EDUCAÇÃO E ÉTICA PROFISSIONAL

Elisabete Meneses das Neves[1]

Faculdade de Candeias

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RESUMO

Enquanto postulado filosófico a ética compreende questões de ordem subjetiva, ao passo que busca consolidar, também, posturas de ordem prática que possam referendar as questões cotidianas, refletindo os dilemas morais implícitos ou explícitos das mesmas. No seu campo articulam-se reflexões em contextos socioculturais diversos, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. A ética apela à convivência justa e equitativa, sob princípios, valores e virtudes, que asseguram a proteção e o cuidado com o outro, referindo-se à garantia de direitos e deveres na estrutura social. As analises aqui postas visam relacionar posicionamentos e atitudes éticas de docentes e discentes no processo pedagógico. Desse modo, esse artigo, parte das reflexões tecidas na tese de doutorado da autora, enfoca a ética no exercício do profissional em educação; profissional esse, exposto frequentemente à urgência e emergência de decidir e agir envoltos em situações conflitivas. Situações que deixam à mostra sua vulnerabilidade no aspecto físico, psicológico e no aspecto moral quando postos à disposição do processo de formação do outro. As considerações finais direcionam o leitor a busca de maior fundamentação teórica que venha a respaldar posicionamentos éticos e consequentes ao profissional de educação.

Palavras-chave: Ética profissional. Docentes. Educação

 

 

INTRODUÇÃO

O conceito de educar hoje não se restringe a transmitir conhecimentos. A educação na atualidade é, via de regra, a transmissão concomitante de princípios, valores, conhecimentos que se articulam ao desenvolvimento das diversas dimensões humanas.

Por dimensões humanas entende-se aqui o cognitivo, o emocional, o psicomotor; neste sentido a educação assume um papel fundamental para a humanidade.

Anteriormente entendida apenas como instrução a educação hoje ganha uma conotação bastante diferenciada, haja vista que as demandas atuais requerem um novo modelo de escola, outra concepção de ensino e de aprendizagem, novos modelos gestores e especialmente posturas éticas coerentes.

Do ponto de vista pedagógico o modelo de educação é síntese de correntes sociológicas, psicológicas e educacionais que determinam condutas a partir da ideologia reinante e do momento histórico, influenciando e sendo influenciada por tais correntes e movimentos sociais.

Nenhuma prática educativa é neutra, achando-se comprometida com o universo politico no qual faz parte, porque visa conservar o status quo ou porque tem em vista a luta pela mudança. Certamente, não ter consciência dos pressupostos políticos de sua prática é estar a serviço, da ordem vigente (ARANHA, 1996, p. 121).

Submersos na crise de valores que se alastra por toda a sociedade a educação tem dificuldade em estabelecer padrões de comportamento que deem conta de posturas éticas, tanto do ponto de vista da formação do aluno bem como do ponto de vista do fazer laboral cotidiano dos professores e demais profissionais de educação.

Na verdade cabe somente a educação a tarefa de estabelecer, transmitir, acompanhar e avaliar tais comportamentos? Qual a função da educação frente aos dilemas éticos gestados no ínterim dos conflitos sócio culturais de uma sociedade tão multifacetada? As atribuições dos professores devem extrapolar as questões cognitivas e abarcar questões morais e/ou éticas? Que conduta deve assumir os professores frente aos dilemas éticos?

A ética, substância da condição humana e política, é tema atual e premente e, por isso insere-se no processo educacional de desenvolvimento do ser humano, que perpassa, fundamentalmente, pela formação de consciências cidadãs (AMORIM NETO; BERKENBROK, 2012, p. 8).

Muito se tem discutido acerca do que é ética, do que é ter ética, ser uma empresa ética e assim por diante. Outras questões apresentam igual ressonância quando se pensa na ética e em dilemas éticos: Como lidar com questões referentes a preconceito, discriminação, desonestidade, má índole dentre outras que solicitam atitudes refletidas e embasadas na moral e na ética?  No aspecto profissional como lidar com questões sigilosas no ambiente de trabalho? Que postura deve-se ter ao descobrir falcatruas de pessoas hierarquicamente ou não acima de você? Como coibir atitudes de desrespeito relacionadas ao atendimento a alunos e familiares? Questões como bullying, assedio moral devem ter que tratamento?

