Alessandra Sousa Brito

RESUMO

Análise da prática pedagógica no ambiente hospitalar. Focaliza-se a possibilidade de atuação do pedagogo e, consequentemente do ato educativo, para além das instituições oficiais de ensino como forma de atendimento às necessidades educacionais especiais apresentadas pelas crianças em tratamento médico-hospitalar. Abordam-se a necessidade, relevância e principais contribuições da atuação do pedagogo no processo de tratamento e recuperação da saúde integral da criança hospitalizada. Destacam-se as formas da intervenção pedagógica neste novo espaço da prática educativa que se constitui o hospital.

Palavras-chave: Educação. Prática pedagógica. Hospitalização.


1 INTRODUÇÃO


A educação é um fenômeno plurifacetado no contexto da vida sociocultural, atravessa diversos espaços apresentando-se sob diferentes modalidades que ultrapassam o âmbito escolar.
Esse aspecto plurifacetado da educação se desenha a partir das próprias necessidades emanadas dos sujeitos cognoscentes de construírem conhecimentos, desenvolverem habilidades e competências que os possibilitem inserir-se no contexto sociocultural.
Dessa forma, há sempre uma necessidade de intervenção pedagógica, entendendo que a educação e concomitantemente a prática educativa está presente em todos os âmbitos da sociedade e não exclusivamente no espaço escolar. Como corrobora Brandão (1981 apud LIBÂNEO, 2000, p. 18):

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações (...). Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática [...].

Portanto, existem muitos espaços para além da escola onde ocorre a educação e conseqüentemente a ação de intervenção pedagógica intencional e sistematizada, voltada para as necessidades educativas especiais que perpassam por toda sociedade.
Nesse entendimento, não se pode restringir e limitar a atuação do pedagogo no contexto escolar. A diversidade de práticas educativas intencionais presentes na sociedade pós-moderna amplia os espaços de ação educativa do pedagogo, extrapolando os muros da escola.
O hospital é um desses espaços não-escolares onde a ação pedagógica se faz necessária em face das necessidades educativas especiais apresentadas por crianças em estado de morbidade crônica, impossibilitadas de freqüentarem a escola em decorrência do tratamento clínico e dos transtornos e limitações próprias das doenças.
A criança é uma unidade biopsicossocial e precisa ser assistida em sua integralidade para que adquira a saúde no sentido amplo de bem-estar envolvendo os aspectos físicos, emocionais, sociais e até mesmo espirituais como define a Organização Mundial de Saúde (ALMEIDA, 2006).
Deixar de proporcionar assistência adequada às necessidades da criança hospitalizada pode resultar no comprometimento da integridade de sua saúde. É de fundamental relevância, portanto, proteger a criança e sua infância, dando-lhe qualidade de vida assegurando o direito de continuar desenvolvendo suas potencialidades, mesmo estando em estado de adoecimento.
Dessa forma, a intervenção pedagógica no hospital permite assistir qualitativamente a criança em estado de morbidez crônica, atendendo suas necessidades educativas especiais, humanizando o tratamento clínico e ressignificando o espaço hospitalar.
Na análise dessa temática, o presente artigo terá como matriz epistemológica o pressuposto teórico-conceitual do materialismo dialético que permite, de acordo com Damasceno (2005, p. 45):

[...] apreender e trabalhar a trama das relações contraditórias que forma o tecido social, objetivando atingir a essência do mundo real, a gênese e a transformação deste. Esta ferramenta possibilita revelar a gênese e a natureza dos fenômenos estudados, evitando a fragmentação da realidade.

Através desse referencial, propõe-se uma reflexão e análise crítica sobre a atuação do pedagogo no espaço hospitalar, desvelando as possibilidades da intervenção pedagógica, considerando a rotina própria desse ambiente; destacando as principais contribuições desse profissional na assistência à saúde integral da criança.


