Educação no trânsito: uma questão de cultura


Ana Flávia Viana Santana*
Leonardo Miranda dos Santos
Márcia Rodrigues Corrêa
Myriam Nonato Rocha
Nalda Gomes Moreira Teixeira
Priscila Pontes Buzim


Resumo

Este trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa realizada durante seis visitas na Instituição do Terceiro Setor, Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, que possibilita através de várias ações educativas, promover mudanças de comportamento necessárias à diminuição dos acidentes de trânsito. Neste artigo, é feita uma breve contextualização da realidade do trânsito no Brasil, bem como uma articulação com o pensamento de alguns autores sobre determinadas questões relacionadas à temática trânsito.

Palavras-chave: Ações - Voluntariado ? Trânsito - Vida ? Educação - Juventude







Introdução:

O presente artigo objetiva apresentar uma discussão entre uma pesquisa que se propôs a investigar como se dá o processo educativo na Fundação Thiago de Moraes Gonzaga e o referencial teórico existente sobre o objetivo da instituição: a conscientização no trânsito a fim da preservação da vida.
A pesquisa traz a experiência dos alunos autores deste artigo, desenvolvida durante seis visitas à instituição, conhecida também como Programa Vida Urgente.

Entendendo um pouco mais sobre o trânsito e seus acidentes

O desenvolvimento econômico e conseqüentemente os altos níveis de industrialização e urbanização no Brasil contribuíram para a formação de várias metrópoles. Com o êxodo rural, os índices de população urbana vêm aumentando sistematicamente no país. O inchaço das cidades gera graves conseqüências econômicas e sociais nos países, sobretudo naqueles em desenvolvimento, principalmente no que se refere à infra-estrutura urbana (sistema de transportes, de energia, de água, de esgoto, de saúde e de moradia) que não atende a todos os habitantes.
No Brasil atualmente vivem 188 milhões de pessoas, pelo menos 160 milhões moram na zona urbana. Com tantas pessoas morando nas cidades tendo que se locomover de um lugar para o outro, seja a pé, de bicicleta, ônibus, moto, carro próprio, trem, metrô, enfim... todos nós temos em comum a necessidade de ir e vir. Sendo assim, nossa vida em sociedade depende do trânsito.
Para Biavati (2007, p.14) "o trânsito é o movimento e a circulação de pessoas em busca da satisfação de alguma necessidade, da sobrevivência, do lazer".
Como temos que compartilhar diariamente o mesmo espaço com diferentes pessoas de variadas maneiras. Para isso, são necessárias regras. Sem elas fica impossível controlar e organizar a circulação de pessoas e veículos no espaço público. A regra existe como um acordo entre cada um de nós que visa um objetivo maior, o problema é que esse acordo tem que ser aceito e respeitado para alcançarmos o objetivo final. Para regulamentar o comportamento de pedestres e condutores de veículos nas mais variadas situações foi criado o Código de Trânsito Brasileiro. Com a sinalização de trânsito através de desenhos e símbolos permitiu-se uma mesma compreensão da regra para todos. Segundo Biavati (2007, p.31),
"A sinalização de trânsito é a forma pela qual se controla a circulação de veículos e pedestres nas vias, às vezes proibindo ou permitindo uma ação, outras vezes alertando ou orientando o condutor do veículo e o pedestre sobre uma situação que exige atenção e cuidado, ou apenas fornecendo informações gerais".

