada. Quanto à importância acadêmica, filia-se levando em consideração o acesso à justiça e aos direitos fundamentais baseando-se nos preceitos dos Artigos da Constituição Federal de 1988.
Dentre os autores que tratam do tema, destacamos a opinião do jurista José Afonso da Silva, que chancela a posição de que os direitos sociais são normas de superior hierarquia, constituindo uma dimensão dos direitos fundamentais do homem, pois tendem a realizar à igualização de situações desiguais, sendo, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.
Após a Constituição de 1998, conforme dispõe o Artigo 5º, § 1º, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, muito embora tal disposição se estenda à todos os direitos fundamentais, inclusive os sociais (como é o caso do direito a saúde), isso não significa, necessariamente, que estaria a ensejar o gozo de direito subjetivo individual, independentemente de concretização legislativa.
A maioria dos doutrinadores concordam com a idéia de que quem vai definir o direito à saúde é o legislador federal, estadual, e/ou municipal, dependendo da competência prevista na própria Constituição, no entanto, é importante ressaltar que diante da inércia governamental de realização de um dever imposto constitucionalmente, deve o Poder Judiciário quando provocado, proporcionar as medidas necessárias ao cumprimento do direito fundamental em jogo, atentando, porém para a chamada "reserva do possível".
A metodologia na elaboração desta monografia utilizará principalmente as pesquisas bibliográfica, constituída principalmente de artigos científicos e livros, visto que permite a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla; e a pesquisa documental. Embora esta última se assemelhe à pesquisa bibliográfica, permite que se tenha acesso a documentos do tipo: reportagens de jornal, relatórios de pesquisa, documentos oficiais, textos jurídicos e de direito sanitário, pesquisas virtuais em sites jurídicos, sentenças de primeiro grau, jurisprudência, discussões que envolvem os direitos fundamentais e constitucionais programáticos que enfocam o direito à saúde como base para uma vida digna. As observações jurídicas e sociais mais relevantes referentes ao tema abordado foram instrumentos para construção desta pesquisa.
A partir do segundo capítulo serão observadas a evolução histórica e principais conceitos referentes ao tema em estudo, de modo a situar o leitor na origem e desenvolvimento do direito a saúde pública na filosofia e nos direitos fundamentais. Bem como será observada a natureza programática dos direitos sociais, e em seguida iremos discorrer brevemente sobre a eficácia jurídica zero, mínima e máxima.
No capítulo subseqüente, já introduzindo a temática basilar no que se refere ao Direito à Saúde, faremos um resumido estudo sobre a competência territorial e legislativa da saúde pública no Brasil, a Garantia Constitucional do direito à saúde, a admissibilidade da Reserva do Possível, como também será enfocado o Dever do Estado de satisfazer o Direito à Saúde.
Em seguida, no capítulo quatro, será abordada a atual situação da saúde pública no Estado do Rio Grande do Norte, bem como serão feitas breves considerações sobre a Emenda Constitucional Nº 29/00.
Posteriormente, no quinto e último capítulo, o objetivo principal do estudo será abordado, sendo este referente ao fundamento constitucional do acesso à justiça, bem como a concretização do direito à saúde na jurisprudência.
O certo, porém, é que o tema apresenta extrema importância na atualidade, qualquer que seja o prisma considerado. Devido essa crescente importância e da relativa ausência de trabalhos que abordem especificamente esta temática, a proposta apresentada busca traçar algumas considerações úteis acerca do assunto, objetivando trazer à lume os aspectos mais relevantes do direito à saúde como objeto da tutela jurisdicional.




2 DIREITO À SAÚDE


2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A CONCEITUAÇÃO DE SAÚDE


Muito já se escreveu a respeito da conceituação da saúde durante a história da humanidade. A análise histórica demonstra que a saúde foi, tradicionalmente, objeto de competência local. O filósofo grego Hippocrates , que viveu no século IV a.C. refere-se à influência da cidade e do tipo de vida de seus habitantes sobre a saúde, e afirma que o médico não cometerá erros ao tratar as doenças de determinada localidade quando tiver compreendido adequadamente tais influências.
Na mesma corrente, Paracelso , médico e alquimista suíço-alemão que viveu durante a primeira metade do século XVI, ressaltou a importância do mundo exterior (leis físicas da natureza e fenômenos biológicos) para a compreensão do organismo humano.
Na idade média, seu cuidado deriva da obrigação moral de caridade, sob a responsabilidade da Igreja, e esta quem organizava a ajuda aos necessitados.
Já no início do século XVII, o filósofo francês Descartes , que ao aproximar o corpo humano à máquina acreditou poder descobrir "a causa da conservação da saúde". Para Engels , filósofo alemão do século XIX, estudando as condições de vida de certos trabalhadores na Inglaterra, na ebulição da Revolução Industrial, concluiu que os tipos de vida dos habitantes de uma cidade, e o ambiente de trabalho, são responsáveis pelas condições de vida das populações, considerando o caráter mecanicista da doença. Afirma Aristóteles que "se acreditamos que os homens, como seres humanos, possuem direitos que lhes são próprios, eles tem então, um direito absoluto de gozar de boa saúde, o que a sociedade e só ela é capaz de proporcionar-lhes" (Citado por Wartburg).

A conceituação de saúde e de direito à saúde na organização do Brasil, Estado Federal e capitalista, é responsável por garantir meios para os avanços tecnológicos em saúde, aliados ao crescente custo do sistema que os abriga, respondendo, entretanto, sem qualquer dúvida, pelo controle realizado pela esfera central de governo sobre a organização sanitária.
O acolhimento constitucional do direito à saúde, que gera responsabilidades pela prestação de serviços, de promoção, proteção, e recuperação da saúde, é de formalização recente. Por outro lado, a existência de normas que reprimem comportamentos considerados nocivos à saúde ou estimulem aqueles que os favorecem, são encontrados nos mais antigos textos legislativos.