2 A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ESPAÇO HOSPITALAR


Existem muitos espaços no contexto sociocultural, para além dos muros da escola, onde a intervenção pedagógica se faz necessária. Portanto, pode se afirmar que o campo de atuação profissional do pedagogo é amplo, considerando que há duas esferas da ação educativa: a escolar e extra-escolar (BEILLEROT, 1985 apud LIBÂNEO, 2000).
Sendo assim, não podemos vislumbrar o pedagogo como profissional da educação cuja práxis se delineia e ganha contornos próprios eminentemente no contexto escolar, negando dessa maneira outros âmbitos de atuação relevante e imprescindível desse profissional.
A leitura ampla dos espaços de ação pedagógica é corroborada pela Resolução nº 1, de 16 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Educação por meio do seu Conselho Pleno, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia. No art. 5º, inciso IV, dessa resolução, encontramos definidas dentre as aptidões do pedagogo: "trabalhar, em espaços escolares e não escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo" (BRASIL, 2006).
Na diversidade do espaço social, diferentes sujeitos necessitam de acompanhamento e intervenção pedagógica nos processos de construção do conhecimento e desenvolvimento intelectual, emocional e psicossocial.
O ambiente hospitalar se desenha como um relevante campo da ação pedagógica extra-escolar onde a articulação entre educação e saúde possibilita a ressignificação desse contexto e a integralização de ações em prol do completo bem-estar da criança hospitalizada.
Nesse sentido, a intervenção pedagógica no espaço hospitalar vem complementar ações no tratamento terapêutico, propiciando à criança hospitalizada a aquisição de outras dimensões de saúde, como afirma Ceccim (2000, p. 6): "não existe mesmo uma única saúde, existem muitas e precisamos ouvir e atender ao conjunto delas para promover a saúde integral".
O contexto hospitalar é orientado pelo quadro patológico. As atenções e ações desse espaço estão voltadas para as dimensões físicas e biológicas da criança enferma, desconsiderando outras dimensões do desenvolvimento infantil. A criança é vista como paciente, o objetivo é tratar a doença para que o quadro clínico se estabilize. Ela não é cuidada como uma unidade biopsicossocial, assistida de forma integral.
Em razão desse cenário, Ceccim (2000) destaca ainda que o ambiente hospitalar é tecnificado e impessoal.
A ação pedagógica no espaço terapêutico possibilita mudar a prática hospitalar, humanizando o tratamento clínico e transformando esse ambiente. O hospital passa a ser visto não mais como o espaço da doença e dos exaustivos e dolorosos processos terapêuticos, mas como o espaço da vida, da continuidade da rotina própria da infância. A visão da criança enferma como mero paciente é substituída por um olhar mais holístico, onde a preocupação está em oferecer aos pequenos pacientes uma assistência diferenciada e mais humana, respeitando e atendendo suas características e necessidades.
O trabalho do pedagogo no hospital tem a perspectiva de oportunizar uma assistência mais qualitativa à saúde integral da criança em estado de morbidez, amenizando os impactos e prejuízos do processo de hospitalização.
É indiscutível que a hospitalização traz fortes impactos sobre a rotina da criança, modificando completamente sua vida. Ela é afastada da família, dos amigos, dos brinquedos, da escola e é inserida no espaço estranho e amedrontador do hospital, passando a conviver com diferentes pessoas que integram a equipe médico-hospitalar, com os transtornos sintomáticos da doença, os efeitos dos medicamentos e os procedimentos evasivos das modalidades terapêuticas.
Os impactos trazidos pela hospitalização desencadeiam na criança doente um padrão comportamental evidenciado pelo medo, choro excessivo, baixa-estima, estresse, depressão e ansiedade, gerando um desequilíbrio biopsicossocial (AJURIAGUERRA, [199-?]).
Outro aspecto a considerar nos impactos do processo de hospitalização é o afastamento da criança do ambiente escolar e conseqüentemente das experiências de aprendizagem e escolarização, resultando na acentuação dos déficits e prejuízos educacionais, como pontua Weitzman (1984 apud WASSERMAN, 1992, p. 412):

[...] há evidências a partir de inúmeros estudos que sugere que crianças cronicamente enfermas com um todo têm desempenho inferior e são academicamente piores do que seus pares saudáveis. As razões para isto incluem alerta ou energia limitada, efeitos colaterais de medicações, expectativas alteradas, desajustamento psicossocial e excesso de dias perdidos devido às doenças.

Considerando a complexidade dos tratamentos clínicos e as rupturas com o mundo da criança e o processo de escolarização, vislumbra-se a criança hospitalizada como um educando com necessidades educativas especiais em situação de risco e exclusão sócio-educacional, exigindo um atendimento pedagógico-educacional diferenciado que oportunize a retomada dos processos de escolarização e desenvolvimento das potencialidades. De acordo com Fontes (2006, p. 6):

A abordagem pedagógica pode ser entendida como instrumento de suavização dos efeitos traumáticos da internação hospitalar e do impacto causado pelo distanciamento da criança de sua rotina, principalmente no que se refere ao afastamento escolar.

