Educação Infantil Institucionalizada na Etnia Paeter Suruí do município de Cacoal-RO .
Juliana dos Santos Figueiredo
Universidade Federal de Rondônia ? UNIR
Resumo: Ao abordar a temática Educação Infantil Institucionalizada na Etnia Paeter Suruí do município de Cacoal-RO, a pesquisa procurou observar a criança indígena em seu convívio social com enfoque na importância da relação adulto-criança para a valorização de seus costumes e crenças na vida adulta e como os mais velhos estão lidando com a educação formal na primeira infância. Este estudo se iniciou com realização de uma pesquisa bibliográfica seguida de entrevista semi-estruturada com o Cacique Henrique, jovens e adultos membros das tribos Paeter e observações no Fórum da Aldeia onde se pode constatar o quanto a polêmica de se implantar uma educação formal para os curumins dentro de suas aldeias é atual. Os documentos analisados e a pesquisa de Betty Mindlin em seu livro Diário da Floresta, que os estuda desde 1979, com uma riqueza de detalhes impressionante foram de grande valia para subsidiar os momentos de pesquisa e analise dos dados junto aos Suruís possibilitando informações concretas sobre a real situação educacional e social desta etnia.
Palavras chaves: Educação Indígena, Etnia Paeter Suruí, Educação Infantil Institucionalizada.
Abstract: In addressing the subject in kindergarten Institutionalized Ethnicity Paeter Suruí municipality of Cacoal-RO, the study sought to observe the indigenous child in their social life with emphasis on the importance of adult-child relationship for the recovery of their customs and beliefs in adulthood and as the older ones is dealing with formal education in early childhood. This study began with conducting a literature search followed by semi-structured interview with the Chief, youth and adult members of the tribes and observations in the Village Forum where you can see how the controversy of whether to deploy a formal education in the curumins of their villages is current. The documents reviewed by Betty Mindlin and research in his book Diary of the Forest, that he has studied since 1979 with an impressive wealth of detail were of great help to subsidize the moments of search and analysis of data from the Suruí providing concrete information about the real social and educational situation of Roma.


Introdução
A qualidade de vida das crianças brasileiras e sua relação com a comunidade escolar vêm sendo estudadas por diversos pesquisadores, como Maturama e Varela apud Lopes (2006) que tem como foco, pesquisar sobre a criança na primeira infância e a importância da relação adulto-criança. Estes estudiosos defendem que o sujeito e o meio se constituem reciprocamente: o principio é a relação; sendo assim não há mundo que exista independente de nossas ações e nem separação entre o conhecimento do mundo e o que fazemos nele. Esta proposta de pesquisa teve como objetivo conhecer a relação adulto-criança dentro da cultura indígena Paeter e como essa a comunidade tem se organizado em relação à educação Infantil. Eles estão localizados nas terras Sete de Setembro, Paiter Suruí situado no município de Cacoal/RO.
Após a pesquisa bibliográfica e documentaria na Representação de Ensino de Cacoal seguimos para o Fórum Paeter, onde as entrevistas e observações foram realizadas. Ao abordar a degradação dos valores e cultura indígena na primeira infância como tema, busca-se compreender o que esta levando esses curumins a valorizarem a educação formal e aceitarem que seus pequenos freqüentem as classes de educação infantil? Como estão se organizando para preservar suas tradições? Qual a opinião dos mais velhos em relação às classes de educação infantil e como é atualmente estabelecida à convivência com os adultos? Já existe repressão ou ainda preservam o mesmo modelo de educação que se conhece?
Buscando fundamentar esta pesquisa se fez necessário um estudo sobre a modalidade educação infantil, seu contexto histórico, sua finalidade nos centros urbanos e dentro da cultura indígena, bem como a situação atual da educação indígena no Brasil e dos índios Suruís.
Para compreender a educação indígena desse povo contou-se com as pesquisas na bibliografia de Mindlin (2006) e Gripione (2006) que se tem sua base teórica nas observações que realizaram dentro da aldeia desde a partir de 1976. As reflexões sobre a infância se deram com base nos estudos de Nicolau e Moyses Kunhman apud Lopes (2006), NICOLAU 2003, Lopes (2005) e La Taille (2006). As comunidades indígenas tanto povo quanto aldeia "trazem uma racionalidade operante" que segundo Melia apud Lopes, (2005 p.14) temos que saber descobrir e apreender com eles.