Com uma lei e centenas de regras especificas para o trânsito, por que então ainda existem tantos acidentes? Não dá para dizer que acidentes acontecem por azar ou simplesmente coisa do destino. Os acidentes acontecem devido ao comportamento e a imprudência das pessoas. Seja condutores de veículo, moto ou pedestres todos devemos contribuir fazendo a parte que nos cabe a fim de evitarmos acidentes.
Enquanto pedestres, devemos sempre passar na faixa destinada para esse fim. Enquanto condutores, respeitar as regras de trânsito e as sinalizações das vias. Lamentavelmente, os acidentes de trânsito são a segunda maior causa de mortes no Brasil, perdendo somente para as agressões por arma de fogo, os homicídios. Entre os acidentes de trânsito, os jovens são os mais vulneráveis. A maioria dos acidentes acontece com pessoas entre 15 a 25 anos de idade.
A respeito da imprudência dos jovens, destacamos que esta é justificável principalmente por um dos fatores que caracterizam a juventude: a moratória vital. Segundo Margulis (apud Mitiko; 2001), a moratória vital, comum a todos os jovens, independente da classe social a qual pertencem, é o crédito temporal, um algo a mais e que tem vinculações com o aspecto energético do corpo do jovem. Ela está relacionada com a sensação de imortalidade tão própria dos jovens. Essa sensação e essa forma de se situar no mundo se associam com a falta de temeridade, como as condutas auto-destrutivas, que coloca em risco a saúde que os jovens julgam inesgotável; com a audácia e o lançar-se em desafios; com a exposição a acidentes; e ao excesso de todo tipo.
A maior parte das vítimas não morre nos acidentes. Para cada pessoa que morre em acidentes de trânsito, pelo menos dezenove escapam com vida. Dentro desse grupo, pelo menos seis pessoas sofrem com alguma forma de incapacitação física. Isso em números, é assustador. Cerca de 26 mil pessoas morrem nesses acidentes; quase 150 mil sobrevivem incapacitadas fisicamente. Vale lembrar que todos esses acidentes poderiam ter conseqüências menores com uso do cinto de segurança. O cinto de segurança é obrigatório, mas, infelizmente as pessoas se esquecem de usá-lo ou quando usam, acham que somente o motorista e o carona fazerem uso, é o suficiente. Culturalmente, ou melhor, ignorantemente, os passageiros deixam de usar o cinto no banco traseiro, sendo que a importância é a mesma ou até maior, já que o impacto de quem está no banco traseiro é transferido para o passageiro da frente causando muitas vezes um acidente com vitima fatal.
A maioria dos acidentes de trânsito no Brasil acontece no período que se inicia na noite de sexta-feira e termina no final de domingo. Justamente nos dias de maiores atividades de lazer e diversão, estão concentradas quase a metade dos acidentes envolvendo motoristas e passageiros. Coincidentemente, é nos finais de semana que as pessoas fazem uso de bebidas alcoólicas com maior freqüência. Há muito tempo se sabe que o consumo dessas bebidas está diretamente relacionado aos acidentes de trânsito. Uma pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia comprova que nove entre dez jovens brasileiros dirigem alcoolizados ou pegam carona com quem ingeriu bebidas alcoólicas. O álcool tem muito a ver com os homens, mas isso vem mudando nos últimos anos. As mulheres também consomem bebidas alcoólicas, consomem cada vez mais e começam a beber cada vez mais cedo. Apesar das campanhas educativas que álcool e direção não combinam, as pessoas insistem em beber e posteriormente dirigir ou pegar carona com quem bebeu. Essa atitude é conseqüência de uma cultura que acha que com a "gente não acontece", ou seja, o que mata no trânsito é o comportamento, imprudência. Portanto é preciso pensar na vida como um bem maior, respeitando as normas de trânsito e mudando nossas atitudes com relação ao trânsito no Brasil.

O trabalho realizado pela Fundação Thiago de Moraes Gonzaga

A Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, também conhecida como Programa Vida Urgente, foi criada em 13 de maio de 1996, dia do aniversário de Thiago, com o objetivo de mobilizar a sociedade a fim de preservar e valorizar a vida, desmistificando a cultura do herói, que tanto influencia os jovens e quase sempre acaba em tragédia.
No Espírito Santo, o programa Vida Urgente nasce como um processo de conscientização e mobilização da sociedade, desenvolvido pelo DETRAN-ES e o Governo do Estado do Espírito Santo com o objetivo de reduzir os acidentes de trânsito e suas conseqüências.
A manifestação de Diza, mãe de Thiago e presidente da Fundação resume o objetivo da entidade:

"O que aconteceu comigo e com o Régis, enquanto pais, não é nenhuma novidade. Isso está acontecendo diariamente, e temos lido e ouvido muitos relatos sobres estas perdas. Mas apesar de sentir que esta dor não diminuirá nunca, e que só vamos aprender a conviver com ela, acho que a morte do meu lindo Thiago não pode ser apenas mais uma. Isso é vaidade? Não sei. O que sei é que preciso fazer algo, deixar algo para que essa perda produza ganhos, pois admitir que apenas acabou, não consigo. O Programa VIDA URGENTE não salvará o mundo, sabemos. Mas se apenas um jovem com acesso à campanha deixar de se sentir babaca por agir com bom senso na direção de um carro ou mudar seu comportamento a partir da reflexão que propomos, já teremos alcançado nosso objetivo."