2.2 O DIREITO À SAÚDE E A CONSTITUIÇÃO


O fim da Constituição é a declaração e a garantia dos direitos fundamentais; o Poder vem a serviço do homem, simplesmente cumprindo as tarefas constitucionais, como aquelas declaradas no art. 3º, porque fundamentos do Estado Democrático de Direito são a soberania popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, postos no art. 1º da Lei Maior.
O federalismo cooperativo acolhido pela Constituição Federal de 1988 consagrou, no tema da saúde pública, a solidariedade das pessoas federativas, na perspectiva de que a competência da União não exclui a dos Estados e a dos Municípios (inciso II do artigo 23 da CF/88).
Premissa fundamental para a compreensão da dimensão do direito à saúde como direito subjetivo é considerarmos a evolução dos direitos frente aos modelos constitucionais. O direito à saúde, em especial quando considerado como contraposto de uma obrigação estatal, tem sua base fundamental na Constituição e é a partir desta estatura jurídica que deve ser considerado.
O constitucionalismo como primado do Estado Moderno, noção esta que não é tão cara, é, em verdade, bastante recente em termos de história da humanidade. As Constituições, nas feições orgânicas pelas quais hoje as concebemos, têm pouco mais de duzentos anos, podendo ser citados por marcos a Constituição Norte-americana e a Constituição Francesa, no último quartel do século XVIII.
Estes diplomas surgem no contexto da doutrina iluminista, cuja faceta político-econômica é o liberalismo. Este é um momento de ruptura com o absolutismo monárquico e com séculos de opressão do Estado. É um momento de revisão do papel e do conteúdo do Estado frente à sociedade, e de auto-afirmação do indivíduo perante o Estado. Não é de causar estranheza, portanto, que os direitos contemplados nas célebres "Declarações de Direitos" tenham, sobretudo, um caráter negativo, ou seja, tenham por escopo fundamental assegurar a liberdade do indivíduo perante o Estado e limitar a atuação deste último.
A principal virtude do Estado nesta visão é abster-se de interferir na vida dos cidadãos, permitindo o livre exercício das atividades econômicas sob as leis do mercado. Naturalmente, o Estado do modelo constitucional liberal é um Estado?mínimo, porque suas obrigações têm preponderante natureza negativa. Os direitos constitucionais são os direitos do indivíduo.
A sociedade do século XVIII não permitiu que se implantasse um quadro de justiça social. As condições sociais, guardadas as devidas proporções, continuaram tão ruins, ou piores, do que aquelas vistas no ancién regime. Poucos grupos sociais colheram os frutos da ruptura dos grilhões do Estado personalista. As pressões sociais manifestaram-se em múltiplos movimentos, inclusive revolucionários.
Isso conduziu ao constitucionalismo social do início do século XX e aos direitos de segunda geração, com especial ênfase para os direitos trabalhistas e sociais, que já podem ser vistos nas Constituições Mexicana e Alemã da segunda década do século XX.
Nesse momento, começa a ocorrer uma mudança de perspectiva no papel do Estado, a quem não cabem somente comportamentos negativos ou uma postura passiva diante da realidade social. Ao Estado, como síntese da busca do bem comum, são carreados comportamentos ativos, de intervenção na realidade em busca concretização dos objetivos que representam os valores constitucionais.
Os direitos constitucionais já são os direitos de um indivíduo no contexto de uma sociedade. Este processo irá se consolidar com as Constituições Italiana e Alemã (Bonn), ambas da década de quarenta.
Na segunda metade do século XX, surgem os direitos de terceira e quarta geração, direitos estes que têm em perspectiva a própria sociedade, de forma indeterminada, e o indivíduo enquanto cidadão. São, portanto, os direitos difusos e coletivos e os direitos da participação democrática, ou seja, os direitos políticos.
O direito à saúde pode ser tomado sob qualquer um destes prismas. É um direito individual na medida em que qualquer pessoa tem direito à sua integridade física e psíquica como corolário do seu direito de personalidade. Neste caso, dispõe de ação e pode exercer pretensão objetivando a abstenção de comportamento de terceiros que venham a por em risco sua saúde.
O direito à saúde também é um direito social e como tal é expressamente previsto nos artigos 6º, caput, e 196 da CF/88. Nesta condição, sua invocação pode ser feita como base de pretensões a comportamentos positivos por parte do Poder Público.
Por fim, a saúde também é direito difuso e apresenta uma faceta política. De fato, a comunidade como um todo é titular de direito a comportamentos positivos e negativos em relação a particulares e ao próprio Estado. A gestão da saúde, de seu turno, deve ser democrática, de forma que também condensa direito político de participação democrática.
É, sobretudo, como direito social que o direito à saúde nos interessa na presente abordagem.


2.3 NATUREZA PROGRAMÁTICA DOS DIREITOS SOCIAIS


As normas programáticas são reflexos de um conflito de interesses que se desenvolve no seio das sociedades contemporâneas, importando, no mínimo, a superação da democracia formal em direção a construção de um regime de democracia substancial. São normas que determinam os princípios que esquematizarão a atuação legislativa futura, e também os princípios informadores de toda a ordem jurídica.
Por um longo período foi integralmente afastada a força jurídica das normas constitucionais garantidoras dos direitos sociais. Afirmava-se que estas normas eram meramente programáticas, e que somente se destinavam aos poderes Executivo e Legislativo, e que a eles competiria o dever de efetivá-las. Sendo assim, as normas programáticas não teriam força suficiente para sua efetivação senão através do Executivo e Legislativo, não tendo capacidade de ser invocada através do poder judiciário, exatamente por defenderem no passado que elas não possuíam direitos ou pretensões jurídicas para serem reivindicadas.
De acordo com essa corrente ? que tem como adepto Ricardo Lobos Torres -, os direitos sociais, não tem "status negativo" (como o direito a liberdade) e dependem de concretização legislativa, afastando-se assim da noção de direitos fundamentais, não gerando por si sós, direitos a prestações positivas do Estado. No entanto, essa corrente já está obsoleta. Data venha a evolução do constitucionalismo que passou a apreciar os Direitos Sociais não apenas como uma norma programática, levando em consideração o crescimento da sua força jurídica, assim suficientes para a atuação do judiciário em uma situação de violação por ação ou omissão do legislador pátrio.
O direito a saúde deve ser visto em sua dupla dimensão: como direito de defesa, no sentido de impedir ingerências indevidas por parte do Estado e de terceiros na saúde do titular, bem como sob a ótica prestacional (positiva), impondo ao Estado a realização de políticas públicas que busquem a efetivação desse direito para a população.
Em análise das normas jurídicas relativas aos direitos humanos, Norberto BOBIO, expõe:

O campo dos direitos do homem ? ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem ? aparece, certamente, com aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente nos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de "programáticas". Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos é esse que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação moral ou, no máximo política, pode ainda ser chamado de direito?"




Para José Afonso da SILVA, normas constitucionais programáticas são:

(...)aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos) como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado."

Ainda segundo o constitucionalista paulista, estas normas revelam um compromisso entre as forças políticas liberais e tradicionais e os reclamos populares de justiça social.
A constituição Federal é a Lei Fundamental, é a hierarquia máxima vigente no Brasil, sendo assim a democracia está imbuída na jurisdição constitucional, onde não se pode desrespeitá-la e descumprir os seus preceitos normativos.

Sérgio Fernando Mouro, em sua Tese de Doutorado Defende que:

"Ou o direito é fundamental, e como tal deve ser protegido e efetivado, ou não o é, e então é aceitável que fique à disposição do legislador. É contraditório conceber direitos fundamentais como dependentes de ação legislativa. Não se aceita aqui, jurídica ou politicamente, categoria de direitos fundamentais destituída de aplicabilidade."


Nesse ponto, não se pode argumentar que o Poder Judiciário não tem faculdade pra apreciar um direito social se houver ausência de lei expressamente reguladora que a implemente, transferindo deste modo a função constituinte ao Poder Legislativo, uma vez que este for omisso, constrói-se obstáculos que delimitam as atribuições dos preceitos constitucionais vigentes.
Neste sentido, o juiz deve encontrar meios que torne a norma constitucional diligente, eficaz e exeqüível, e não opor-se a aplicar os preceitos constitucionais, argumentando não existir legislação que disponha sobre a matéria posta a baila.
Muito já se refletiu a respeito da interpretação das Leis, o Filósofo Cícero, que escreveu no ano 44 a.C. sua consagrada Obra Dos Deveres, bem relatou por meio de sua rica sabedoria sobre os Princípios e Dever Ser de um Homem. Cícero descreve que:

Muitas vezes se é injusto atendo-se muito à letra, interpretando a lei com tal agudeza que ela se torna artificiosa. Daí vem o provérbio em latim "Summum jus, summa injuria". Os próprios governos não se encontram muito isentos dessas injustiças, tal como o general que, tendo concluído com o inimigo uma trégua de trinta dias, destruiu de noite seu acampamento, sob pretexto que a trégua era só para o dia e não para a noite.

Diz o sábio, que quando o ser Humano não é regido pela verdade e boa-fé, tais princípios são alterados de acordo com as circunstâncias, assim como é modificado o Dever. Portanto, podemos fazer uma analogia aos administradores do Poder Executivo, onde é imperioso que haja boa-fé por parte deles, e que sua administração pública seja regida pela honestidade, sem impor empecilhos para cumprir com suas responsabilidade perante as necessidades mais prementes, como a saúde um povo.