A criança começa a andar, a falar e é aconselhada sem violência. Ela aprende por imitação: a respeitar os mais velhos e o que é sagrado, e a relacionar-se com a natureza. A idade mínima para ingressar na escola é de oito anos. "Separar muito cedo da família... Toda a aprendizagem da família vai ficar prejudicada não vai presenciar todas as danças, rezas... Para a criança ser feliz é preciso que ela tenha liberdade e participe de todos os eventos indígenas porque em todos esses momentos estão sendo vistos pelos Pais e outros membros." (URQUIZA, 2003 p.01).
Apesar de todas as ressalvas bibliográficas foi possível conhecer um pouco dessa etnia que vive da agricultura e do extrativismo e tem lutado muito pra preservar sua cultura e tradições.
Educação Infantil e Infância
A história das instituições infantis também é a história de tudo o que aconteceu para que a infância pudesse ser protegida por lei. Nem sempre a lei protegeu a criança ou a mãe, todas as conquistas realizadas pela cultura é fruto de muitas lutas.
"Há uma grande diferença entre ser criança e ter infância", para Kindesley apud Lopes, (2005 p.19) todos nos fomos criança, mas poucos tivemos a oportunidade de vivenciar um período de aprendizado e encantos chamado hoje de infância; que vem sendo valorizada nos dias atuais como as práticas voltadas para o cuidar e o educar como processos interligados.
Esses conceitos que a palavra infância carrega são formados de vários valores, idéias e representações que se modificaram ao longo dos tempos e expressam aquilo que a sociedade entende em um determinado momento. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) estabelece que a educação infantil seja a primeira etapa da Educação Básica e que esta seja incorporada aos sistemas de ensino, portanto regida pelos mesmos princípios e fins da educação nacional, sendo assim torna-se direito da criança, dever do estado e opção da família.
Segundo Brasil (2006, p. 152):
[...] a educação infantil passou por diversos momentos. No contexto histórico das instituições infantis, algumas conseguiram "esticar" a infância porque mantiveram os discentes distantes do mundo e das obrigações dos adultos. Um bom exemplo são os colégios na França. As creches, jardins de infância e instituições de educação de educação pré-escolar de uma maneira geral, infelizmente, muitas vezes tiveram a aplicação de políticas publicas "pobres para os pobres". A principal mudança após muitas lutas e intervenções internacionais como da UNICEF só ocorreram a partir da constituição de 1988 e a Lei 9.394/96.
Os instrumentos legais que asseguram os direitos de crianças de zero a cinco anos são: a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96). As conquistas, em relação à primeira infância nas instituições que hoje atendem as crianças (zero a três anos). Denominadas como creche e as escolas de educação infantil (quatro e cinco), também tiveram avanços na relação de ensino- aprendizagem, para Nicolau (2003 p.41) "as reflexões se dão em relação ao espaço, tempo, sobre o brincar, musica entre outras temáticas que valorize a autonomia da criança como vemos na cultura indígena." Ela afirma que a autonomia é uma condição essencial para o desenvolvimento individual e da cidadania e o tempo de aprendizado precisa ser respeitado.
Conscientes desta relatividade do conceito ocidental de tempo Berger & Luckmann (1987 p.45) afirmam que "estrutura temporal da vida cotidiana é extremamente complexa, porque os diferentes níveis da temporalidade empiricamente presentes devem ser continuamente correlacionados." Sendo assim, a "estrutura temporal" do cotidiano de uma criança indígena é, no mínimo, possuidora de uma outra complexidade, que não aquela do espaço escolar, com seus tempos pré-determinados e constantemente dirigidos, exigindo outras correlações.
Ao refletir sobre as produções culturais da e para a infância se faz necessário ter claro o conceito de cultura. Segundo Lopes (2005 p.69) "cultura é aquilo que esta ao redor do homem, tudo que ele vê, ouve e compreende ao longo da vida, tudo que ele aprende a conhecer por intermédio de sua relação com os outros e, em grande parte, aquilo que o constituí". Seja em uma instituição ou nas relações sociais as crianças em sua infância precisam conhecer e refletir as tradições sociais, conhecer e refletir as tradições e os contextos que estão inseridas.
