Casamento

Desde os primórdios da vida humana já existia o casamento. Como fato natural, a família precedeu o casamento, formada que foi pelo impulso biológico que originalmente uniam o homem e a mulher.

Segundo Carlos Celso Orcesi da Costa (1987, p.5):

nos primórdios dos tempos, o ser humano, destituído de inteligência, como qualquer outro animal, relacionava-se entre si apenas mediante o instinto que o encaminhava a procriação e a preservação da espécie. Através de comandos instintivos o casal se encontra apenas no momento da procriação, atraído pelo instinto, quase sempre em determinada estação do ano.

A idéia de legalização das Uniões surgiu com a sua consumação por força da afeição mútua, formando-se assim o casamento.

No Brasil Colônia eram conhecidas três modalidades de casamento: o católico, celebrado segundo as normas do conselho de Trento (1563) ; o casamento misto, entre católicos e não católicos e o casamento que unia membros de seitas diferentes.

Na Constituição Federal de 1824, o matrimônio foi completamente ignorado. Só na Constituição outorgada de 1890, é que apareceu pela primeira vez a referencia ao casamento. A Constituição de 1891 consolidou que a Republica só reconhecia o casamento civil. Nas Constituições que se seguiram veio mantida a Instituição, com a proteção, inclusive, do casamento religioso com efeitos civis (Constituição de 1934 e 1946).

Com a edição do Código Civil de 1916 o único modo de constituição da família era o casamento, e este era indissolúvel.

Na Constituição vigente, 1988, o casamento está disciplinado no art.226 e seguintes. Ocorreu a chamada constitucionalização do direito civil, isto para dar mais efetividade ao que preceitua o Código Civil, deixando de ser o casamento o único marco a identificar a existência de uma família.

No Código Civil de 2002 não consta um conceito de casamento, porém os juristas, interpretando os dispositivos legais, tentaram defini-lo mantendo sempre, a união do homem e da mulher.

Pontes de Miranda (op.cit., p55) conceitua casamento como sendo" a relação ética entre um homem e uma mulher".

Já a professora Maria Helena Diniz (2004, p.39) diz que "é vinculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxilio mutuo, material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsiquica e a constituição de uma família".

A conceituação de casamento não pode ser imutável, como diz João Batista Candido (1997, p.34):

É toda e qualquer definição sobre casamento, sofrera, ao longo do tempo, alteração significativa, seja em face ao enfoque que a ele se de como instituição como contrato ou como ato seja em razão das modificações sofridas pela própria família e, logicamente, da sociedade.

Tanto o Estado quanto a Igreja acabaram se apropriando desse fenômeno, visando, cada uma dessas instituições, a atender interesses próprios. A Igreja fez do casamento um sacramento. Pela máxima crecei-vos e multiplicai-vos , atribuiu a família a função reprodutiva, para o fim de povoar o mundo de cristãos. O Estado viu a família como uma verdadeira instituição, que acompanha a própria formação do Estado, que tem o dever de promover o bem de todos.

2.3 Efeitos do Casamento

A família é uma realidade social que preexiste ao direito. O Código Civil de 1916 atribuiu ao casamento a única forma de estabelecer a família legitima, marginalizando, juridicamente, a família que dele não se originasse.

A família do século XXI é diversa da qual o Código de 1916 foi elaborado. A sociedade brasileira centralizou-se nas grandes cidades, a industrialização se expandiu ate as pequenas comunidades. A mulher não se dedica exclusivamente ao lar, mas lança-se no mercado de trabalho em todos os setores de atividades,

O Código Civil de 1916 elencava de modo distinto os direitos e deveres do marido (artigos 233 a 239 CC/16) e da mulher (artigos 240 a 255 CC/16) e empurrava a mulher para uma posição de incontestável inferioridade jurídica e social.

O interesse estatal pela manutenção do casamento levou, em um primeiro momento, à consagração de sua indissolubilidade, à obrigatória identificação da família pelo nome do varão e, por conseqüência, a relativização da mulher. Reproduziu o legislador civil o perfil da família do inicio do século, uma instituição matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual.

A mulher não podia escolher seu domicilio, só tinha o pátrio poder devido a impossibilidade do marido exerce-lo, não podia trabalhar sem a sua autorização, a não virgindade ensejava o pedido de anulação do casamento por parte do marido.

