Uma característica da educação escolar, no Brasil, é o fato de se fundamentar não em idéias e ideais, mas em legislação institucional. É dependente da legislação e do poder instituído.

Um dos poucos, se não o único momento desse processo, em que a história se faz à revelia da instituição pública, a partir de idéias focada no processo do estudante, foi a proposta educacional produzida por Paulo Freire e de seus seguidores. Antes disso somente o movimento anarquista, no início do século XX, havia proposto um modelo educacional que não se fundamentava nem se alicerçava no poder instituído, mas nas reais condições do estudante. Nestes dois casos a proposta de um processo educacional pretendia desenvolver-se exatamente em oposição à classe ou às elites dominantes. Não que houvesse, nos dois casos, proposta política de tomar o poder, mas desenvolver um processo educacional em que o ponto de partida e de chegada fosse o estudante e o seu desenvolvimento enquanto cidadão.

Dizemos isso para reforçar a afirmação de que a história não se faz a partir de fatos, datas, leis e heróis, mas a partir de idéias e posturas inovadoras. E as novas idéias somente apareceram, na história da educação brasileira, mediante legislação oficial, sendo que a postura inovadora se desenvolveu a partir da década de 1960, com Paula Freire – ressaltando que o movimento anarquista havia sido importando juntamente com os imigrantes que estavam chegando para substituir os escravos.

O leitor deve estar se perguntando: e daí? Onde queremos chegar? Explico-me.

Vez por outra, como fazemos em relação ao futebol e à política, todos nós nos vemos dando palpites a respeito de tudo... Inclusive sobre educação escolar. Principalmente quando nosso filho tem alguma rusga com algum professor, naturalmente nos colocamos do lado de nosso filho e fazemos uma "carrada" de comentários desancando o professor. E raramente nos damos conta de que nosso filho, o professor e a instituição escolar são vítimas do mesmo sistema. Um sistema criado para dar a impressão de que funciona, mas que tem promovido, simultaneamente, deseducação e desinformação.

Para nossos filhos foi criada uma legislação que lhe tira a obrigação de estudar. Os pais, com certeza percebem que seus filhos, ano após ano, permanecem semianalfabetos. O sistema obriga a criança a ir para a escola, mas a mesma legislação não carrega, com a mesma intensidade, sua obrigação de estudar: ele é obrigado a ir para a escola, mas não tem obrigação de estudar – pelo menos é isso que se constata no cotidiano escolar. E, caso algum professor se arrisque a ser mais enérgico, exigindo que o estudante estude, vira vítima de comentários maledicentes tanto por parte de pais, como de alunos e do sistema escolar. Para evitar tudo isso, pois sabe que está "malhando em ferro frio", o professor acaba se resignando a dar nota para o analfabeto ser aprovado.

E por que tudo isso ocorre? Por alguns tristes motivos.

Quem faz a legislação educacional – a que se aplica ao processo escolar – não são professores, mas burocratas que nada entendem de comportamento estudantil nem atinam para o fato de que por ser um aprendente, o estudante precisa não só ser respeitado em seus direitos, mas cobrado em seus deveres. Entretanto os legisladores sabem que, como disse K.Jaspers: "massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas usam apenas de uma consciência de rebanho". Não sendo cobrados em sua obrigação de estudar, o estudante passa pela escola e deixa de ser aprendente para engrossar o contingente da "Massa de ignorantes" usada como "Massa de manobra" que nas eleições diz amém ao seu algoz.

Além disso, os legisladores desconhecem completamente o que é a sala de aula. Por desconhecer, mas querendo se impor ao professor, impõe a legislação que descaracteriza o processo educacional. E com isso produz alunos que ao concluírem o período escolar permanecem analfabetos, visto que não lhes foi proposto o desafio do estudo como caminho do saber.

E o professor, como fica nessa história? Aqueles que efetivamente se dedicam à profissão, ficam irritados: cada vez mais se lhes impõem dificuldades para sua atuação profissional; isso sem contar a correspondente e crescente desvalorização salarial. Aqueles que, como mercenários se dedicam ao magistério acomodam-se à situação e com isso ampliam o ciclo vicioso do descompromisso educacional; apenas contribuem para a ampliação da ignorância, sem a preocupação com o crescimento dos estudantes.

É neste ponto que entendemos como são despreparados os que nos governam e criam leis que nos oprimem. Por apostarem na ignorância do povo, a fim de mais facilmente manipulá-los, acabam produzindo descontentando: entre os que estudam, pois acabam descobrindo que são vistos como massa manipulável; entre os professores pois sabem que não são valorizados nem no que fazem nem na busca de resultados e menos ainda na dimensão salarial.

E na medida em que nossos governantes e legisladores criam leis que nos oprimem mais demonstram seu despreparo, pois ampliam o circulo dos opositores. Negam, inclusive, o princípio maquiavélico de ser temido para ser respeitado. E em vez de serem admirados por grandes realizações acabam odiados e vistos como efetivamente são: despreparados. E com isso negam a possibilidade de recriar a história com posturas inovadoras. E, pior, acabam atribuindo ao professor – ou ao sistema escolar – a responsabilidade pelo fracasso do estudante.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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