Observando os teóricos que estudam a infância tem o trabalho de Piaget apud La Taille (2006) que chama a atenção para o desenvolvimento da inteligência, da racionalidade e o pensamento lógico que leva as crianças a focalizar as diferenças e semelhanças com os objetos, comparações entre os atributos físicos e as relações de seriação entre eles. Por outro lado Vgostsky e Wallon apud La Taille (1992 p.115) chama a atenção para a qualidade das relações das crianças entre si e delas com os adultos no desenvolvimento de competências diversas. O trabalho de Varela apud Lopes (2005 p.68) desperta para o fato da constituição da criança no curso de suas ações no mundo e do quanto o conhecer está relacionado com o agir neste mundo, tornando-se também base para as futuras observações. Na cultura indígena a socialização primária é relação que o individuo experimenta na infância, e em virtude da qual se torna membro da sociedade. "A socialização secundária é qualquer processo subseqüente que introduz um individuo já socializado em novos setores do mundo objetivo a sua volta" (BERGER; LUCKMANN, 1987 apud URQUIZA, 2003 p.01).
Povo Paeter Suruí
Os povos Paeter Suruí vivem nas terras indígenas Sete de Setembro, localizada entre os estados de Mato Grosso (no município de Rondôlandia) e Rondônia nos municípios de (Cacoal, Ministro Andreasa e Espigão D?Oeste) numa área de mais de 247 mil hectares.
Os primeiros contatos com os brancos foram constatados a partir do ano de 1969, desde estão foram vitimas dos colonizadores, sofrendo profundas alterações sócias devido à violência do contato com as frentes extrativistas, mineradoras e madeireiras.
Atualmente 17 aldeias Paeter têm acesso por estrada de chão pelos municípios de Cacoal, Rondôlandia e Pacarana, e disto em média 50ª a 60 km da BR 36. Falam a mesma língua do tronco TUPI e família MANDE; apesar de toda a pressão as que estão submetidos, todos são falantes da língua indígena Paeter como primeira língua, porém os mais jovens têm muita dificuldade. A população de 1.000 pessoas só voltou a crescer após o ano de 1969 e se organizaram em pequenos grupos patrilineares: Gamed, Gabgir, Makor e Kaban.
A sua estrutura a partir da década de 80 também sofreu influência da catequização realizada por entidades evangélicas que modificaram suas práticas religiosas e culturais como o casamento de irmãos membros dessas entidades religiosas com os indígenas, na maioria são mulheres casando com jovens curumins, mudando assim a educação das crianças em sua primeira infância, principalmente, em relação à idade de acesso às classes escolares que está sendo alterada. As crianças ficavam livres e cresciam junto aos mais velhos aprendendo através de suas próprias experiências com as tarefas e brincadeiras de outros adultos e crianças maiores, porém essa organização social está sendo modificada e a pressão para que haja na própria aldeia a educação institucionalizada para as crianças pequenas se intensifica.
Para a educação formal os Suruís contam com 10 escolas (08 estaduais em RO e 02 do município do MT) que oferecem os primeiros anos do Ensino Fundamental (1º aos 5º) e 02 do Estado de RO, que são os pólos e oferecem os anos finais (6º ao 9º). Apenas uma das escolas é constituída na "concepção arquitetônica" dos povos Tupi Monde, com formato oval, estrutura com madeira, coberta de palha, piso e paredes de alvenaria e foi construída com apoio de um grupo de alemães e da ONG (werçiwer fir Bredeete Vollerker) de Luxemburgo.
A infra-estrutura das demais escolas, em geral, é improvisada nas habitações dos professores e dos caciques, construídas com madeira e telhado de fibrocimento. Nas aldeias vizinhas ou nas escolas matogrosenses a merenda é feita por voluntários e mantida pelo município de Rondôlandia, inclusive a contratação de professores.
Nas escolas indígenas Suruí estão lotados 28 professores dos quais 23 são indígenas, 12 participaram do "Projeto Açaí" (Programa de formação para o magistério Indígena do Estado de Rondônia) que enfrentam dificuldade para ser regularizado.