A percepção sobre as visitas realizadas no "Vida Urgente"

A percepção sobre as visitas é fruto de uma pesquisa realizada na Fundação Thiago de Moraes Gonzaga como requisito parcial de avaliação da disciplina Pesquisa Extensão e Prática Pedagógica IV. Esta pesquisa teve como objetivo a observação, o conhecimento das ações, os alvos e avaliações da Instituição.
Mediante as visitas realizadas ficou constatado que a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga foi fundada por Régis e Diza Gonzaga e tendo apoio de vários voluntários os quais deram esse nome à instituição como uma homenagem ao seu filho Thiago, que morreu em um trágico acidente de transito no Sul do Brasil. Thiago havia completado 18 anos uma semana antes da madrugada fria de 20 de maio de 1995, quando o carro, em que estava de carona, chocou-se contra um container colocado irregularmente na rua.
O papel dos voluntários foi observado de perto e como estes são vistos pela a Instituição: peça fundamental de todo o trabalho. Como os próprios organizadores relataram, o voluntariado é algo muito importante, pois são os voluntários que vestem a camisa figurada e literalmente, que compartilham todos os momentos e contribuem com o projeto, apresentando as ações com orgulho e segurança, participando das reuniões para construções de relatórios, motivando outros a se juntarem ao programa e comemorando o que foi realizado.
O Vida Urgente também proporciona a conscientização a partir do teatro, onde os assuntos são tratados de forma descontraída e ao mesmo tempo triste ao relatar a realidade que temos no trânsito. Todo o trabalho de divulgação é feito através de folders, reportagens, peças teatrais (Exército de Sonhos, Últimos dias de super-herói e Contadores de história), propaganda e a abordagem, todos elaborados pela própria Fundação e seus voluntários.
Foi constatado que em todos os momentos devemos tratar da "segurança no trânsito", ensinando a criança como atravessar a rua, usar o sinto de segurança, usar o banco de trás do carro e, dependendo da idade, usar a cadeirinha. O grande sonho da fundadora, a Senhora Diza Gonzaga, é que quando essas crianças se tornarem jovens, sejam jovens mais conscientes que os jovens que temos hoje, podendo assim ajudar os pais mudarem as atitude erradas e irresponsáveis.
Com os jovens, o trabalho é feito de forma descontraída, orientando principalmente que bebida e direção não combinam, nem de carona. A maioria das ações da Fundação têm caráter educativo e de abordagem nas ruas, bares, restaurantes e eventos, com a missão de conscientizar principalmente os jovens acerca da valorização da vida.
As ações acontecem diariamente. Não só no espaço Vida Urgente, mas também em escolas, ruas, praias e no "rock". A avaliação das atividades é feita ao final de cada uma das ações que realizadas, através de relatórios, enquetes, depoimentos do público atendido e também dos voluntários para saber a opinião destes em relação ao programa. Segundo o coordenador, existem coisas para melhorar como em qualquer lugar, mas ele acredita muito no trabalho que realizam e que se no final, conseguirem evitar ao menos um acidente, já será um grande ganho para todos.











Considerações Finais

Ao término desse trabalho ficou evidente a importância de se trabalhar com uma instituição que tem como objetivo reduzir os acidentes de trânsito tendo como princípio a conscientização e mobilização da sociedade. Entretanto, observamos que para o bom funcionamento das ações, é essencial que a sociedade esteja envolvida e que os voluntários estejam realmente comprometidos com o programa, visto que a maioria das ações é feita por eles. Somente assim será possível alcançarmos o objetivo de um trânsito mais seguro.




































Referências

BIAVATI, E.; MARTINS, H.; Rota de colisão: a cidade, o trânsito e você. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2007

Camacho, L.M.Y. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, v. 27, n. 1, 2001.

FUNDAÇÃO THIAGO DE MORAES GONZAGA. Brasil. Espírito Santo: 2006

Santos, P. "Tirando Cadeia": Processos de (Trans) formação de jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Texto- ANPED, 2008.