Muito lentamente esta realidade foi se alterando. O grande impulso para isso foi a entrada em vigor do Estatuto da Mulher Casada (lei 4.121 de 27.08.62), onde a mulher deixou de constar do rol dos relativamente incapazes e passou a condição de colaboradora do marido na administração da sociedade conjugal.

Foi com a Constituição de 1988 que impôs a igualdade do homem e da mulher. Proclamou a igualdade em direitos e obrigações, bem como dos direitos e deveres referentes ao casamento, como dispõe a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002::

[...]

Art. 226, § 5°: Os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Art.1.511 CC/02: O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Deveres dos Cônjuges

A necessidade de demarcar os núcleos familiares como elementos que estruturam a sociedade, leva o Estado a regular o casamento enquanto forma constituição da família.Assumindo o encargo de proteger a família, o Estado sente-se autorizado a atribuir responsabilidade aos cônjuges, estabelecendo direitos e deveres recíprocos.

O Código Civil de 2002 enumera em seu artigo 1566 os direitos e deveres dos cônjuges:

I-fidelidade recíproca

II-vida em comum no domicilio conjugal

III-mutua assistência

IV-sustento, guarda e educação dos filhos

V-respeito e consideração mutua.

Apesar do extenso rol, a doutrina reconhece que a lei não cogita de todos os deveres inerentes a ambos os consortes, prevendo os mais importantes, isto e aqueles reclamados pela ordem pública e pelo interesse social .

1Fidelidade recíproca

A fidelidade recíproca é o corolário da família monogâmica admitida por nossa sociedade, que vem se mantendo através dos séculos e refletem o pensamento incessantemente admitido, sobretudo pelos povos de origem cristã.

Este dever segundo a professora Maria Helena Diniz (2005, p.1269)"consiste em abster-se cada consorte de praticar relações sexuais com terceiros, sob pena de adultério, que é, concomitante mente, delito penal e civil, por constituir uma das caudas de separação judicial, agravando a honra do outro cônjuge , injuriando-o gravemente."

Mas a fidelidade recíproca não deve ser compreendida no mero sentido de exclusividade do direito do cônjuge às relações sexuais, pois a sociedade moderna conduz a humanidade a possibilidades não antes sonhadas de relações sexuais, algumas até no âmbito virtual. A comunicação virtual tornou-se um convite a uma nova forma de sociedade.

As relações decorrentes do uso da comunicação via internet , possibilitas as pessoas manterem contatos íntimos, porém não físicos, mas que causam ofensas às relações tidas por tradicionais. Há de se adequar a definição de fidelidade, tornando-a mais próxima da realidade, como sugere o ilustre professor Camilo Colani Barbosa (2005, p.82) "dever de fidelidade é o dever de não praticar ou consentir que pratiquem consigo, atos sexuais reais ou virtuais , com a pessoa diversa do cônjuge."

A realidade social tem demonstrado que esse dever serviu apenas para reprimir a mulher, porque sempre houve tolerância com a infidelidade masculina, disseminada em todos os estratos da população brasileira.Para Paulo Luiz Netto Lobo (2004, p.138):

Os valores hoje dominantes não reputam importante para a manutenção da sociedade conjugal esse dever, que faz do casamento não uma comunhão de afetos e de interesses maiores de companheirismo e colaboração, mas de um instrumento de repressão sexual e de represália de um contra outro, quando o relacionamento chega ao fim.

2Vida em comum no domicilio conjugal

Para Maria Helena Diniz (op. cit. ,p.1270): "as núpcias exigem, vida em comum no domicilio conjugal escolhido pelo casal; visto que o casamento requer coabitação, que é o estado de pessoas de sexo diferente viverem juntas na mesma casa, convivendo sexualmente".

A vida em comum tem um sentido muito mais amplo que o simples dever de coabitação. Envolve a plena comunhão de vida, abrangendo aspectos matérias e espirituais, compreendendo uma convivência de esforços, trabalhos, desejos e realizações.

È como nos ensinam José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz (1990,p.297):

Tradicionalmente, a doutrina incluía no dever de vida em comum a noção ou comunhão de cama, mesa e casa. Por evidente, a noção de vida em comum inclui todos estes aspectos salientados pela designação tradicional, o que significa que inclui o chamado debitum coniugale, dever e direito a vida sexual com o cônjuge.A medida, porém, que o nosso Código adotou a expressão "vida em comum", o próprio debitum coniugale pode ser visto como um dos elementos de um contexto global que é a comunhão da vida toda.