Nas escolas os professores não contam com outras situações formativas como assessorias ou acompanhamento pedagógico para melhorar a sistemática de ação desenvolvida no dia-a-dia da sala de aula.
Educação indígena na primeira Infância Paeter Suruí
O Brasil que já completou 510 anos ainda não descobriu a imensa sociodiversidade nativa contemporânea dos povos indígenas. A cultura, organização e as vivências dos nativos vêm sendo estudadas e apresentadas de forma fragmentada. Os problemas enfrentados pelos indígenas são muitos: a maioria das terras ainda está em fase de demarcação ou homologada, as áreas indígenas muitas vezes invadidas por outras culturas e algumas etnias têm dificuldades de ter acesso à educação e à saúde.
A educação indígena se caracteriza pelos processos tradicionais de aprendizados e aquisição dos saberes peculiares de cada etnia, é conhecimento transmitido de forma oral no cotidiano, nos mitos. Alguns museus e associações têm investido muito na valorização de suas tradições buscando sobreviver às pressões e mudanças sociais que para alguns antropólogos são comuns. Para Henrique Paeter, atual Cacique é importante que os brancos diferenciem educação escolar de educação indígena, pois os alunos indígenas precisam de um currículo diversificado que contemple as suas reais necessidades e envolva toda a comunidade. "Ocorre em tempos e espaços cotidianos, por meio de pedagogias próprias e diversas, que garantem tanto a reprodução quanto a recriação da identidade, da tradição, dos saberes, dos padrões de comportamento e de relacionamento na dinâmica própria (CIMI , 2001)
Atualmente, o direito a uma educação diferenciada vem sendo regulamentado pela constituição Federal de 1988 nos artigos 20, 22, 109, 129, 176, 210, 215 e 232; na LDB (Lei de Diretrizes e Bases 9394/96) os artigos 78, 79 sintetizam a educação indígena e o caderno organizado pelo ministério com as especificações destas leis: Parecer 14/99 Resolução 3/99 do Conselho Nacional da Educação que garantem aos nativos o acesso à educação que acreditam e também fortalecem os Fóruns.
Em relação às matrículas na educação infantil em terras Suruís os dados não estão disponíveis e este processo está sendo conduzido sem a devida consideração das especificidades locais, ferindo também o direito garantido pela Constituição de 1988 referentes à manutenção da diferença e da autonomia dos povos indígenas. Não se trata de discutir ou criticar a qualidade da educação infantil em terras indígenas, mas sim a implicação da criança pequena do seu contexto de socialização primária para um espaço organizado sócio-temporal diferente, com outras prioridades e relações.
Apesar do deslocamento das crianças do convívio familiar, muitos pais Paeter e educadores continuam defendendo a educação informal na primeira infância e vão à mesma trilha de reflexões de Berger e Luckmann apud Urquiza (2003) que enfocam a importância da socialização primária e as narrativas pertencentes às tradições orais na construção da identidade.
[...] A conseqüência mais importante, contudo, consiste em conferir ao conteúdo daquilo que é ensinada na socialização secundária uma inevitabilidade muito menos subjetiva do que a possuída pelo conteúdo da socialização primária. Por conseguinte, o tom da realidade do conhecimento interiorizado na socialização secundária é mais facilmente posto entre parênteses (isto é, o sentimento subjetivo de que estas interiorizações são reais é mais fugitivo). São necessários graves choques no curso da vida para desintegrar amacia realidade interiorizada na primeira infância. E preciso muito menos para destruir as realidades interiorizadas mais tarde. Além disso, é relativamente fácil anular a realidade das interiorizações secundárias. A criança vive quer queira quer não no mundo tal como é definido pelos pais, mas pode alegremente deixar atrás o mundo da aritmética logo que sai da aula. (BERGER; LUCKMANN, 1987, p. 190 175 apud URQUIZA, 2003 p.05).