Estas questões não são propriamente questões éticas, mas são questões que exigem posicionamentos éticos. Infelizmente percebe-se que à medida que as cidades crescem a mecanização altera as relações entre as pessoas que artificializam a convivência e banalizam fatores como a violência, o descaso com o outro, a importância dada à pessoa humana.

Isso corrobora com o argumento utilizado pelo psiquiatra espanhol Enrique Rojas em 2004 que estabelece os vínculos comportamentais a partir de um novo modelo de homem: o homem light que baseado no consumismo exacerbado põe em risco a vida do planeta através de uma cultura anti - sustentável que agride de forma contundente o estar no mundo.

[...] Não se trata apenas de consumir, mas de consumir produtos light. Pior, não se trata apenas de ingerir estes produtos trata-se de levar uma vida light: superficial, sem conteúdo, sem sentido, em que o importante é sentir-se bem e aproveitar o momento com frivolidade. As consequências disso estão disseminadas entre as varias faixas etárias, não apenas entre jovens e adolescentes.

O habitat natural do homem light é a sociedade do espetáculo, na qual não há tempo para a consistência intelectual ou para a reflexão. O alimento intelectual e ideológico é bastante frágil e não gera a necessidade de reflexão; o que conta é aquilo que chama a atenção; o que atrai é ser divertido; o ideal é ter um comportamento ousado, é ser considerado “chocante” (AMORIM NETO; BERKENBROK, 2012, p. 20 -21).

A influência deste comportamento no âmbito educacional é notadamente perversa. À medida que se muda as relações pessoais e muda-se também o olhar sobre o que se tem; a educação, assim como o fez a família anteriormente, negligencia a formação das novas gerações. E não o faz por escolha e sim por não possuir poder de barganha frente, dentre outros aspectos, ao aparato tecnológico imposto acriticamente a estes.

Aliado a este fato a conduta de muitos pais que não se mostram enquanto referência para os filhos criam e difundem a falta de valores e princípios essenciais não só a formação humana, como a manutenção da vida.

A educação deve dedicar-se a implantação de tais bases, quer no lar, quer na escola e daí a importância máxima de ambos; em que pesem as teses e doutrinas do valor e que discutem sobre as estruturas educacionais do lar e da escola, é sempre a família que se afirma como uma grande usina de modelagem das consciências (SÁ, 2009, p. 55).

Nota-se uma grande inversão de papeis entre escola e família nos dias atuais. Comumente os pais assoberbados de trabalho, envolvidos em rotinas diversas e estressantes esquecem que precisam priorizar a educação dos filhos e, mais que isso que devem ser modelos para que os mesmos possam espelhar-se em condutas apropriadas que venham a refletir ações saudáveis e éticas no futuro.

Ensejando ainda assim que seus filhos sejam pessoas de bem, com solida formação humana e acadêmica, as famílias delegam a escola a difícil tarefa de educa-los. Tarefa que não seria tão pesarosa se fosse de fato compartilhada.

Grandes conflitos são gestados no seio escolar por motivos diversos que vão desde a diferença de orientação entre escola e família até questões de cunho moral e ético envolvendo dilemas não acompanhados pelo movimento social.

A escola formada por profissionais de diferentes orientações age de acordo aos princípios estabelecidos em seu Projeto Pedagógico, que em muitas situações torna-se genérico ao lidar com questões especificas e que mereceriam um olhar mais cauteloso.

É importante ressaltar que a formação dos professores é condição sine qua non para a condução de uma formação de qualidade; assim, compreende-se que não só o processo de formação do aluno está em voga, mas, é fundamental investir no preparo do professor: cognitivo, emocional, psicológico e social.

Lidar com um número significativo de pessoas que vivenciam cotidianamente realidades diferentes e, portanto possuem motivações diversas exige do profissional amadurecimento. Não só o embasamento teórico irá respaldar o trabalho dos professores e demais profissionais. É preciso investir em formação pessoal e interpessoal que qualifique a ação pedagógica e promova segurança emocional e epistemológica suficiente para lidar com os acontecimentos do dia a dia que podem, pelo seu teor relacional, gerar instabilidade e conflitos.

Buscando investir no entendimento das pessoas que costumam valorizar mais o ter que o ser, a educação passa a ser vista como instrumento de controle e domesticação servindo para propagar uma cultura que privilegia ações individualistas e setorializadas tendo como base a competição e o status.

