O vocábulo falência, do latim fallere, exprime a idéia de falsear, enganar, faltar com o prometido. Do ponto de vista econômico, manifesta a impossibilidade de o devedor satisfazer seus débitos tempestivamente, haja vista o desequilíbrio em seu patrimônio, a impotência para a geração de recursos e meios necessários aos pagamentos devidos.
Do ponto de vista jurídico, a falência é vista como um processo de execução coletiva contra o devedor insolvente. Segundo Rubens Requião, a falência propõe uma solução para a empresa comercial arruinada: ou a liquida ou proporciona a sua recuperação.
Ela é um meio extraordinário de execução, abrange todos os credores do devedor, salvo raras exceções, e incide sobre os seus bens. Por essa razão é chamada de execução extraordinária, concursal, coletiva ou universal .
Conforme os ensinamentos de Carvalho de Mendonça, falência não deve ser utilizada como meio ordinário de obtenção do cumprimento da obrigação, ela é remédio extraordinário. Se o devedor deixa de pagar um credor, cujo título de obrigação é indiscutível, e se revela privado de recursos para satisfazer todos os credores, a comunhão de prejuízos certos ou prováveis impõe e justificam sua utilização, haja vista a falência sujeitar o patrimônio do devedor a uma ordenada e universal execução, diferentemente dos outros "remédios" ordinários, que são inspirados em conceitos individualistas.
A falência em nossa nova legislação, é reservada aos casos extremos. Como forma de preservação da empresa e manutenção de empregos, dá-se preferência a recuperação extrajudicial ou judicial da empresa.
Não obstante, para que a falência seja caracterizada é necessário que o devedor seja considerado insolvente. Essa insolvência deve ser revelada pela impontualidade, que é o sinal ostensivo da impossibilidade de pagar, ou por atos que denunciem o desequilíbrio econômico do mesmo.
É importante ressaltar que, para instaurar-se o estado de falência é necessária a concorrência de três pressupostos: a qualidade de empresário devedor, o estado de insolvência, e a decretação judicial da falência. Dessa forma, por mais que fatos pretéritos determinem devedor como falido, impontual ou insolvente, ele só será assim considerado após sentença que o reconheça e o declare como tal.
Segundo Gabriel de Rezende Filho: "no exercício da função jurisdicional, pratica o Juiz vários atos destinados a regular a marcha das causas, a formar o fundo do processo, ou finalmente, a decidir as questões incidentes e questão principal".
A sentença é um desses atos. É por meio dela que se encerrará a atividade jurisdicional de primeiro grau, pois o Juiz porá termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa .
A sentença falimentar apresenta uma peculiaridade que a distingue dos outros tipos de sentença. Enquanto que no processo comum, a sentença põe fim à demanda, no processo falimentar ela dá início à falência propriamente dita, pois instaura o chamado juízo universal e a execução coletiva.
Conforme preleciona Rubens Requião:
A falência é mais do que uma simples declaração de um estado de direito: ela cria a massa falida objetiva e massa falida subjetiva, esta constituída pelos credores e aquela formada pelo patrimônio do falido, dano-lhe nítido status jurídico.
Outrossim, a sentença falimentar possui elementos exclusivos, além dos três comuns a outras sentenças (o relatório, os fundamentos da decisão e a conclusão), são eles: identificação do falido; fixação do termo legal; prazo para o falido apresentar relação de credores, com a respectiva importância e natureza dos créditos; prazo para habilitação de crédito; suspensão de todas as ações e execuções contra o falido; proibição de disposição ou oneração de bens do falido, salvo autorização judicial; determinação para anotação da falência no Registro de Empresas; nomeação do administrador judicial; expedição de ofícios às repartições públicas para que informem sobre bens e direitos do falido; ciência ao Ministério Público da decretação da falência.
A sentença decretatória da falência recai tanto sobre o empresário individual, quanto sobre sociedade empresária, e além de produzir reflexos sobre as pessoas dos sócios, gera efeitos sobre seus bens.
Um dos primeiros efeitos da supramencionada sentença é a restrição na capacidade civil do falido, que será privado da administração de seus bens e negócios, e substituído pelo Administrador Judicial. O art. 103 da Lei 11.101/2005, estabelece, in verbis:
Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.
Dessarte, o desapossamento dos bens do falido dá origem à massa falida objetiva, que será arrecadada pelo Administrador Judicial, que a gerenciará, até que ela seja liquidada.
É facultado ao Administrador Judicial eleger outra pessoa como depositária dos bens arrecadados. Nada obsta que o falido seja nomeado para o encargo, sob a responsabilidade do Administrador.
Nesse sentido:

FALIMENTAR. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO. FALÊNCIA. Decretada a falência após a penhora, os bens constritos ficam à disposição do síndico, que passa a ter a posse e a administração desses. Logo, não há como decretar-se a prisão civil do devedor-depositário pelo suposto depósito infiel. Precedentes citados do STF: RE 105.565-PR, RTJ 115/1397; do STJ: REsp 208.999-SP, DJ 12/8/2002; HC 18.293-SP, DJ 19/11/2001; RHC 9.448-SP, DJ 1º/10/2001; REsp 241.896-SP, DJ 2/5/2000; HC 10.040-PR, DJ 29/11/1999; RHC 6.822-SP, DJ 27/4/1998; RHC 6.547-SP, DJ 22/9/1997, e RHC 172-SP, DJ 2/10/1989. REsp 456.473-RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 17/10/2002. (grifo nosso).
O falido ainda terá a propriedade de seus bens, entretanto, não poderá geri-los ou possuí-los. Os bens passam a constituir um patrimônio autônomo, diverso do patrimônio do devedor, uma vez que são afetos ao pagamento dos credores.
A falência quando requerida com base no art. 94, III, e alíneas, da Lei Falimentar, pode ser precedida do seqüestro dos bens do falido. Essa medida possui caráter preventivo, visa evitar a dilapidação da massa falida objetiva, e faz com que mesmo antes da decretação da falência, o devedor perca a administração de seus bens.
A partir do momento da abertura da falência ou do seqüestro, é defeso ao falido praticar qualquer ato que se refira direta ou indiretamente aos bens, interesses, direitos ou obrigações compreendidas na quebra, sob pena de nulidade de pleno direito, que pode ser declarada ex officio, independente de prova de prejuízo aos credores.
É cediço que a execução é um processo que só alcança bens disponíveis, assim, não estão sujeitos à arrecadação os bens que por sua natureza são considerados impenhoráveis ou inalienáveis.
São inalienáveis por força de lei: os bens públicos e o bem de família, arts. 100 e 1.711, do CC/2002, respectivamente). São absolutamente impenhoráveis os bens descritos no art. 649, do mesmo diploma legal. São inalienáveis por ato voluntário os bens gravados por testadores (art. 1.911 do CC/2002). É importante frisar que os bens inalienáveis, ainda que não contenham cláusula de impenhorabilidade, são absolutamente impenhoráveis.
O art. 108, §4º, da Lei de Falências, institui que não serão arrecadados bens absolutamente impenhoráveis. O acórdão Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, neste sentido, estabelece que:
"Os bens tornados inalienáveis por força de testamento ou de contrato são, também absolutamente impenhoráveis, ainda que o testador ou doador não tenha imposto, expressamente, sua impenhorabilidade, sim a inalienabilidade dos mesmos" (RT, 366/211)
O art. 111 e 113, da Lei 11.101/2005, permite que os bens do falido sejam liquidados antecipadamente, visando garantir uma apuração mais proveitosa dos valores do ativo, ou uma minoração no percentual de perda, observando-se as seguintes condições: prévia autorização judicial; ponderação dos custos com a custódia dos bens; respeito ao valor mínimo de avaliação; oitiva do comitê, caso instaurado. Isso ocorre porque alguns bens podem sofrer desvalorização durante o curso do processo ou se deteriorar, prejudicando os interesses da massa falida, assim a venda antecipada funciona como um antídoto a esse fenômeno.
Nesse sentido:
FALIMENTAR. LEILÃO. VENDA ANTECIPADA. RISCO. INVASÃO. In casu, o Tribunal a quo reconheceu a necessidade da venda antecipada de duas fazendas de propriedade da massa falida, a fim de evitar invasões do MST, até porque já ocorreram no passado, além de serem dispendiosos os gastos para fiscalizar e guardar os imóveis. Ao prosseguir o julgamento, a Turma não conheceu do REsp. Embora a matéria requeira apreciação de fatos, o Min. Relator argumentou que, apesar de ainda não terem sido apreciados todos os créditos declarados no processo de falência, inviabilizando a confecção final do quadro geral de credores, justifica-se a medida devido ao risco de invasão pelo MST. Ademais, a título de cautela, a situação de urgência reclama e até autoriza o juízo falimentar a deferir a venda antecipada do bem, evitando prejuízos à massa falida e aos empregados sem pagamento. Outrossim, invocando palavras do MPF, destacou-se que a interposição do recurso contra a decisão de venda antecipada indica o exercício do direito ao contraditório pelo recorrente. REsp 648.014-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/4/2005. (grifo nosso).

Outra importante questão é a meação do cônjuge e a falência do empresário individual. Se a falência recair sobre uma sociedade, nenhuma implicação decorre com relação ao cônjuge, uma vez que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com os bens de seus sócios. Entretanto, se tratando de empresário individual, em que há confusão de bens, uma série de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais foi surgindo.
Se o casamento foi celebrado no regime de separação de bens, onde cada cônjuge conserva para si os bens que possuía antes de contrair núpcias, os bens que o cônjuge do falido possuía antes do casamento, aqueles recebidos em doação ou herdados não serão arrecadados pela massa. O mesmo se aplica aos bens dotais, assim não podem ser envolvidos pela falência os bens particulares do cônjuge do falido e dos filhos do casal.
No regime de comunhão de bem, estabelece o Novo Código Civil, em seu art. 1.677: "pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente em benefício de outro".


























Bibliografia:

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 2.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.v. I, II e III, 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. v. VII, 4. ed., Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1946.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. v.v. I e II, 16 ed., São Paulo: Saraiva, 1998.

REZENDE FILHO, Gabriel de. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1962.