Os conceitos de Barty (2000) e Tassianari (2001) apud Urquiza (2003) podem ser adotados nesta temática, pois especifica a escola indígena como espaço de fronteira, pois não aprovam as classes de educação infantil na aldeia afirmando que a criança "perde" ao privar-se do convívio familiar na primeira infância. Pois as mudanças acontecem no aspecto geográfico (tratasse de outro espaço), no aspecto social (as relações interpessoais na família ? extensa ? no círculo mais amplo de parentesco são informais e expontâneas, marcadas pela total falta de regras), no aspecto simbólico (a escola representa, em um primeiro momento uma ruptura com o cosmovisão da criança, pois se trata de um elemento que está fora de seu imaginário e de seu cotidiano) e a suposição de que a criança indígena Suruí ainda não esteja totalmente desenvolvida e assimilada ao seu pertencimento sócio-idenritario. Como poderá transitar entre culturas diferentes?
Pretende-se, dessa maneira, buscar trazer à tona e compreender, os modos próprios de ser da criança Suruí, suas visões de mundo, suas perspectivas e experiências, com o objetivo de subsidiar o debate sobre a efetividade do processo de implantação da educação infantil nas comunidades indígenas desta etnia. Por isso, a situação da criança indígena, particularmente no caso da criança Paeter Suruí, não pode ser dissociada do contexto gerado pelo confinamento decorrente da perda territorial e cultural.
Conclusão
No âmbito deste trabalho, creche e pré-escola, como normalmente são conhecidas, na verdade, são instituições de atendimento às crianças antes da idade escolar, criadas pela sociedade burguesa, fundadas no contexto da urbanização e da industrialização, com o objetivo de educar e disciplinar a criança dentro de novos valores sociais dominantes, sobretudo, o de outro conceito de tempo - o tempo do trabalho, da produção. Tempo diferente do "tempo do não-trabalho" que no mundo da criança e, no caso, da criança indígena, parecem estar diretamente ligado às noções simbólicas pelas quais "localizam-se e posicionam-se no mundo social" (NUNES, 2002, p.67 apud URQUIZA, 2003 p.01).
A vida nas aldeias ou nas terras indígenas não pode ser comparada às transformações urbanas e justificada pelos processos históricos de pós-guerras, êxodo rural e a ascensão da mulher ao mercado de trabalho, com diferenças substanciais.
Neste sentido os grupos indígenas precisam compreender que a escola infantil (urbana) e as propostas pedagógicas nela desenvolvidas não contemplam as suas necessidades, porem as políticas públicas precisam ser intensificadas e a problemática discutida. O caráter epistemológico e metodológico dos currículos das escolas em terras indígenas ou de atendimento às populações indígenas deve ser norteado pelo uso da língua materna e dos processos próprios de aprendizagem, garantindo a oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural propiciando, entre outros objetivos, a reafirmação de suas identidades étnicas (BRASIL, LDB 9394/96).
Reitera-se que não se trata de discutir ou criticar a qualidade da Educação Infantil em terras indígenas, mas sim as implicações do afastamento da criança pequena do seu contexto de socialização primária - uma vida de bricolagem - para um espaço de organização sócio-temporal diferente: outra lógica, outro "lócus" de saber, outras relações (afetivas, de poder, hierarquias, etc.) ainda que haja uma preocupação com a diferença e a especificidade, como afirma Urquiza (2003).
Nas pesquisas bibliográficas realizadas sobre esta etnia não se encontram muitos autores que tivessem pesquisados os Suruís. A pesquisadora Betty Mindlin, antropóloga que os conheceu e se apaixonou, publicando um livro chamado Diário da Floresta com depoimentos e experiências muito interessantes, comenta que eles são muito ciumentos ao dar detalhes sobre seus costumes, rituais e alimentação enfim sua cultura, porém são muito acolhedores.
Os povos indígenas em geral, como os Suruís, mantém sua alteridade graças às estratégias próprias de vivências socioculturais, sendo a ação pedagógica uma delas. A educação que eles desenvolvem lhes permite que continuem a manter as suas tradições de geração a geração. Segundo Munduruku apud Suruí (2006 p.69) os jovens nas aldeias passam pelas mesmas transformações físicas e emocionais que os não-índios, e também enchem vossos corações de aflições.
Para os povos da aldeia, é costume que os curumins, garotos prestes a entrar na fase adulta, sejam introduzidos à casa dos homens por um rito de passagem que inaugura esta nova etapa. Nessa época da vida, os jovens passam pelas mesmas perguntas dos que moram na cidade: que se questiona sobre o futuro, o que os aguarda e o que lhes reserva. O Pajé e os mais velhos dizem que é preciso continuar acreditando na tradição, em seus valores e sua cultura, mas mesmo assim vivem aqueles conflitos que angustiam qualquer pessoa; quando precisam optar entre dois amores na vida, neste caso se chama tradição e modernidade.