Em um cenário mundial onde, frequentemente, são privilegiados valores materiais e de poder, outros valores – de preservação, justiça, dignidade humana – nem sempre recebem a consideração necessária. Assim a busca pelo sentido da existência alimenta-se fragilmente da necessidade de o sujeito se destacar, ser visto e comentado por muitas pessoas em toda parte. Está amplamente incorporada a ideologia imperativa da felicidade encontrada apenas no possuir, no poder e em captar a atenção das multidões. Em consequência, as manchetes de jornais e revistas retratam e, de certa forma, tornam fashion a violência simbólica , assim como a física, entre os seres humanos, levando-os até a por em risco a vida de toda a sua espécie, em proporções planetárias, por meio de um “extraordinário potencial de autodestruição” (DELORS, 2001, p. 96 apud AMORIM NETO; BERKENBROK, 2012, p. 14).

Cabe à educação via função e responsabilidade social dos seus profissionais, intervir neste contexto estabelecendo parâmetros a serem seguidos por toda comunidade educativa. Pais devem retomar para si a educação berçária /doméstica e orientar seus filhos tornando-os pessoas equilibradas e preparadas para assumir com autonomia suas escolhas. Os professores precisam incumbir-se de despertar o gosto pelo conhecimento e facilitar as diversas formas de obtê-lo articulado as necessidades de socialização e inclusão no mundo contemporâneo. Consideram-se ainda as funções desenvolvidas pelos ditos aparelhos ideológicos do estado (politica, sindicatos, cultura, jurídico e de comunicação em massa) em uma visão althusseriana de controle ideológico e não repressivo[2], numa versão repaginada de orientação e desenvolvimento da criticidade.

Se o discurso inicial trazia a condição de exclusividade no papel de educar e formar socialmente as novas gerações; posteriormente, as famílias aceitaram o compartilhamento de responsabilidades na educação e, infelizmente hoje há uma inversão de papeis e, educar, cuidar, instruir reúne-se em um mesmo pacote formativo que fica a cargo do professor/educador.

Este precisa vencer seus próprios limites, aprender a lidar com seus preconceitos e medos, atualizar-se não só no discurso, mas principalmente em seus posicionamentos. Há de se cuidar de sua constante valorização pessoal e profissional no que se relacionam às questões éticas, financeiras, culturais e, em especial, aos dilemas relacionados à sua autoestima e autoconceito, essenciais a uma convivência pacífica consigo mesmo e, consequentemente, com outros.

Obviamente que não é tão simples assim retomar as rédeas de um processo degenerativo social de grandes proporções como o que estamos enfrentando. A consciência do momento ora vivenciado é imperiosa para que haja mudanças.

Na linguagem vulgar “consciência” significa a capacidade de agir sempre bem, de ser honesto, de ser justo... na ética, porém, consciência significa a capacidade de distinguir entre o bem e o mal para si mesmo; ela é a norma fundamental do comportamento de cada pessoa sob o ponto de vista ético (CAMARGO, 1999, p. 65).

As reflexões no campo da ética e da cidadania devem inquietar o docente, independente do seu processo de formação. Está imbuído numa cultura de valorização da vida humana, respeito ao outro e a construção de alicerces seguros que permitam aos jovens agirem corretamente, ainda que não haja coerção, implica no entendimento que a postura ética não depende necessariamente da regulação da sociedade, mas também de posicionamentos espontâneos que ocorrem mesmo que não tenha uma censura explícita, pois no caso da ética, o que vem primeiro é a autocensura.

FORMAÇÃO ÉTICA PARA DOCENTES E DISCENTES

Ser ético e sensível é uma exigência ontológica. Enquanto pessoa imbuída numa sociedade estratificada e desigual o professor, através de suas ações, deve minimizar os efeitos desta; assim, o problema do ensino será necessariamente um problema epistemológico que envolve a concepção de mundo e o entendimento da educação como prática social e a docência enquanto mediação dos sujeitos pela via do conhecimento.

