Educação inclusiva: inclusivamente excludente

Decorridos treze anos da promulgação da Lei n.º 10.436 – a lei de LIBRAS, sancionada pelo então presidente da República FHC,  que dentre suas disposições, reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

No parágrafo único do artigo primeiro, a LIBRAS é reconhecida como língua, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriunda das comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Ainda dispõe sobre a inclusão da LIBRAS no currículo escolar. Para fixar e estabelecer os prazos e outras disposições, foi promulgado o Decreto n.º 5.626 de 22 de dezembro de 2005, pelo então presidente Lula. Mas, depois de treze anos do primeiro evento, notamos que a situação do surdo em muitas escolas, é crítica.

Em Cuiabá, existem escolas onde o surdo é retirado da aula de música, pois o professor, que por não conhecer a LIBRAS não consegue mediar seu conteúdo. O profissional intérprete por falta de conhecimento e formação adequada, não consegue traduzir/interpretar a aula do professor, dizendo para o aluno que tal conteúdo faz parte do mundo do ouvinte, que o aluno surdo não é capaz de entender. Em outros casos, como nossos alunos nos relatam, o estudante surdo é retirado da sala de aula, pois os profissionais da educação ali envolvidos, não tem conhecimento a respeito da música em um contexto de surdez.

Na escola especializada em educação de surdos de Cuiabá, onde o ensino deveria ser bilíngue, notamos a presença de intérpretes nas salas de aula e de professores que não falam a LIBRAS, como foi constatado por nossos alunos em estágio. Pior são os casos relatados por nossos alunos do interior. Uma estudante de LIBRAS, oriunda de um município do interior de nosso estado, nos contou que em sua cidade existe uma escola que tem entre seus alunos, um educando surdo e que o mesmo, não tem intérprete em sala de aula.

O motivo alegado pela direção da escola e pela secretaria de educação, para a ausência do intérprete em sala de aula, é que o mesmo recebe atendimento na sala multifuncional. Este caso é estarrecedor, pois o sujeito surdo compreende o mundo e nele se expressa, se comunica por meio de imagens. Cercear-lhe o direito a um intérprete durante as aulas, é lhe restringir a educação, a própria língua. O aluno surdo precisa ser alfabetizado em LIBRAS como o estudante ouvinte é educado em português. Cada aluno com sua especificidade, deve ser letrado em sua língua de conforto.

O sujeito com surdez está, erroneamente sendo alfabetizado em português. Os professores, comunidade escolar e família se dão por satisfeitos, ao saber que o aluno aprende copiar do quadro. Mas, esta prática só demonstra o desconhecimento dos entes envolvidos a cerca do assunto.

Qualquer um consegue aprender a desenhar seja letras ou objetos, animais e demais seres, compreendê-los exige construção cognitiva, elaboração sígnica, que só é possível no caso do surdo, por meio da LIBRAS.  De nada adianta, o professor escrever uma palavra no quadro e pedir para a surdo copiar, é evidente que o mesmo copiará.

No entanto, ele compreenderá o que vem a ser determinado conceito se for mostrado na sua própria língua. Mesmo tendo a presença do intérprete em sala, a realidade nos mostra que inúmeros alunos surdos estão saindo do ensino médio sem saber sequer escrever o português, exigência fixada por lei.

Outro ponto relevante é que os profissionais da educação (professor e intérprete) não conseguem mediar conhecimentos ao sujeito com surdez. Fato que compromete o desempenho do mesmo no ENEM, impedindo-o de ter acesso a educação superior. Quando acontece, por intermédio das instituições particulares, este é formado com inúmeras “deficiências” pedagógicas.

Na sala de aula, normalmente, não há nenhum contato direto do professor com o aluno surdo. O contato se dá via intérprete, ou seja, o aluno pergunta ao intérprete que pergunta ao professor. No momento das respostas, o ciclo recomeça. Este tipo de relacionamento está equivocado. O correto é o professor conhecer a LIBRAS, pois, segundo a lei, o aluno deve perguntar diretamente ao professor, e este por sua vez, responder ao aluno surdo em LIBRAS.

Resta-nos então fazer algumas perguntas: onde estão os representantes da Associação Mato-grossense dos Surdos-AMS? O que fizerem em nosso estado a este respeito, os representantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos-FENEIS?

Com tom de indignação e revolta, convido o Ministério Público a tomar conhecimento dessa lamentável situação. Esta criança surda – falando especificamente do caso anteriormente apontado – está tendo o seu direito a se constituir como um sujeito ideologicamente reflexivo, o direito a língua cerceado e até o presente momento, nada foi feito pelos entes competentes. Lamentavelmente, este não é um caso isolado em nosso estado.

Claudio Alves Benassi – Mestrando em Estudos de Cultura Contemporânea. Especializando em LIBRAS. Professor de LIBRAS da CODEX-UFMT.