A educação das crianças no fórum Suruí é baseada na liberdade e o aprendizado se dá pelo convívio social. Nessa comunidade, como nos relatos de outros povos indígenas, as crianças ainda podem tudo e não são apenas responsabilidades dos pais mais de todos. Segundo a teoria de Frenet apud Silva (1995 p.210) este modelo valoriza a autonomia e o aprendizado e leva-os a ser adultos autônomos e independentes. O jogo e o brincar dentro da aldeia têm outra dimensão que a cultura dos não índios não contempla, pois tudo que manipulam tem significado. O arco e a flecha que brincam são instrumentos de guerra e tê-lo em mãos é sempre um treinamento, o ato de imitar os animais tem um sentido místico, as danças e as canções são expressões de sentimentos e culto; mas os curumins brincam e muito. Os avós Paeter são os grandes defensores desse modelo educacional e afirmam que todos os membros precisam se conscientizar da importância das relações sócias para a os curumins. Os mais velhos são conscientes das transformações que seu povo sofreu desde a colonização e são a favor da educação formal desde seja oferecida na idade certa e valorize a sua diversidade cultural e educacional. Por abordagens como esta afirma (TONETO, 2006 p.263) que o oferecimento de educação institucionalizada para as crianças indígenas tem suscitado muitas críticas e um imenso debate entre especialistas, lideranças e povos indígenas.
A formação da consciência da cidadã, a capacidade de reformulação de suas culturas e a apropriação das estruturas da sociedade não-indígenas, pela aquisição de novos conhecimentos úteis para a melhoria de suas condições de vida está em pauta nas propostas relativas à educação escolar indígena que tem abandonado os pressupostos educacionais entre gracionistas visando à homogeneização da sociedade brasileira pela aculturação e assimilação. As mudanças ocorridas na comunidade Paeter trazem uma outra realidade, não se tem mais a presença dos pajés, muitas festas e rituais não são mais realizados, pois "a cada dia o sincretismo religioso e o contato com outras culturas vêm modificando seu modo de viver" (MINDLIN, 2006, p.216).
A preocupação maior do atual Cacique Henrique Paeter ainda são os casamentos dos índios com mulheres brancas, principalmente, das entidades religiosas que estão dentro da aldeia, pois assim mudam-se os valores e se começa a educar os filhos a maneira dos brancos; logo querem mandar para a escola, o que tem gerado controvérsia dentro de suas próprias organizações. As observações no Fórum foram realizadas durante as reuniões que realizavam no Fórum Paeter situado em Cacoal-RO com membros de todas as tribos e representantes do governo do Estado de Rondônia. Nessas reuniões as crianças tinham prioridade e não eram repreendidas por nenhum adulto. Em alguns casos, quando os pais estavam discursando elas subiam na mesa, tinham sua alimentação em horários diferenciados e quando um curumim se dirigia os seus pais, eles sempre se abaixavam para escutá-lo.
Para valorizar sua língua que é uma preocupação constante de todos os professores Paeter, eles falam primeiramente com as crianças na língua materna e nas escolas são elaborados projetos para que sua cultura seja mantida também através da linguagem oral. Um destes trabalhos obteve destaque em nível nacional, elaborado pelo professor Joaton Suruí, que foi um dos vencedores do premio Professor nota 10 da Revista Nova Escola em 2008, e hoje é financiado pelo IPHAN - Instituto Patrimônio Histórico Nacional (NICOLIELO, 2010).
Porém, se faz necessário que as políticas públicas elaboradas para a cultura indígena sejam executadas na integra e as autoridades educacionais tenham outro olhar sobre esta educação diferenciada para não seja preciso se ganhar prêmios para receber auxilio financeiro em seus projetos. Outro ponto importante a destacar é necessidade que os índios Suruís têm de refletir sobre as reais necessidades de seus curumins e que todos voltem a comungar dos mesmos valores em relação à educação de das crianças, pois representam à continuidade de seu povo.



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