Não há como confundir o dever comum dos cônjuges à vida comum no domicilio conjugal com a coabitação; esta quando muito, constitui parte daquele dever, não devendo ter a dimensão que lhe outorga tradicionalmente a doutrina.

Paulo Lôbo (op.cit., p.177) entende que:

Com a emancipação feminina e a inserção crescente das mulheres no mercado de trabalho, inclusive em cidades distintas de seus maridos, o dever de coabitação mostra-se ultrapassado. Por outro ângulo, o princípio da liberdade familiar, no fundo constitucional, afeiçoa-se à escolha dos cônjuges em viverem em domicílios separados por conveniência pessoal.

3 Mutua assistência

Amplo é o significado deste dever, abrangendo aspectos morais, espirituais, materiais e econômicos, numa reciprocidade de amparos e assistência que um cônjuge deve depositar no outro. Consiste na obrigação efetiva sempre que dele o outro necessitar. Ele compõe a essência do matrimônio, é a condição primordial para que haja harmonia entre a s pessoas casadas.

Silvio Rodrigues (2002, p.131) assevera sobre o dever de mútua assistênciaconceituando como " o que se manifesta de maneira mais vaga, pois tal dever não se circunscreve apenas aos cuidados morais, mais também materiais"

A assistência material diz respeito aos meios necessários para o sustento da família, de acordo com os rendimentos e as possibilidades econômicas de cada cônjuge, devendo os mesmos defini-las e distribuir os encargos entre si.

Já a assistência moral consiste nas atenções e cuidados devotados à pessoa do outro cônjuge.

E o que socialmente se espera daqueles que estão unidos por laços de afetividade e amizade em seu grau mais elevado. É o conforto moral, o carinho, o desvelo na doença, o estímulo aos sucessos da vida emocional e profissional, certamente são esses os elementos mais fortes do relacionamento conjugal ou amoroso no seu cotidiano, cuja falta leva progressivamente à separação, mas do que qualquer outro fato isolado.

4 Sustento, guarda e educação dos filhos

Não só o Código Civil (art. 1566, IV), mas também a Constituição Federal (art. 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º) impõem a família este dever.

Da constituição da família advém esta tarefa vital aos pais, em igualdade de condições, por força do próprio preceito e por serem titilares simultâneos do poder familiar. Cuida-se de um encargo natural e decorrente da paternidade, isto é, não propriamente advindo do Estado, portanto inerente a natureza humana, embora o não atendimento determine a cominação de penas, com a supressão de perda do poder familiar.

Paulo Lôbo (op.cit., p.181) discorre sobre o sustento, aguarda e a educação:

O sustento relaciona-se com o aspecto material, isto é, as despesas com a sobrevivência, saúde, esporte, lazer e cultura.A aguarda tem sentido de direito-dever de convivência familiar, considerada prioridade absoluta da criança. A educação inclui a cultura e as várias dimensões em que ela se dá na progressiva formação do filho, enquanto estiver sob o poder familiar dos pais.

5 Respeito e consideração mútuos

Este dever foi introduzido no direito brasileiro pela lei n° 9.278 de 10 de maio de 1996, que regulamentou a união estável.

A professora Maria Helena Diniz (op.cit.) vislumbra deveres implícitos como o de sinceridade, o respeito pela honra e dignidade do cônjuge e da família, o de não submeter o outro cônjuge a companhias degradantes, o de não expor, por exemplo, a esposa a ambientes de baixa moral.

O professor Paulo Lôbo (op.cit., p.185) também comenta sobre este dever conjugal:

A comunhão de vida não elimina a personalidade de cada cônjuge. O dever de respeito e consideração mútuo abrange a inviolabilidade da vida, da liberdade, da integridade física e psíquica, da honra, do nome, da imagem, da privacidade de cada cônjuge. Mas não é só um dever de abstenção ou negativo, porque impõe prestações positivas de defesas de valores comuns, tais como a honra solidária, o bom nome da família e o patrimônio moral comum.

REFERENCIAS

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COSTA, Carlos Celso Orcesi da. O Código Civil na Visão do Advogado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 27-66.

DIAS. Maria Berenice. Manuel do Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 18-47.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.1265-1272.

________________Curso de Direito Civil Brasileiro. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista da Faculdade de Direito da USP. nº 24, jun/jul, 2004, p.136-156.

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OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família. Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 280-300.