O consumismo é o senhor absoluto do desperdício. Consome-se mais pela representação – pelo simbólico - do que pelo conteúdo em si. A propaganda “só na casa do Pedrinho...” é um exemplo da utilização do personagem infantil, para a indução de venda de um produto de consumo do adulto. Não cabe à criança escolher e decidir por uma marca, ou um produto; ao adulto responsável pela condução da infância, cabe essa opção. O ensino pedagógico do consumo consciente é uma necessidade ecológica e deveria ser um dos parâmetros de todo o programa de educação na infância. Esse indivíduo, assim educado, respeitará os limites do possível, do necessário e da utilidade. Será senhor do seu consumo, dono de suas escolhas, livre em suas decisões. Quem sabe, essa reflexão proposta pelo ministro não nos seja útil para um novo despertar de nossa condição humana e cidadã, inseridos em um mundo que exigirá de todos nós novos hábitos, novos caminhos, novas escolhas?

Parece óbvio, mas não é. Há muito que a criança vem sendo alvo da má publicidade de produtos, apesar de não ser consumidora. Influindo no processo de venda e compra junto aos adultos, acaba por impor sua vontade na decisão da família, tornando-se, com a prática, uma consumista contumaz e totalmente alienada do seu próprio referencial de mundo, de coisas e pessoas.

O consumista é o indivíduo que, guiado pela emoção, abdicado de sua capacidade de discernir e de sua liberdade de escolha consome, desenfreadamente, o produto ou o serviço que não precisa, mas que deseja, por imposição de outro. Esse outro pode ser um indivíduo, ou uma cativante mensagem publicitária. Mas, acima de tudo, um outro que é ele mesmo e que permanecerá em conflito consigo próprio em todas as situações em que se exponha ao hábito e à prática de um possuir desequilibrado, vítima de si, pela vontade de ter aquilo que não teria condições de adquirir. O consumismo é o senhor absoluto do desperdício. O desperdício é, de certo modo, uma prática irrefletida, inconsciente e inconseqüente, que denota imaturidade, incompetência e alienação, além de constituir uma afronta social.

Consome-se mais pela representação – pelo simbólico - do que pelo conteúdo em si. Um carro não é mais um veículo de locomoção, sua marca revela um poder e um status nem sempre coerente e condizente com os recursos do seu usuário. A grife exposta no produto fala mais do que a própria indumentária, o acessório.

Em contrapartida, tem surgido no mundo, um outro grupo de pessoas que, ao invés de abdicar do seu direito de escolha e de sua capacidade de discernimento, faz o caminho contrário. São os praticantes do consumerismo, um movimento que busca desenvolver uma consciência sobre os males do consumo alienado, em prol de uma prática de consumo consciente e responsável, com vistas ao bem comum. A esse movimento, filiam-se pessoas que podem, mas optam por não consumir aleatoriamente. Surgido nos Estados Unidos há mais de quarenta anos, iniciou-se com a edição da revista Consumer Reports, sem intenção comercial. Elaborada por um grupo de voluntários, com o auxílio de analistas, publica o resultado dos testes de numerosos produtos, compara marcas e orienta o comprador sobre aspectos técnicos e jurídicos.

Em nosso país, o Código de Defesa do Consumidor veda ao público infantil a comercialização de produtos, considerando que a criança não tem capacidade de avaliação, negociação nem decisão na compra. Ela não tem recursos próprios para isso, é dependente do mundo adulto. Desse modo, a publicidade que lhe tem como alvo é enganosa e passível de penalização pelos próprios órgãos de auto-regulamentação publicitária, o próprio CONAR.

Recentemente, o ministro da saúde, iniciou um debate, que vale a pena ser acompanhado, ao propor que a publicidade de produtos comestíveis tenha restrição de horário para veiculação. Sua justificativa: a criança é alvo fácil desse tipo de mensagem publicitária. Ou seja, age como intermediária da decisão do adulto. Põe em risco sua saúde e adoece consumidora de fast food.

A propaganda "só na casa do Pedrinho..." é um exemplo da utilização do personagem infantil, para a indução de venda de um produto de consumo do adulto. Quem não conhece o poder de convencimento de uma criança para satisfazer um desejo? É com esse poder de indução que as empresas contam ao pagarem a criatividade dos agentes publicitários que melhor saibam usar esse recurso de venda.

A infância vai sendo, então, confrontada por pseudo-necessidades, sub-repticiamente, lastreando a formação de um caráter consumista e insatisfeito, gerando pessoas frustradas pela incapacidade vigente de satisfazer esse ou aquele desejo de posse e possuir esse ou aquele produto de marca.

Não cabe à criança escolher e decidir por uma marca, ou um produto; ao adulto responsável pela condução da infância, cabe essa opção. Vedar as mensagens publicitárias intencionalmente dirigidas ao público infantil seria uma atitude saneadora que preservaria a infância como o momento de vida de vir a ser, de construção de um caráter cidadão e desalienado. O ensino pedagógico do consumo consciente é uma necessidade ecológica e deveria ser um dos parâmetros de todo o programa de educação na infância. A criança que aprende a consumir, guiada pelo bom senso do adulto, será o cidadão que saberá utilizar com economia os recursos comuns de toda a sociedade, imperativo, este, de um futuro que já chegou. Esse indivíduo, assim educado, respeitará os limites do possível, do necessário e da utilidade. Tornar-se-á capaz de lidar com a adversidade, suas possibilidades e seus desejos. Será senhor do seu consumo, dono de suas escolhas, livre em suas decisões.

Quem sabe, essa reflexão proposta pelo ministro não nos seja útil para um novo despertar de nossa condição humana e cidadã, inseridos em um mundo que exigirá de todos nós novos hábitos, novos caminhos, novas escolhas?

Maria Ângela Coelho Mirault é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo; membro do Comitê pela Democratização da Comunicação de Mato Grosso do Sul; integrante da Equipe Gestora do Núcleo Regional da Aliança pela Infância de Mato Grosso do Sul.

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