A necessidade de regulação e controle social é justificada pela conduta humana de transgredir normas e ir de encontro ao estabelecido quer seja no aspecto pessoal ou profissional. Do ponto de vista pessoal a subjetividade cria argumentos que são ancorados na visão de vida e de mundo que cada pessoa carrega na sua personalidade; fato este que aliado à história de vida traz nuance interpretativas de significação relacionadas a processos identitários de gênero, etnia, religiosidade e outros impregnados por questões éticas e suas variantes (antiéticas e aéticas).

No que diz respeito ao profissional é fundamental que haja normativas que assegurem posicionamentos imperativos ou não visando assegurar via legislação a regularidade no trato a pessoa humana e aos conflitos gerados nas relações.

Se o homem necessita de argumentos coercitivos para designar suas atitudes, também o precisará para lhe beneficiar nos momentos em que agindo seguindo princípios morais e éticos vier a ser julgado pelos seus atos.

Hoje no que tange ao exercício do magistério existe uma legislação extensa, como exemplo o Plano Nacional de Educação, o Estatuto do Magistério público e privado, os Planos de Carreira que buscam assegurar direitos e deveres ao profissional de educação; no entanto percebe-se a necessidade de direcionamentos específicos que venham a dar conta de demandas conflitivas no fazer docente/pedagógico.

No que tange às relações construídas socialmente entre ética e educação, nota-se como afirma Amorim Neto (2012) que a indefinição e falta de clareza provocado pela banalização do termo ética vem esvaziando-a de sentido.

Cobrar ética dos outros confere ao reclamante um ar de engajamento ou mesmo de intelectualidade. Entretanto, o uso exagerado da palavra, paradoxalmente, aponta para a ausência de sua prática. Se, no espaço do senso comum, pela carência, fala-se bastante em ética, no meio acadêmico, a ética e a moral, como corrobora Nicola Abbagnano (2007, p. 451), também tem despertado “o maior interesse e as maiores discussões” (AMORIM NETO; BERKENBROK, 2012, p. 24 -25).

No Brasil, em especial, é comum a substituição do termo moral por ética principalmente após o período da ditadura quando tudo que se almejava era desvincular o papel disciplinador, controlador e modelador contidos nas disciplinas escolares em particular OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e EMC (educação moral e Cívica), que tanto serviram ao modelo militar.

Esta rechaça à palavra moral faz com que se utilize a palavra ética também no sentido de dever, de normas, de leis: “as constantes referências atuais à ética parecem mais relacionadas a uma demanda quase que desesperada por normas, por limites, por controle” La Taille (2006 a p.28). Afinal existem códigos de ética para empresas, comitês de ética para pesquisas acadêmicas e até os inacreditáveis comitês  de ética em instancias politicas, como o Senado e o Congresso Nacional. A preferencia pela “nobreza” da palavra ética tem implicado muito mais um moralismo, por meio de regras excessivas, do que o exercício da liberdade e da autonomia (AMORIM NETO; BERKENBROK,, 2012, p. 37).

As demandas sociais, fruto de uma sociedade castradora e repressiva, fez com que o momento seguinte estivesse voltado a manter a liberdade e a autonomia das pessoas, ainda que em alguns casos fosse ferido o princípio da convivência comunitária e harmoniosa. O desejo de se “deixar fazer” rompeu com limites morais e posteriormente éticos imprescindíveis a uma sociedade que compreende, ao passo que reflete suas condutas, sem a necessidade de coerções legais estipuladas em códigos normativos relacionais. Daí o sentimento de segurança que advém dos preceitos legais da ordem civil ou deontológicas.

Cada vez mais se buscam elementos legais registrados que garantam o direito ou o dever das pessoas individualmente ou em grupo; assegurando desta forma o pseudo sentimento de amparo. Também os vínculos profissionais precisam estar assegurados por força de lei para que se estabeleça uma relação biunívoca entre poder e obrigação.

Há de cuidar para que ao falar de direitos e deveres não se tenha em mente apenas questões morais ou relacionadas à moralidade, mas uma postura questionadora que envolva a reflexão e consequentemente a ética profissional. Ao que se refere a moral, moralidade e ética, faz-se necessário abrir um parêntese uma vez que se verifica a confusão e já o desgaste dos termos utilizados inicialmente.

A fuga do uso da terminologia “MORAL” ligada a ideologias que na verdade traziam argumentos da “MORALIDADE” [3] provocaram não só no senso comum, assim como nos meios acadêmicos o desgaste do termo “MORAL”, sendo o mesmo substituído por ética ainda que não abarquem as mesmas concepções.