Desse modo, o processo de internação e o espaço hospitalar passam a ser ressignificados e redimensionados por meio de atividades educativas que propiciem a continuidade da rotina própria da infância e a ligação com a vida fora do hospital.
Através da implementação das classes hospitalares, nome dado pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Secretaria de Educação Especial ao atendimento educacional de crianças e jovens hospitalizados, o pedagogo poderá desenvolver uma prática educativa que envolva atividades lúdicas e recreativas, através de jogos e brincadeiras; atividades com artes, usando formas diversificadas de expressão: desenho, pintura, música, colagem, recorte e modelagem; atividades literárias a partir da narração, leitura e dramatização de história e contos infantis; atividades de escolarização onde o conteúdo curricular é trabalhado, permitindo a continuidade do processo ensino-aprendizagem.
Contudo, toda proposta e ação pedagógica que se pretenda desenvolver no espaço hospitalar, deverão respeitar a singularidade desse ambiente e as potencialidades e possibilidades da criança que se encontra em estado de debilidade física e autolimitação. Segundo Fontes (2005, p. 24), a proposta da intervenção pedagógica é "trabalhar a potencialidade da criança, e não o seu fracasso".
Nessa perspectiva, o pedagogo trabalhará com experiências e situações educacionais que ofereçam atividades possíveis de serem realizadas pela criança, mesmo estando doente, de forma que não acentue a frustração e o medo, mas resgate a normalidade da vida.
O planejamento do pedagogo precisa ser bem flexível e diversificado em virtude das classes hospitalares atenderem crianças de diferentes faixas-etárias, ritmos, níveis de aprendizagem e desenvolvimento. Outros fatores que justificam a necessidade de um planejamento diferenciado no contexto hospitalar são as rotatividades dos pacientes, a rotina desses ambientes e das modalidades terapêuticas. Assim, é importante que as atividades educacionais tenham início e fim no mesmo dia, sem interrupções.
Com a assistência pedagógica a criança hospitalizada conquista a oportunidade de dar prosseguimento aos processos de desenvolvimento e aprendizagem interrompidos em decorrência dos problemas de saúde, resgatando as vivências da infância e o vínculo com o mundo que ficou fora do hospital. Conforme Ceccim e Fonseca (2000, p. 23):

Para muitas crianças, talvez o trabalho de pedagogos no hospital seja a oportunidade de recuperarem os laços com o aprender e mobilizar energias para o desejo de cura ou retomada de projetos afetivos com o viver e com a recriação da vida e saúde, uma vez que o trabalho pedagógico instaura uma relação propriamente educativa (de desenvolvimento psíquico e cognitivo) e de autorização ao aprender-crescer-desenvolver-se.

Portanto, trazer a educação para o hospital, abrindo espaço para a atuação do pedagogo, é um caminho relevante para transformar o olhar da criança debilitada em relação ao período de internação hospitalar e a própria doença que enfrenta.
É aprendendo, brincando, desenhando, ouvindo e lendo histórias, cantando e construindo conhecimentos que a criança vai adquirindo auto-estima, esperança, bom humor, alegria de viver, prazer e confiança; aspectos essenciais para minimização dos problemas de saúde e recuperação do completo bem-estar físico, emocional, cognitivo e social.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante do exposto, conforme a consideração de Libâneo (2000) quanto à existência de muitas práticas educativas e concomitantemente da configuração de diversas pedagogias, podemos concluir que há no espaço social inúmeras possibilidades de atuação do licenciado em pedagogia, ultrapassando a visão que restringe o trabalho deste profissional, limitando-o ao ambiente escolar.
Para além da escola, o hospital se constrói como um novo e relevante espaço para a práxis pedagógica voltada para o atendimento educacional de crianças com necessidades educativas especiais em decorrência do processo de hospitalização, compreendendo que as necessidades especiais podem advir de inúmeras situações, incluindo a internação hospitalar.
Entretanto, a ação do pedagogo nesse novo lócus da prática educativa requer saberes essenciais. É importante conhecer e compreender como é o funcionamento e organização do hospital, as peculiaridades das modalidades terapêuticas, a equipe médico-hospitalar, o comportamento da criança enferma, seus medos, desejos, necessidades e seu cotidiano no ambiente hospitalar.
Esses saberes são imprescindíveis na elaboração e planejamento de propostas e atividades educacionais diferenciadas que oportunizem a continuidade do processo de escolarização e desenvolvimento da criança em estado de morbidez crônica, resgatando a rotina própria da infância e os laços com a vida fora do ambiente hospitalar.
O trabalho do pedagogo no hospital humaniza o tratamento clínico quando, através de situações e experiências de ensino-aprendizagem, resgata a alegria, o prazer de viver, a auto-estima da criança em estado de adoecimento.
Quando a criança adquire outro olhar sobre si mesma, sobre o problema de saúde que enfrenta e sobre o ambiente e o cotidiano hospitalar, adquire vida, minimiza o stress da hospitalização, acelerando o processo de cura e restabelecimento da saúde integral.


EDUCATION FOR BEYOND THE WALLS OF THE SCHOOL: a discussion about in the practice pedagogical in the hospital environment

ABSTRACT

Analysis of pedagogical practice in the hospital. Focuses on the possibility of action of the pedagogue an consequently the education act, in addition to the official institutions of education a way to care for special educational needs presented by children in medical treatment and hospital. It?s a need, importance and contributions of the main activities of the teacher in the process treatment and full recovery of health of the child in hospital. It´s the possibilities of educational intervention in this new space of educational practice which constitutes the hospital.

Key-words: Education. Pedagogical practice. Hospitalization.

REFERÊNCIAS

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