Educação e ética

Professor: Ricardino Lassadier
O mundo contemporâneo é fértil em escolas. Em nenhum outro momento da história da humanidade houve tantas ofertas de cursos. São diversas as correntes educacionais e jamais o índice de analfabetismo em nível mundial foi tão baixo. São muitas as opções de estudos e pesquisa facilitados pela tecnologia. Então tudo está indo muito bem? Infelizmente não! Há algo errado? É sobre esse paradoxo que pretendemos refletir nesse breve ensaio.
Em nossos dias as escolas consideram importante que os alunos tenham competência e domínio técnico, tenham habilidade em realizar determinada função de forma produtiva e útil, saibam os conteúdos das disciplinas ministradas e tire boas notas e conceitos para, dessa forma, conseguirem aprovação. Qual o motivo dessas prioridades na educação?
Por volta de 1620 o filósofo inglês Francis Bacon publicou sua obra mais importante: Novum Organon . Nessa obra, Bacon, defendeu a idéia que o homem é ministro e interprete da natureza (cf. BACON, 1973, p.19), deveria dominar a natureza para conseguir usufruir seus benefícios, dessa forma o conhecimento verdadeiro para filósofo inglês reside na utilidade. Saber verdadeiro é saber útil. Esta concepção utilitarista pensada aproximadamente há quatrocentos anos atrás possibilitou o atrelamento da educação ao mercado e ela (a educação) transformou-se em instrução. Quando a educação converte-se em instrução passa a valorizar o conhecimento técnico-pragmático. Reina a mentalidade que valoriza mais a pessoa que mais produz. O individuo mais importante é aquele que tem um cargo de destaque. As pessoas valem pelo que realizam, pelo que produzem, pelo que desempenham e não pelo que são, não por existirem. É o predomínio da tese utilitarista que "toma como critério supremo da moral o útil, o interesse, a vantagem" (MONDIN, 1980, p. 96). Essa mentalidade invade também a família!
Em sentido educacional, de acordo com a mentalidade utilitarista ? tanto no meio colegial como familiar ? educar para a ética é algo esquecido, visto como perda de tempo.Resultado: temos médicos renomados, advogados conceituados, também ? pasmem! ? professores (?) famosos que são competentes nas funções que desempenham mas são, ao mesmo tempo, grandes corruptos, sem caráter.
Já na antiguidade, Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco defendia tese de que o homem, para realizar plenamente sua humanidade precisa viver em sociedade, evidentemente isso pressupõe educação. Louis Millet ao comentar Aristóteles explica: "As crianças devem ser educadas para que o gênero de vida virtuoso deixe de ser penoso e se torne habitual" (MILLET, 1990, p.142). As virtudes exigem esforços, são portanto uma conquista! De acordo com a teoria aristotélica o homem deve ser educado para o bem, para as virtudes e só o homem virtuoso, só o homem bom conseguirá ser verdadeiramente feliz. Será que em nossas escolas, aonde a educação tornou-se um produto comercializável, estão atentas para essa questão?
O pensador renascentista Giovanni Pico della Mirandola (1493 a 1496) afirmava que a natureza humana não é definida, cabe a ele realizar, ou melhor, construi-la todos os dias de sua existência. O homem, segundo Giovanni, recebeu de Deus a missão e a responsabilidade de concluir-se (cf. MIRANDOLLA, 1989, p.53), e isso é possível mediante o uso da razão, que por sua vez precisa ser educada. Será que nossas famílias, mais preocupadas em ter coisas do que em dar exemplos, estão atentas para essa missão?
Educar é uma tarefa para a vida inteira! A vida é uma grande escola para aprendermos a sermos melhores. Na escola da vida a família tem um papel fundamental para desempenhar. O professor Felipe Aquino comenta que "educar é promover o crescimento e amadurecimento da pessoa humana em todas as suas dimensões: material, intelectual e religiosa. Por isso, educar não se prende só na escola, mas principalmente em casa. Às vezes se houve dizer: ?ele é analfabeto mas, é muito educado?. Não adianta ser doutor e não saber tratar os outros; não cumprir com a palavra dada; não se comportar bem; trair a esposa e os filhos; não ser gentil; não ser afável, etc. Sem dúvida, a educação é a melhor herança que os pais devem deixar aos filhos; esta ninguém pode lhes roubar ou destruir" (AQUINO, 2002, p. 118). A educação verdadeira para Felipe Aquino é a formação do homem para o bem, para as virtudes e não para decorar e repetir certos conteúdos de uma matéria ministrada em sala. Para que se consiga algo na vida que seja realmente bom e verdadeiro faz-se necessário sacrifício, dedicação e empenho; para que se eduque alguém se exige não menos.
Mas o que é educação? Como definir? João Paulo II nos ensina que "para responder a esta questão, há que recordar duas verdades fundamentais: o homem é chamado a viver na verdade e no amor; a segunda é que cada homem realiza-se através do dom sincero de si . Isto vale tanto para quem educa como para quem é educado... O educador é uma pessoa que ?gera? no sentido espiritual . Nessa perspectiva, a educação pode ser considerada um verdadeiro e próprio apostolado" (CF 16). Educação exige comunhão, doação, sair de si e se importar com o próximo; educação exige ética; implica em formar a pessoa humana eticamente.
A família é o local adequado para prendermos o que significa doação. Muitos pensam que doação significa dar algo; mas não é isso! Doação implica em doar-se, em dar a si mesmo em sair de si e ir ao encontro do outro, em renunciar nossos egoísmos. O ser humano precisa ser educado para doar-se. Se a família não está promovendo essa educação, algo está errado.
Portanto, educar é humanizar, não animalizar e também não é tornar a pessoa uma máquina cumpridora de funções. O homem que em nome de uma "liberdade" deixa-se levar pelo hedonismo é uma besta (seja animalesca, seja tecnicista), e não uma pessoa, pois transforma o mundo e os outros em objetos de sua satisfação. O verdadeiro homem deve saber que não há liberdade sem responsabilidade mas para saber, para conhecer esse princípio e vivencia-lo precisa aprender, precisa ser educado e nisto consiste a grande missão da família e da escola, ou seja, formar e não deformar.
Bibliografia:
BACON, Francis. Novum Organon (in: col. Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1973.
MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia. São Paulo: Paulus, 1980.
MILLET, Louis. Aristóteles. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
ARISTÓTELES. Ética A Nicômaco (in: col. Os pensadores, vol. II). São Paulo: Nova Cultural, 1987.
MIRANDOLA, Giovanni P. Discurso sobre a Dignidade do Homem. Lisboa: ed. 70, 1989.
AQUINO, Felipe. Família Santuário da Vida: Vida conjugal e educação dos filhos. Lorena/SP: Cléofas, 2002.
JOÃO PAULO II. Cartas às Famílias. São Paulo: Paulinas: 1984.