2.4 EFICÁCIA JURÍDICA ZERO, MÍNIMA E MÁXIMA


a) Eficácia Jurídica Zero


Por um longo período, ressaltou-se que os dispositivos constitucionais definidores de direitos, em especial os de Base Sociais, seriam apenas declarações bem intencionadas, sem caráter obrigacional.
A teoria jurídica dos direitos fundamentais contradiz a tese da "eficácia jurídica zero" conferida aos direitos sociais, por mais indefinidos que sejam. Analisar a completa carência de força jurídica de uma norma constitucional significa um anacronismo de mais de cem anos de desenvolvimento dos estudos do Direito Constitucional.

b) Eficácia Jurídica Mínima


Logo a diante, passar a existir a teoria da "eficácia jurídica mínima" dos direitos sociais. Onde um dos precursores foi José Afonso da SILVA, em sua renomada obra sobre a Aplicabilidade das Normas Constitucionais. De acordo com José Afonso, as normas constitucionais seriam qualificadas quanto a sua aplicabilidade em três espécies, sendo elas:

 Normas de Eficácia Plena e aplicabilidade imediata, que seriam as que receberam normatividade suficiente para serem diretamente aplicadas, independente da necessidade de que exista a integração normativa por parte do Poder Legislativo.

 Normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, que seriam as que também receberam normatividade suficiente para serem diretamente aplicadas, mas o legislador poderia reduzir a sua eficácia e aplicabilidade.

 Normas de eficácia Limitadas, que não possuem normatividade suficiente para a sua aplicação, cabendo tão somente ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulação das matérias nelas tratadas.

O mencionado autor desenvolveu sua doutrina com base na Constituição anterior, a Constituição de 1988, não existiu de sua parte uma análise sobre o direito a saúde em sua classificação, pelo fato desse direito somente ter conseguido hierarquia de norma constitucional a partir da constituição vigente. Sendo assim, a norma definidora do direto a saúde seria considerada uma norma de eficácia limitada, dirigida essencialmente aos poderes Legislativo e Executivo.
Hoje a classificação desenvolvida por José Afonso da SILVA já está superada, mas trouxe notórios avanços, principalmente ao reconhecer uma eficácia mínima das normas programáticas, pois para ele, essas normas possuiriam eficácia jurídica imediata, direta e vinculante a partir do momento em que:

I- estabelecem um dever para o legislador ordinário; II- condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; III- informam a concepção do Estado e da sociedade e inspira a sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; IV- constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; V- condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; VI- criam situações subjetivas, de vantagem ou desvantagem. "

Neste contexto, as normas programáticas ofereceriam a força jurídica necessária para impedir que as ações normativas ou administrativas, dos Poderes Públicos fossem praticadas em descompasso com o programa ou princípio traçado na norma.


c) Eficácia Jurídica Máxima


Muitas são as doutrinas desenvolvidas com o intuito ultrapassar a concepção de eficácia mínima das normas definidoras de direitos sociais. Essas teorias aguçam a força jurídica potencializada das normas definidoras de direitos fundamentais, apenas alterando-se em ralação a possibilidade de interferência judicial.
Chegando a uma conclusão geral, baseada na "reserva do possível" pode-se requerer judicialmente do Poder Público a realização de medidas necessárias ao cumprimento dos direitos fundamentais, através do cumprimento de direitos determinados constitucionalmente, com a máxima efetivação ao que está imposto na Constituição Federal em vigor.



3 COMPETÊNCIA SOBRE A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL


O preâmbulo da Constituição Federal enfoca a necessidade do Estado Democrático de Direito assegurar o Bem-Estar da Sociedade Brasileira, onde o Direito a Saúde é apresentado como decorrência imediata da dignidade.
O Art. 1º, da CF, prevê que a organização político-administrativa do Brasil é dotada da tríplice capacidade, compreendendo a União, os Estados e os Municípios, sendo assim competentes para suplementar a legislação posta pela União, onde esta última limitar-se-á a estabelecer normas gerais de auto-organização e normatização própria, auto-governo e auto-administração.
O preâmbulo da Constituição Federal enfoca a necessidade do Estado Democrático de Direito assegurar o Bem-Estar da Sociedade Brasileira, onde o Direito a Saúde é apresentado como decorrência imediata da dignidade da pessoa humana, em que este um fundamento da República Federativa do Brasil.
O federalismo cooperativo acolhido pela Constituição Federal de 1988 consagrou, no tema da saúde pública, a solidariedade das pessoas federativas, na perspectiva de que a competência da União não exclui a dos Estados e a dos Municípios, como conta no inciso II do Art. 23 da CF/88.
No Brasil, é determinado no inciso XII do Art. 24 da Constituição Federal, a competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre Proteção e Defesa da Saúde, no qual é taxativa a competência concorrente entre ambos. Cabendo a União o estabelecimento de normas gerais (§1º Art. 24 CF/88), não excluindo a competência suplementar do Estado-Membro ou do Distrito Federal, que serão responsabilizadas pelas normas específicas, adaptações de princípios, bases diretrizes e pormenores regionais (§ 2º Art. 24 CF/88). Caberá aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, assim apontado pelos incisos I e II do Art. 30, CF/88.
A solidariedade é instituto do Direito Civil e está prevista no art. 265 do novo Código Civil de 2002, cabendo ao credor escolher qual dos devedores deseja acionar (art. 898 do Código Civil brasileiro de 1916 e art. 267 do novo Código Civil de 2002).

Tal destaque é de grande relevância, pois o cidadão hipossuficiente poderá escolher qual dos entes federativos irá acionar para ver efetivado o seu direito fundamental à saúde e de nada adiantará, como costuma acontecer, as argüições, pelo Estado e pelo Município, de ilegitimidade passiva ad causam ou mesmo os pedidos de chamamento ao processo dos demais entes federados.
Para consagrar a saúde como um direito social conferido a todos os cidadãos brasileiros, a Constituição Federal reconheceu a importância pública das ações e serviços de saúde, estabelecendo um sistema único regionalizado e hierarquizado, organizado nos incisos I, II, e III do Art 198 da CF /88, onde:

I ? descentralização, com direção única em cada esfera do governo;
II ? atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III ? participação da comunidade;

Cada esfera de poder político somente é detentora das competências que lhe foram manifestamente conferidas. O direito positivado impõe que os entes estatais implementem políticas públicas e sociais, para a consumação dos direitos normatizados. O caput dos Arts. 196 e 197 da CF/88 determinam que:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".


Art.197 - "São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica direito privado.

A Saúde é um Dever do Estado porque é financiada por impostos que são pagos pelos contribuintes aos Municípios, Estados e União e estes têm que criar condições para que toda e qualquer pessoa tenha acesso aos serviços de saúde, hospitais, tratamentos, programas de prevenção e medicamentos.
Na Obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, o doutrinador José Afonso da SILVA destaca:

A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que promovem, protegem e recuperam. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público, nos termos da lei, a quem cabe executa-los diretamente ou por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direto privado. Se a Constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder de dominação, que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização.

Assim, o SUS (Sistema Único de Saúde) é o sistema de saúde do Governo, colocado gratuitamente ao acesso de todos que tem o objetivo de promover, proteger e recuperar a saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, onde qualquer pessoa, independente da sua renda e local de moradia tem direito a ser atendida em estabelecimento ambulatorial ou hospitalar ligado ao SUS. Não importa a doença ou os sintomas que a pessoa apresente deverá ser assistida pela rede pública de saúde.
Ou seja, está claro que o SUS foi criado para oferecer um atendimento satisfatório à população, com a realização de ações assistenciais e de atividades preventivas, contando com instalações adequadas, inclusive que ofereça todos os tipos de tratamento a todas as doenças existentes, ou que possam vir a existir.
Vale ressaltar que a competência quanto à responsabilidade do poder Público é comum à União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios e que estes deverão "cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência", conforme o artigo 23, inciso II da Constituição Federal da República.
Portanto, todos os entes da Federação, cada qual no seu âmbito administrativo, respeitados o princípio da descentralização político-administrativo do Sistema Único de Saúde - SUS, têm o dever de zelar pela adequada assistência à saúde aos cidadãos brasileiros, como também as competências fixadas pela Lei nº 8080/90 que em seu Art. 2º determina que:

Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Se o Estado não pode proporcionar diretamente um tratamento ou, quando um procedimento não é assegurado pelo SUS, ou ainda, não está contemplado nas leis, deve, com base no princípio da isonomia, à Administração Pública, por meio da aplicação de critérios médico-científicos (através de laudos-médicos e exames) fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos ao indivíduo, deve promover e financiar cuidados essenciais por outros meios sempre com vista a garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessária inerentes à política nacional de saúde.
Esses procedimentos visam restringir a possibilidade de riscos graves aos pacientes e uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos. Devendo ser fornecido gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários, já que o alvo da proteção do Estado, na hipótese, é o próprio direito à vida, bem supremo do cidadão, indisponível e inviolável, e do qual decorre o direito à saúde. É importante ser considerada a hipossuficiência dos autores para obterem o tratamento indispensável à manutenção de suas próprias vidas, e, em segundo plano, a manterem a própria existência em condições mínimas de dignidade e humanidade.
Em hipóteses excepcionais, onde esteja comprovado o esgotamento de recursos técnicos e científicos existentes no país para o tratamento de determinada patologia, examinado o caso concreto, é possível o custeio de tratamento no exterior. Por constituir hipótese excepcional, deve a autorização estar circunscrita a procedimentos que não ofendam a ética e não sejam experimentais.
O filósofo Cícero em sua Obra Prima Dos Deveres, assim dizia: "Nada em nossa vida esquiva-se ao dever: observa-lo é virtuoso, negligenciá-lo, desonra".
A obrigação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, é atuar em favor do bem comum de uma população e propiciar meios para melhoria da qualidade de vida, cumprindo de tal modo com seu dever de ente público. Quando um desses entes negligência, e descumpre com o seu papel por descuido e imprudência, inevitavelmente ficará evidenciada a ingerência e o descrédito da pessoa política perante a população que o elegeu para ser o seu representante naquele cargo eletivo.


3.1 GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE


Antes da promulgação da constituição de 1988, a competência para legislar sobre a defesa e proteção da saúde, era da União, mas isso apenas tinha acepção de organização administrativa de combate às endemias e epidemias.
Após a Constituição de 1988, passou-se a reconhecer a saúde como um direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, onde hoje ocupam um espaço de destaque dentro da ciência do direito. Ocorrendo neste ínterim uma integração e efetivo reconhecimento da força jurídica, e não apenas moral, figurado ou político. Até porque não se pode tratar com insignificância as normas Constitucionais, de modo que estas se encontram hierarquicamente superiores às demais.
Temos assegurado pela constituição uma aplicação direta e imediata, que admite ao operador do direito a possibilidade de se criar meios para materializar os direitos fundamentais e sociais, mesmo que estes não tenham a cobertura das normas infraconstitucionais, e até mesmo se existirem normas infraconstitucionais que causem empecilhos para o cumprimento adequado dos direitos chamados programáticos, até porque é possível extrair os direitos fundamentais até mesmo fora do âmbito da CF/88.
A moderna doutrina jurídica desperta na sua mais pura hermenêutica, bem como, nas legislações atuais, que o direito à saúde está interligado com vários outros ramos do direito, como por exemplo: direito ao saneamento, direito à moradia, direito à educação, direito ao bem-estar social, direito da seguridade social, direito à assistência social, direito de acesso aos serviços médicos e direito à saúde física e psíquica.

Então, existem vários direitos afins com o direito a saúde, pois na legislação infraconstitucional, a Lei n º 8.080/90, que trata do assunto, no seu art. 3º, caput, já faz menção que a saúde possui características determinantes correlacionadas com a educação, a moradia, o trabalho, o saneamento básico, a renda, o meio ambiente, o transporte, o lazer e o acesso a serviços essenciais.
A saúde está relacionada com a educação, posto que, se o indivíduo recebe uma correta educação evitará muitos problemas devido a informação e entendimento no assunto. Isto posto, a saúde também é correlata com o trabalho, uma vez que o trabalho possui uma função também primordial na vida dos seres humanos e diante deste aspecto a saúde é pressuposto para o cidadão realizar suas tarefas, bem como a segurança na questão das doenças e acidentes no trabalho.
Por se externar uma Carta eminentemente social, nossa Constituição Federal de 1988, no seu art. 6 º, reconhece a saúde como um direito social. Partindo deste pressuposto, o direito à saúde passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde, sob pena de ineficácia de tal direito.
Os direitos sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna de 1988. O Título II da nossa Constituição Federal elenca os direitos e garantias fundamentais. Nesta sistemática:

se os direitos sociais estão esculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e que possuem os mesmos atributos e garantia destes direitos.

No que se refere ao direito a saúde encontrar-se arraigado nos direitos sociais, admiti-se duas correntes doutrinárias, uma positiva e outra negativa, conforme interpretam Gomes Canotilho e Vital Moreira:

de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde." já a outra, "de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais (ou seja, do poder público como um todo) visando a prevenção das doenças e o tratamento delas."


Deste modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitos sociais possui assento entre os direitos fundamentais.
Como afirmado anteriormente, a saúde está garantida na Constituição Federal, com previsão contida no artigo 196 como um direito de todos. O Supremo Tribunal Federal já se explanou a respeito, e assegurou que este é um Direito Público com Garantias Fundamentais:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular ? e implementar ? políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política ? que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado Brasileiro ? não pode converter-se em promessa institucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Seja por uma tangente ou outra, é notório a identificação, seja das normas, doutrinas ou jurisprudências acerca de que a saúde é um direito fundamental social do homem, visto que detém o direito à saúde em sua normatividade a aplicabilidade imediata e a eficácia plena.
O direito à saúde perante os dispositivos de nossa Carta Magna de 1988, deve ser entendido como um direito social fundamental, que na sua essência deve ser buscado na maior otimização possível, haja vista que a preservação da vida e ao respeito à dignidade humana em consonância com a justiça social a ser alcançada, externam o direito à saúde como um verdadeiro direito público subjetivo com toda sua fundamentalidade.
Isto posto, é mister designar que quando o cidadão na situação de não ter condições pecuniárias para fruir a saúde deste e de sua família, ocorrer-se-á um elo jurídico criador de obrigações entre o Estado (devedor) e o cidadão (credor) no que tange seu direito à saúde.
Nestes termos garante a nossa Constituição vigente, nos § 1º e § 2º do Art 5º, onde:

§ 1º - "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata "

§ 2º - "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República federativa do Brasil seja parte."
(grifos ausentes do original)

O não cumprimento das regras constitucionais, podem ser argüidos através de instrumentos processuais adequados para resguardar os direitos e garantias previstos na Constituição, em que incide o cabimento de ajuizar ações de Inconstitucionalidade por omissão, encontrando-se assim previsto nos Arts. 102, I, a, e 103, §2º, que diz:

Art. 102 - "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:"

I ? Processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.


Art. 103 - "Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade"


§2º - "Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias."

Também é previsto na Carta Magna a possibilidade de proteção contra as omissões legislativas por meio do mandado de injunção, no qual está enfocado no inciso LXXI do Art 5º.:

Art. 5º, LXXI - "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma reguladora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania."

Cláusulas Pétreas: No § 4º, IV do Art. 60 da Carta Magna.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir :

IV ? os direitos e garantias individuais.

A Constituição protege, portanto, à cura e a prevenção de doenças através de medidas que asseguram a integridade física e psíquica do ser humano como conseqüência direta do fundamento da dignidade da pessoa humana.
Cretella Júnior, em obra com comentários à CF/88 asseverou que:

nenhum bem da vida apresenta tão claramente unidos o interesse individual e o interesse social, como o da saúde, ou seja, do bem-estar físico que provém da perfeita harmonia de todos os elementos que constituem o seu organismo e de seu perfeito funcionamento. Para o indivíduo saúde é pressuposto e condição indispensável de toda atividade econômica e especulativa, de todo prazer material ou intelectual. O estado de doença não só constitui a negação de todos estes bens, como também representa perigo, mais ou menos próximo, para a própria existência do indivíduo e, nos casos mais graves, a causa determinante da morte. Para o corpo social a saúde de seus componentes é condição indispensável de sua conservação, da defesa interna e externa, do bem-estar geral, de todo progresso material, moral e político.