Cortina (2007) apud Amorim Neto (2012, p. 25) chama atenção a tal fato além de ressaltar a tendência atual de se extinguir a moral em função da ética havendo, deste modo, a desvinculação entre uma e outra.

Segundo a autora, os próprios estudiosos estão empenhados em extingui-la, deixando a ética privada de seu objetivo e esvaziada de sentido... Os estudiosos, na perspectiva de Adela Cortina, estão gerando uma ética sem moral quando atribuem a religião, a arte e as ciências a responsabilidade pela busca da vida feliz e ao direito e a política a legitimação das normas e a formação da vontade” (AMORIM NETO; BERKENBROK,, 2012, p. 25–26).

Um projeto educativo coerente deve estar respaldado na formação de profissionais competentes não só do ponto de vista técnico, mas, comprometido com a formação dos mesmos.

O compromisso maior do professor é firmar-se como mediador nos processos constitutivos da cidadania do educando e construtor de sua própria identidade profissional; consciente de que, para ensinar não bastam experiência e conhecimento, é preciso conciliar a eles os saberes pedagógicos e didáticos necessários a uma prática reflexiva e baseada num processo contínuo de formação, auto formação e reelaboração dos saberes iniciais.

É preciso, no entanto, muito cuidado com a maneira que se vai trabalhar a “dimensão política”, pois alguns educadores não entenderam a questão e passaram a utilizar as aulas para discursos políticos, chegando ao extremo de se descuidar dos objetivos da escola e dos conteúdos, para falar apenas de ideologia e luta de classes, escondendo a incompetência atrás de temas tão importantes (CASÉRIO, 2004 apud RIVERO; GALLO, 2004, p. 175).

Apesar de todo discurso político ideológico vigente, ainda persiste na educação práticas acríticas e apolíticas que partem do equívoco que o professor deve se manter neutro, distanciado das questões sociais, da defesa da igualdade e do respeito à diversidade, sob a justificativa de não se enfronhar nas questões supostas apenas como partidárias. Neste momento fica evidenciado a postura reprodutivista docente que, respaldada apenas na dimensão técnica, julga-se um bom profissional e não se percebe enquanto referência para seus alunos. Vianna (2004) apud Rivero e Gallo (2004, p. 45) destaca o desafio de construir com os alunos, e por eles, atitudes e habilidades que influenciem na compreensão de uma sociedade justa e igualitária para todos, onde possam ser estimulados a atos de solidariedade e respeito.

Diferenciar educação de ensino, professor de educador, prática de práxis talvez já seja uma postura ultrapassada para o mundo moderno; porém, é importante relembrar que existem diferenças neste sentido que não estão apenas no campo da semântica e a relação entre significante e significado traz à tona inferências no mínimo intrigantes.

[...] a consciência profissional do professor está, de um certo modo, mergulhada no âmbito de seu trabalho, naquilo que Giddens (1987) chama de “consciência prática”, que corresponde a tudo o que ele sabe fazer e dizer. Nessa perspectiva, o conhecimento discursivo é apenas uma parte do seu “saber ensinar”. Por outro lado, as próprias práticas profissionais (inclusive a consciência prática) estão enraizadas na história de vida do professor e em sua personalidade, e são portadores de consequências não intencionais (TARDIF, 2002, p. 214).

O fazer do professor no seu dia a dia é pouco refletido por ele e, muito da sua prática tem como suporte a observação do fazer de outros professores supostamente mais experientes.

EDUCAÇÃO E ÉTICA PROFISSIONAL

Definir educação no contexto atual seria simplesmente repetir conceitos prontos que impregnados pelas concepções de seus teóricos mapearia semanticamente: instrução, ensino, medição e formação; portanto desnecessária tal definição no entendimento deste ponto em especifico. Porém, definir ética profissional, é mais que conceituar ética e transferir tal compreensão ao aspecto laboral, apenas isso não da conta das demandas que surgem a partir da temática: educação e ética profissional.

Segundo Camargo (1999),

A ética profissional é a aplicação da ética geral no campo das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbuída de certos princípios ou valores próprios do ser humano para vivê-los nas suas atividades de trabalho. De um lado ela exige a deontologia, isso é, o estudo dos deveres específicos que orientam o agir humano no seu campo profissional; de outro lado exige a diciologia, isso é, o estudo dos direitos que a pessoa tem ao exercer suas atividades (CAMARGO, 1999, p. 31-32).

