O espelho aqui exposto, tantas vezes utilizado metaforicamente no campo da psicanálise, demonstrando uma assimilação inconsciente de indivíduos distintos, como por exemplo, quando pessoas comentam que sujeitos sentem rejeição por atitudes de outros, justamente por enxergarem-se, tendo uma espécie de repulsão ao reflexo.
Lendo Auguste Comte, deparei-me com uma passagem que remete a discussão aqui exposta.

"Mas é evidentemente impossível ao homem observar-se em seus próprios atos intelectuais, porque, sendo o órgão observado e o órgão observador, neste caso, idênticos - por quem seria feita a observação?" (COMTE,1972: 222)

Brilhantemente, Comte expõe a incapacidade do cérebro em analisar-se ao mesmo tempo em que executa suas funções inteligíveis, pois ao estar formulando sua problematização intelectual, não pode ao mesmo tempo analisá-la.O que remete a Perseu, na lenda grega em que derrota Medusa(mulher com cabelo de serpentes que petrificava quem olhasse sua face), onde utiliza seu escudo como espelho para poder visualizar sua adversária, sem olhar diretamente para sua face.
Como resolver tal questão?
Penso que não pode ser resolvida de forma direta, mas em busca de uma solução que remete a outro filósofo consagrado, Jean-Paul Sartre, e sua dicussão sobre alteridade na obra "O Ser e o Nada".
Sartre demonstra sob uma perspectiva existencialista, a necessidade do Outro enquanto uma outra perspectiva a respeito de si próprio.
Voltando a Comte, como este Outro resolveria a questão de nossa incapacidade?
A partir de duas perspectivas, sendo a primeira de reconhecimento e assimilação, ou seja, enxergamos no outro o que nos é semelhante, podendo assim, de forma indireta, enxergar a si próprio, experenciando a partir do Outro uma analogia de ordem cognitiva.
Voltando a Perseu, agora sabendo que possui um escudo, como utilizá-lo para resolver a questão?
O que nos remete a segunda perspectiva, ou seja, percebendo o Outro, deixamos de perceber a si próprios, o que facilitaria em tese, a partir da afirmativa de Comte, poder analisar-se.
Mantendo a linha de raciocínio, o Outro é uma outra parte de nós mesmos, analisando-o, estaremos analisando a si próprio, ao mesmo tempo é algo diferente de nós, justamente por ser extrínseco a nós, logo, podemos nos analisar extemporaneamante, respondendo a Comte, que podemos fazer a análise nos rementendo para fora de si.
Alienamos nossa condição Em-Si e nos remetemos a apreender o Outro Para-Si.
Nos afastamos para nos conhecer a partir de um (re)conhecimento.

Referência Bibliográfica:

COMTE, Auguste. Opúsculos de Filosofia Social. tradução: Ivan Lins e João Francisco de Sousa. introdução: Sofia Beatriz Lins Peixoto. Porto Alegre, Globo; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.