Questão eminente a ser analisada é de que como já preconizava Konrad Hesse, falta "vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais. Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando todo o Estado Democrático de direito para com o cidadão, ou se desrespeita a dignidade humana, a Constituição e a vida.



3.2 A RESERVA DO POSSÍVEL


O direito à saúde, demanda prestações positivas do Estado, o que implica alocação de recursos materiais e humanos para sua efetivação. Se for assim, o seu atendimento está submetido a uma reserva do possível, que é o postulado segundo o qual o cumprimento de decisões que impliquem gastos públicos fica a depender da existência de meios materiais disponíveis para a sua implementação, considerado o mais visível limite à atuação judicial. No entanto também é o mais difícil de ser delimitado, sobretudo quando se trata de possibilidade financeira de cumprimento da ordem judicial.
De fato, se os recursos públicos são escassos, existem limites naturais decorrentes da reserva do possível, e estes hão de ser harmonizados para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais.
A par disso, necessário ter presente tais recursos, pois se destinam a atender a toda coletividade e não apenas um direito individualmente. O particular, nesse sentido deverá reclamar do Estado apenas algo que seja razoável, pois a Constituição não obriga o Estado a prestar tratamento de excelência somente a uma pessoa, olvidando o direito de todos os demais cidadãos. Não é tão simples verificar se a decisão está de acordo ou mão com o postulado da reserva do possível, sobretudo quando se está diante da reserva do financeiramente possível.
Nesse sentido, impositivo conciliar dois objetivos: o atendimento ao necessitado e a economia de meios. E isso porque as prestações de saúde envolvem não só o fornecimento de medicamentos a pessoas carentes, como exames específicos, fornecimento de aparelhos auditivos, implante de prótese, internação na UTI neo-natal em hospital particular, tratamento psiquiátrico ou psicológico, custeio de transporte para tratamento médico em outra localidade, transplante, etc. Ora, nessa vereda, conclui-se que a efetivação do direito à saúde implica gastos públicos, ou seja, depende da existência de meios materiais disponíveis para sua implementação.
É comum, que o juiz ao proferir uma decisão não se preocupe com os impactos orçamentários que sua decisão venha ocasionar, nem ao menos olvida o fato de que os recursos são finitos. Ocorre que uma decisão judicial com base no direito à Saúde, pode até vir a acarretar a total exaustão orçamentária do Município, ao menos que seja uma decisão embasada por dados concretos sendo capazes de garantir que existe dinheiro suficiente para cobrir o orçamento necessário determinado na decisão judicial, equivalendo-se então à reserva de consistência que é intensamente ligada a reserva do possível. É imperioso o uso de cautela ao efetivar um direito fundamental que implique intimamente em grandes gastos financeiros aos cofres públicos. No entanto, quando tratar-se de obrigação de fazer, que está inserida dentro da reserva do possível, o direito a saúde não pode deixar de ser concretizado sob afirmação de que a reserva do possível estaria estritamente dentro da esfera da conveniência do administrador.
Em razão da reserva do possível, o juiz não pode ficar indiferente quanto à viabilidade material de sua decisão, em particular em matéria de saúde. É preciso que se verifique até que ponto sua ordem será passível de atendimento sem pôr em risco o equilíbrio financeiro do sistema único de saúde, principalmente em momentos de crise econômicas.
É necessário, portanto, fazer uma advertência quanto às alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível, pois não basta apenas alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é indispensável que se demonstre.
Por conseguinte, o argumento da reserva do possível somente deve ser acolhido se o Poder Público demonstrar satisfatoriamente que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, o que, em última análise, implica numa ponderação, com base na proporcionalidade em sentido estrito, dos interesses em jogo.
Mas, além da observância da disponibilidade efetiva de recursos ? denominada reserva do possível -, há necessidade de buscar o respeito ao princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária. É o legislador, democraticamente legitimado, quem deve decidir sobre a aplicação dos recursos públicos, zelando pela realização de todos os direitos sociais. Ainda que esses limites (reserva do possível e reserva parlamentar) não tenham o condão de impedir a aplicação do Art. 5º, §1º da C.F., eles também não podem ser desconsiderados, devendo servir de diretrizes para um tratamento diferenciado dos direitos fundamentais sociais de cunho prestacional.
Sabemos que a Constituição, para usar a expressão de HESSE , não configura apenas expressão de um "ser", mas também um "dever ser", de modo a delimitar as normas constitucionais a expressar a realidade de fato seria a sua negação. Contudo, o direito tem seus próprios limites e por isso não se deve normatizar o inalcançável; ele se forma com elementos colhidos na realidade que precisa de repercussão na realidade social.
A autorização judicial para que particulares substituam a função do Estado na Concretização de direitos fundamentais, mediante a compensação fiscal dos custos efetuados pelo particular, é uma solução criativa, difícil de ser executada, mas que pode ser bastante útil para contornar os limites impostos pela reserva do possível.


4 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/ 00


A emenda Constitucional de nº 29 que entrou em vigor no dia 13 de Setembro do Ano 2000, Altera os Arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.
Por 291 votos a 111, e uma abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou no dia 31/10/2007, a regulamentação da Emenda 29 que determina que a União deve aplicar em saúde o volume de recursos resultante da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país. Para os estados, a determinação é investir 12% do orçamento e para os municípios, 15%. O governo conseguiu aprovar a regulamentação na Câmara depois de aceitar repassar, nos próximos quatro anos, R$ 24 bilhões adicionais para a saúde - R$ 4 bilhões em 2008, R$ 5 bilhões em 2009, R$ 6 bilhões em 2010 e R$ 9 bilhões em 2011. A proposta inicial era liberar R$ 23 bilhões extras para o setor nos próximos quatro anos, por meio de escalonamento e usando mais dinheiro da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O orçamento de 2008 da União prevê R$ 47 bilhões para a saúde, além dos R$ 4 bilhões fechados no acordo com os deputados.
A regulamentação define onde o dinheiro deve ser gasto. A maioria dos estados e alguns municípios computavam, contabilizavam como gastos em saúde os efetuados com pagamento de aposentados, gastos com merenda escolar ou gastos com saneamento, no caso de municípios com mais de 30 mil habitantes. A Emenda nº 29/00 avança porque estabelece com muita clareza o que é permitido contabilizar como gasto em saúde. O projeto de lei complementar que regulamenta a Emenda precisa agora ser aprovado pelo Senado. Essa emenda é um aporte, sem burocracia, imediato, sem contar que ela vai regulamenta o que é ação e serviço de saúde.
Só pra se ter uma idéia, no Brasil, embora por lei os Estados tenham que gastar 12% do seu orçamento com a saúde, na verdade, existem Estados gastando apenas 4%, outros Estados gastando 6%, atualmente apenas dez estados gastam aquilo que manda a Constituição.

A redação acrescentada pela alínea "e" do Art. 34 da CF expõe que:

Art. 34 ? A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
(Grifos ausentes no original)

O § 2º do Art. 198 da Constituição Federal Determina:

§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I ? no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II ? no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
"III ? no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

Em decisão recente proferida pelo Juiz Federal do Ceará George Marmelstein Lima, encontra-se uma solução real para que o judiciário autorize o custeio de medicamentos por entidades particulares mediante compensação fiscal dos gastos efetuados:

O magistrado pode determinar que um hospital particular execute um determinado tratamento cirúrgico em um paciente coberto pelo SUS, autorizando que o hospital faça a compensação dos gastos efetuados na operação com tribunais de responsabilidade do ente demandado. Relembre-se que a Emenda Constitucional 29 permitiu a destinação de receitas de impostos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 167, inciso IV, da CF/88). A autorização judicial para que particulares substituam a função do Estado na concretização de direitos fundamentais, mediante a compensação fiscal dos custos efetuados pelo particular, é uma solução criativa, podendo ser bastante útil para contornar os limites impostos pela reserva do possível. Nesse ponto, contudo, será preciso uma atuação eficaz do Ministério Público Federal, dos Tribunais de Contas e do Fisco a fim de evitar eventuais abusos que os hospitais particulares possam vir a cometer."

A importância da regulamentação da Emenda nº 29, é, sobretudo, para fazer com que cada ente federativo cumpra com as suas obrigações de gastar o dinheiro necessário para resolver o problema da saúde.


5 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA


A Constituição Federal de 1988 não apenas consagrou como direito fundamental o acesso à Justiça, também chamado princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, como também acresceu a expressão "ameaça a direito", para abranger também as tutelas de urgência, como se vê em seu art. 5º, XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Apesar de todo o aparato legal para a garantia do direito à saúde, as filas nos hospitais, a falta de saneamento básico em algumas cidades e de informação sobre o assunto demonstram que os obstáculos práticos são muitos. O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari faz crítica sobre o tema em texto citado no site da UnB Agência :

"A constituição estabelece mecanismos para que o cidadão cobre seus direitos. Mas não há recursos para todos que precisam de medicamentos e atendimento" segundo ele, "isso acaba tornando comum que as vagas em enfermarias sejam garantidas pela intervenção judicial." No entanto, aponta Dallari, "essa prática é inviável diante da grande demanda nacional".

Ele falou sobre o assunto, durante a conferência de abertura do 2º Encontro Nacional de Direito Sanitário (ENDS), que aconteceu na Universidade de Brasília (UnB) que ocorreu nos dias 04 e 05 de Dezembro de 2007.
Exatamente por se tratar de direito à saúde ? que não pode esperar ? impõe-se a utilização das denominadas medidas de urgência, aí incluídas a tutela cautelar e a antecipação dos efeitos da tutela.
Observe-se ainda que qualquer norma infraconstitucional que rege as tutelas de urgência deve ser interpretada conforme o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, pois esta é sua verdadeira fonte − até porque, como já proclamou o Supremo Tribunal Federal na ADCM nº 4, o acautelar é imanente ao julgar.
Sobre as dificuldades enfrentadas pela doutrina para conceber uma tutela processual de natureza puramente preventiva, destaca Ovídio Baptista da Silva:

... Para isso é indispensável acrescentar ao racionalismo, tão presente na formação da ciência jurídica moderna, especialmente no direito processual civil, mais dois ingredientes importantes. O primeiro deve-se à doutrina política da ?separação de poderes?, marcada pela influência de Montesquieu, mas que nos vem, mais propriamente de Thomas Hobbes, a reduzir o Poder Judiciário a um poder subordinado, ou melhor, a um órgão do poder, cuja missão constitucional não deveria ir além da tarefa mecânica de reproduzir as palavras da lei, de modo que a jurisdição não passasse de uma atividade meramente intelectiva, sem que o julgador lhe pudesse adicionar a menor parcela volitiva. A esse respeito, as lições de Chiovenda são exemplares. Várias passagens de suas obras poderiam ser oferecidas para confirmar esta assertiva (...). No texto, ficam demarcadas a natureza meramente "intelectiva", enquanto pura cognição, da função jurisdicional, e o princípio de que a atividade do juiz deve limitar-se a revelar a "vontade concreta da lei". Sua missão seria apenas verbalizar a "vontade da lei" ou a vontade do legislador. A outra passagem que merece referência é aquela em que o grande processualista, referindo-se à interpretação, dá-lhe a exclusiva tarefa de investigar a "vontade da lei", confirmando a premissa de seu sentido unívoco, porquanto não se haverá de supor que ela possa ter "duas vontades.
A conclusão que se deve extrair decorre necessariamente dessa premissa: como seria impensável supor que a lei tivesse "duas vontades" toda norma jurídica deverá ter, conseqüentemente, sentido unívoco. Ao intérprete não seria dado hermeneuticamente compreendê-la", mas, ao contrário, com a neutralidade de um matemático, resolver o problema "algébrico" da descoberta de sua "vontade". Torna-se fácil compreender as razões que, no Século XIX, fizeram com que os autores dos Códigos procurassem impedir que eles fossem interpretados. Reproduziu-se no Século XIX a tentativa de Justiniano. A intenção que sustenta esse propósito é a mesma que, no ínício da Era Moderna, procurou eliminar a Retórica, enquanto ciência argumentativa, no campo do Direito, basicamente no campo do Processo."

E arremata Ovídio Baptista, instigando ainda mais a reflexão dos estudiosos, ao descortinar o lado oculto da idéia de perfeição do Direito criado:

A idéia de perfeição do direito criado, que se oculta sob essa conduta, foi relevada por uma eminente filósofa contemporânea, ao mostrar o pathos tirânico, conseqüentemente antidemocrático desse modo de compreender o direito. O direito "perfeito" elimina qualquer espécie de questionamento. É o direito do tirano."

Para esclarecimento do tema, considera-se indispensável a leitura do artigo do Professor do Rio Grande do Sul Ovídio Baptista da Silva, onde ele demonstra a influência das idéias do Racionalismo no Direito Processual Civil, no que concerne às tutelas preventivas.

5.1 CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NA JURISPRUDENCIA


Por vezes o Estado opera através de condutas lesivas à saúde da população, no entanto a mais básica conseqüência da positivação constitucional do direito à saúde consiste em impedir que o Estado pratique atos que violem a saúde da coletividade ou de determinados indivíduos, sendo suficiente a invocação da teoria da eficácia mínima das normas constitucionais para permitir a atuação judicial nessa seara. É inquestionável que o judiciário se provocado pode agir para impedir que a conduta estatal lesiva a saúde pública continue sendo praticada.
A violação ao direito à saúde por conduta direta do Estado impõe, além de cessação da atividade nociva, a devida reparação dos danos causados, com base na conhecida teoria da responsabilidade civil. No caso veja um exemplo, havendo a contaminação pelo HIV em transfusão sanguínea realizada em hospital público, é patente o dever de responsabilização objetiva pelos danos causados com base na teoria do risco administrativo.
Com relação ao direito à saúde, não é tão simples verificar possibilidades de limitação normativa, pois, em regra, não há interesses contrários à cura de um indivíduo que padece de uma determinada doença e, desse modo, não haveria direitos fundamentais em estado de colisão. Ou seja, na grande maioria dos casos, há um interesse geral pela máxima efetivação do direito à saúde.
Existem situações, em que a vida de uma pessoa somente será salva com o sacrifício da saúde ou da vida de outra pessoa, como na hipótese de interrupção da gravidez que esteja pondo em risco a saúde de uma mulher gestante. Nesse caso em concreto, é evidente a colisão entre direitos fundamentais, sendo árdua a tarefa do juiz para escolher a solução mais justa.
Também é evidente a colisão entre direitos, quando o direito a vida de um doente está em jogo por motivos religiosos, como ocorre no exemplo clássico de pais, da religião "Testemunha de Jeová", que se negam a autorizar a transfusão de sangue nos filhos, mesmo que estes estejam à beira da morte, baseando-se na interpretação literal de uma passagem das Escrituras Sagradas (Levítico 17:10 e Atos 15:20), onde desaconselham o consumo de sangue.
Para que sejam fixadas balisas seguras e objetivas para solucionar esses casos de colisão de direitos fundamentais, é necessário analisar o princípio a proporcionalidade, que é o primeiro limite à concretização judicial do direito à saúde.
Havendo uma colisão entre direitos fundamentais, é possível limitar o raio de abrangência de um desses direitos com base no princípio da proporcionalidade, visando dar maior efetividade ao outro direito fundamental em jogo. Portanto, a proporcionalidade como critério de aferição da validade de limitações aos direitos fundamentais.
A Constituição Federal, como já destacado ao longo desta exposição, garante o direito à saúde, mas assegura, outrossim, o acesso universal e igualitário às ações e prestações de serviços para a promoção, proteção e recuperação.
Nesse âmbito, o enfoque será demonstrar, a partir da análise de casos concretos que, verificando como os juízes e tribunais pátrio estão agindo para que o direito à saúde se torne uma realidade prática, através do respeito ao princípio constitucional da igualdade.
O direito á saúde não pode ser concebido como um poder a ser exercido de forma ilimitada, irrestrita e irracional do indivíduo contra o Estado e em desconsideração da coletividade.
Inicialmente é importante observar, que o Poder Judiciário, por suas características institucionais e pelo lugar que ocupa na distribuição de funções estatais, não é, tradicionalmente, o principal protagonista na hora de fazer efetivos os direitos sociais, econômicos e culturais, tarefa que seria atribuída primariamente aos denominados poderes políticos (Executivo e Legislativo). Mesmo assim, se adequadamente provocado, o Judiciário pode ser um poderoso instrumento de formação e ao mesmo tempo de desmembramento de algumas políticas públicas na área social, com impacto direto na concretização daqueles direitos.
O Poder Judiciário é de vital importância nessas ações, onde deverá ser individualmente considerada cada situação do postulante. Para tanto, deverá:

a) verificar o histórico do paciente, analisando o prontuário médico, que muitas vezes sequer acompanha a inicial;

b) procurar saber se o autor é usuário do SUS (Sistema Único de Saúde) ou segurado privado que demanda do SUS providência especial que o plano de saúde não cobre;

c) buscar informações sobre quais os medicamentos ou procedimentos são disponibilizados pelo serviço público de saúde e verificar a real necessidade do pedido formulado pelo paciente, entre outros detalhes pertinentes para cada caso.

Como as ações envolvendo as prestações têm se multiplicado, o Judiciário tem sido chamado a dirimir conflitos envolvendo a aplicação de direitos sociais e, salvo alguns posicionamentos conservadores, a Jurisprudência está oferecendo respostas satisfatórias aos problemas postos a julgamento, demonstrando um afinamento, mesmo que involuntário e inconsciente, com a teoria jurídica dos direitos fundamentais.
No entanto ao acolher as pretensões deve-se levar em conta que gastar todo o orçamento do Estado com apenas um paciente (por exemplo) implicará o abandono de todos os demais, tal como vem reiteradamente afirmando o Desembargador Araken de Assis, em suas decisões. É dentro dessa perspectiva, trabalhando com a idéia da escassez de recursos públicos e limitações orçamentárias, que se entende deva o judiciário decidir, nos casos que envolvam as prestações positivas de saúde.
Os tribunais têm conseguido extrair da norma constitucional definidora do direito à saúde inúmeras obrigações ? negativas ou positivas onerosas ou não-onerosas ? ao Poder Público, independentemente de existir legislação dispondo sobre a matéria. É bastante comum também a declaração de nulidade de normas que estejam impedindo ou dificultando a realização do direito à saúde, bem como a complementação, através de uma interpretação extensiva ou analógica, de normas que protegem apenas uma categoria de portadores de doenças, excluindo outras que também mereceriam a proteção normativa. Nesse sentido, o Ministro Celso Antônio de Mello, em decisão à Recurso, entende que:


Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, ?caput?), ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo ? uma vez configurado esse dilema ? que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só opção: o respeito indeclinável à vida.


Inspirada em decisões da Corte Constitucional algumas decisões vem tornando-se jurisprudência, traz-se a baila, à guisa de exemplo, algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, como também decisão de Primeiro Grau de jurisdição, todas voltadas para o sistema de saúde pública no Brasil através de uma visão ampla das matérias.
No sentido da solidariedade imanente dos entes federativos no atendimento ao direito fundamental da saúde, colhe-se o entendimento uníssono dos Tribunais, inclusive do Supremo Tribunal Federal. No que se refere às ações e serviços públicos de saúde que integram uma rede regionalizada SUS, o Ministro Marco Aurélio, decidiu:

Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Assim vem decidindo os Tribunais, inclusive em razão do caráter de urgência que norteia as ações em face do Poder Público pleiteando remédios e tratamentos necessários aos hipossuficientes. Em decisão de Ação Penal decorrente de desvio de verba e crime de peculato na esfera estadual, o Ministro Néri da Silveira determinou que:

Ação penal, Crime de peculato, em face de desvio, no âmbito estadual, de dotações provenientes do orçamento da União Federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de Saúde ? SUS. A competência originária para o processo e julgamento de crime resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde ? SUS, é da Justiça Federal, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes, no caso, são também em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mas ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal nº 8.080, de 19-9-90, arts. 4º, 31,32,§2º, 33 e §4º. "


Com relação à descentralização, com gerência única em cada esfera do governo, de que trata o inciso I do Art. 198 da CF:

Diferença de classes? sem ônus para o SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS. Artigo 196 da Constituição Federal. Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendo única e descentralizada em cada esfera de governo (Art. 198, I, da Constituição), cabe, no âmbito dos Estados, às respectivas secretarias de Saúde ou órgão equivalente."

Em julgamento de ADI referente aos critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, Distrito Federal e Municípios, como também em relação aos Estados destinados aos seus respectivos Municípios, o Ministro Sepúlveda Pertence enfrentou o tema decidindo em consonância com o Art. 198, 3º, II, onde:

"Sistema único de saúde: reserva à lei complementar da União do estabelecimento de critérios de rateio dos recursos e disparidades regionais? (CF, art. 198, § 3º, II): conseqüente plausibilidade da argüição da invalidez de lei estadual que prescreve o repasse mensal aos municípios dos ?recursos mínimos próprios que o Estado deve aplicar em ações e serviços de saúde?; risco de grave comprometimento dos serviços estaduais de saúde: medida cautelar deferida para suspender a vigência da lei questionada."


No que se refere ao abastecimento de remédios, especialmente para portadores de HIV, o objeto da matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo este decidido da seguinte maneira:


PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.

Em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal do Ceará contra a União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza o então Juiz Federal George Marmelstein Lima, em Substituição legal na 4ª Vara Federal, respondendo pela 3ª Vara Federal, proferiu sentença em agosto de 2007 deferindo à favor do MPF, onde:

DEFIRO O PEDIDO DE FLS. 58/76 e, com base no poder geral de cautela, bem como no art. 461, §5º, do CPC, determino o que se segue:

a) os hospitais conveniados aos SUS ? Sistema Único de Saúde, indicados às fls. 65/66, ficam obrigados a receber os pacientes que se encontram à espera de leitos de UTIs na rede de hospitais públicos, devendo correr as despesas respectivas à conta dos recursos orçamentários do SUS, mediante a apresentação dos respectivos comprovantes;

b) na hipótese de inexistência de verba orçamentária do SUS ou de embaraços por parte das autoridades públicas para providenciar o pagamento na forma do item "a", fica autorizado aos referidos hospitais efetuar a compensação fiscal dos gastos efetuados no custeio dos tratamentos com tributos federais, estaduais ou municipais. Determino ainda que os Órgãos de controle interno e externo (Tribunal de Contas, Ministério Público, Fazendas Públicas, Ministérios Federais, Secretarias Estaduais e Municipais etc) façam o devido controle dos gastos efetuados, a fim de evitar enriquecimento ilícito por parte dos hospitais particulares;

c) caso se esgotem todos os leitos dos hospitais particulares conveniados ao SUS, os hospitais particulares de Fortaleza, mesmo não conveniados ao SUS, ficam obrigados a receberem pacientes oriundos dos hospitais públicos e para os quais não existam mais leitos nos hospitais conveniados ao SUS, prestando-lhes todo o atendimento necessário, correndo as despesas à conta dos entes públicos demandados, aplicando-se-lhes a mesma regra prevista no item "b";

d) a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará deverá criar uma central de leitos, a exemplo da que funcionou no caso da UTI Neo-Natal da MEAC, como forma de viabilizar que os pacientes sejam encaminhados aos hospitais que disponham de vagas;

e) o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza ficam obrigados a remanejar ou transferir os recursos orçamentários destinados à propaganda institucional do governo para solucionar o problema de saúde do Município de Fortaleza;

f) no caso de descumprimento de qualquer das ordens acima, fica automaticamente aplicada a multa de R$ 10.000,00 aos responsáveis pelo descumprimento da decisão judicial, ou seja, ao Ministro da Saúde, ao Secretário Estadual de Saúde e ao Secretário Municipal de Saúde, conforme respectivas atribuições, com base no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 10.358/2001."

Vale citar, ainda, um outro precedente, onde o STJ, envolvendo, desta vez, o fornecimento do medicamento para o tratamento da hepatite C. A ação Civil Pública movida, desta vez, pelo Ministério Público Estadual, buscava obrigar o Estado a fornecer, sempre que houvesse simples prescrição médica, o medicamento interferon peguilado e não o interferon convencional, medicamento este fornecido gratuitamente. Deferida a antecipação de tutela, o Estado postulou a suspensão da medida perante o Tribunal local. Vendo indeferido o pedido, fez nova tentativa, agora perante o STJ. Ao decidir, naquela ocasião, o Min. Nilson Naves entendeu de dar razão do Estado, sob o argumento de que essa nova espécie de medicamento tem um custo de vinte a trinta vezes maior que sua modalidade comum, apresentando, ademais, eficácia duvidosa.
O que se quer enfatizar, com tal referência, é que o Judiciário, nas ações que envolvem a concessão de medicamentos, deve decidir observando os chamados protocolos clínicos, ou seja, os estudos elaborados por conceituados profissionais em determinada especialidade na área médica, cuja consulta é acessível ao público.
Por fim, citaria decisão, da lavra do Ministro Teori Albino Zavaski que deu provimento a um Recurso Especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado que havia determinado, em sede de agravo de instrumento, nos autos de uma ação visando ao fornecimento de medicamentos, o bloqueio (seqüestro) de verba do Poder Público para aquisição dos farmacos. O ministro, embora entendendo cabível a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa certa, nos termos dos arts. 461 e 461A do CPC, ressalvou a impossibilidade de determinar, nesses casos, o seqüestro de verbas públicas. E isso porque o bloqueio de valores é meio executivo de sub-rogação, adequado à obrigação de pagar quantia, por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação, independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado. Em se tratando da Fazenda Pública, diz a ementa ?verbis?:

(...) qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g. desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários) a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.



Tais julgados deixam patente a necessidade de que as prestações na área de saúde não sejam concedidas de forma aleatória, sob pena de inviabilizar o atendimento a toda população carente. Não se pode afastar a possibilidade de, em casos isolados, mediante utilidade e necessidade de tratamento, medicação, atendimento pelo sistema único de saúde, desvio de verbas para o setor, dentre outros, o interessado obter do judiciário respaldo para seu pleito.
Portanto, é um direito resguardado ao cidadão, pleitear, pelas vias próprias, o tratamento de que necessitasse, obstando-se, contudo a generalização da situação personalíssima, em favor de pessoas estranhas à lide e em situações futuras à própria demanda, notadamente quando reprovados os procedimentos em questão pelo sistema de consulta à comunidade científica.



CONSIDERAÇÕES FINAIS:


O direito à saúde não é só um dos direitos básicos tutelados pela Constituição da República Federativa do Brasil, mas também por vários documentos jurídicos internacionais atinentes a direitos humanos, posto que o elemento saúde é essencial ao direito de viver com dignidade.
No mundo de hoje, repleto de injustiças e desigualdades, e no qual o Poder Legislativo, com uma freqüência certamente maior do que o desejável deixa de cumprir seu papel constitucional, frustrando, assim, a sociedade. Admitir que o único destinatário das normas seja o legislador é privar a Constituição de espraiar suas ordens por toda a sociedade, amordaçando-a e, destarte imobilizando a própria vontade nacional, da qual é a porta voz.
Por outro lado, em se permitindo, como querem alguns que o Poder Legislativo decida como irá dar concretude ao programa estabelecido pelo constituinte é aceitar a inversão de valores, sobrepondo-se a criatura ao seu criador. Portanto, é de se concluir que as normas programáticas, como toda e qualquer disposição constitucional, obriga não apenas o legislador mas, também a Administração, o Judiciário e o cidadão, individualmente considerado.
Para alguns, o Poder Judiciário é absolutamente impotente frente a uma disposição de norma constitucional programática ainda não regulamentada por lei. Entendem aqueles que o Juiz não pode tomar o lugar do legislador e dar concretude ao programa constitucional, por não revestir legitimidade política para tal. Ouso discordar deste posicionamento, embora respeite seus defensores. Entendo que a Constituição outorgou, ainda que de forma implícita, competência e legitimidade ao Judiciário, a exemplo dos demais Poderes constituídos, para, diante do caso concreto submetido à sua apreciação, decidir a questão com base em norma constitucional, ainda que programática na ausência de lei regulamentadora. Nesta hipótese, por óbvio, o magistrado, ou o órgão colegiado, deverá agir com redobrada cautela, sempre com olhos postos na Constituição, com o fito de lhe dar efetividade.
O que não é aceitável é o Judiciário omitir-se de decidir com o apoio na norma constitucional, sob o argumento desta se revestir de caráter meramente programático e dirigir seu comando, somente ao Legislativo.

Da mesma forma como já exposto com relação ao Poder Judiciário, o Executivo também não pode se furtar a dar efetivo cumprimento às normas constitucionais, ainda que programáticas, mesmo na omissão do Legislativo. É evidente que a ação do Executivo sofre enormes limitações, em face dos mecanismos, constitucionais e legais, de controle de seus atos, o que faz com que lhe seja, naturalmente, mais difícil dar cumprimento efetivo à norma programática, em relação a outros Poderes. No entanto, é dever da administração, e dos administradores, conferir a maior efetividade possível aos mandamentos constitucionais, mesmo se emanados de normas com eficácia limitada.
Ainda que o tema aqui esposado esteja longe da pacificidade, a simples discussão da matéria se revela de grande importância, principalmente em face do momento atual vivido no Brasil. É preciso que se lute, com todas as forças, contra a tendência, cada vez mais generalizada, de se rotular as disposições da Carta Magna que contrariam interesses dos poderosos como "Normas meramente Programáticas" querendo, na verdade, significar normas despidas de eficácia e ou pseudo-normas. A Constituição é Lei em sentido genérico, é a Lei Fundamental da Nação e de todo o ordenamento jurídico.
Assim, exigir-se que o cidadão aja de acordo com as disposições constitucionais, inclusive as insculpidas em norma programática, ainda que inexista lei ordinária prevendo, ou disciplinando, tal comportamento, não pode configurar ferimento ao chamado princípio da legalidade.
É preciso que se diga com todas as letras, que existe na Constituição Federal vigente, verdadeiras normas jurídicas pertencentes a um texto jurídico, e não meramente normas constitucionais programáticas ou bons conselhos do constituinte.
Se os poderes constituídos e, em especial, o Judiciário, reconhecerem, nestas normas, alguma eficácia, independentemente de lei que as regulamente, a situação de desrespeito à Constituição diminuirá, e não se tornando tão grave quanto se verifica hoje, ou seja: a distância que separa o Brasil real do ideal, delineado pelo constituinte, não fosse o abismo atual.
Concluindo, o estudo em apreço teve a intenção de melhor esclarecer a finalidade de prestação assistencial à saúde pelo Poder Público, como dever constitucional e ético, posto que, como já afirmado, o direito à vida está acima de tudo. A realização do direito à saúde depende de medidas positivas do Estado para que haja o seu gozo por parte dos indivíduos. Na ausência dessa obrigação assistencial pelo Estado, o Poder Judiciário tem por dever ser atuante, para fazer cumprir a lei máxima do País, devendo o cidadão ver seu direito salvaguardado, ainda que através das medidas urgentes que, em seu benefício, foram criadas.





















REFERÊNCIAS

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