Assim como a ética geral tratada tão amplamente nesta tessitura, a ética profissional é assegurada por posicionamentos funcionais que encontram respaldo nas atitudes pessoais, nas vivenciais e nos referenciais deontológicos e diciológicos seguidos a partir dos paradigmas eleitos como sensatos e coerentes.

A relação entre educação e ética profissional é quase obrigatória, não se pode conceber a educação sem definir como parâmetro os ditames éticos desta relação e uma vez falando de profissionalização não há como fugir deste argumento que se apresenta de forma tão natural que de fato parece intrínseca ao processo. Sá (2009, p. 99) garante que o cumprimento dos deveres éticos, todavia, para os que possuem formação educacional de qualidade, que são dotados de índole boa, é um efeito natural, egresso de estruturas espiritual e mental sadias.

A educação, palco onde se travam questões de abrangência diversa, é considerada o maior polo formador de pessoas. Vista anteriormente apenas com fins instrucionais, desenvolvida em um espaço específico cujo objetivo abarcava apenas o ensino de conteúdos, a escola tornou-se para professores, alunos e demais profissionais de educação um lugar de interações e aprendizagens.

A Pedagogia, como campo teórico nucleado da educação, em seus fundamentos e processos, incorpora, necessariamente, temas que auxiliam a aprofundar a relação entre saberes e condutas, ensinadas e assumidas para a vida cidadã, indispensavelmente orientada por parâmetros éticos e morais (RANGEL; FREIRE apud AMORIM NETO; BERKENBROK, 2012, p. 9).

Embora Rangel e Freire (2012) citem em especial a relação da pedagogia com a ética devem-se estender as licenciaturas e todas as áreas que trazem suporte educacional baseado na formação humana.

A escola nos dias atuais além de precisar instruir, também precisa educar transmitir valores e ensinar condutas de cunho moral e ético. Com base em quais referências a escola promoveria este ensino? E o professor? Está o mesmo preparado para assumir tais responsabilidades? Qual a formação epistemológica, moral e ética do docente para lidar com tal situação? Segundo Tardif (2000, p. 9) as profissões vivem uma crise de profissionalização que se expande e encontra respaldo na competência ou incompetência do profissional especialmente, pelo mau uso do conhecimento e pela imputabilidade do seu fazer. Em sua análise “a crise do profissionalismo é, em última instância, a crise da ética profissional, isto é, dos valores que deveriam guiar os profissionais”. O autor atribui este fato, em alguns casos ao déficit da formação universitária oferecidos nas faculdades e institutos de formação profissional.

O mundo vem testemunhando o aumento da violência, o desrespeito aos idosos e a toda e qualquer lei. Os educadores que gozavam de prerrogativas para serem amados e respeitados estão sendo cotidianamente desvalorizados e muitas vezes aviltados no desempenho de suas funções. Atualmente ensinar é função de risco e em muitos casos de alta periculosidade devido às agressões constantes que sofre o professor.

Tramita no Senado Nacional Brasileiro Projeto de Lei sob número 191/2009 em defesa dos educadores. Este projeto surgiu a partir de um trabalho de pesquisa de Mendes e Torres (2007). As pesquisadoras debruçaram-se em torno das questões que envolvem a violência em relação aos docentes no desempenho de sua profissão.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, configura violência contra o professor qualquer ação ou omissão decorrente da relação de educação que lhe cause morte, lesão corporal ou dano patrimonial, praticada direta ou indiretamente por aluno, seus pais ou responsável legal, ou terceiros face ao exercício de sua profissão (BRASIL, Projeto de Lei do Senado 191/2009).

Sentindo-se desprotegidos os docentes vem com frequência abandonando a profissão, ou criando por ela uma resistência tão grande que já é, em muitos casos, considerada patológica, a exemplo a Síndrome de Bournot que faz com que os profissionais abandonem sua ocupação profissional, em uma linguagem pedagógica há uma evasão docente.

O mal estar docente ganha corpo e extensão a partir da sensação de abandono e desprestigio que atualmente vem passando a profissão docente. Antes respeitados, valorizados pelo peso do saber e o status da cátedra; atualmente sem prestigio nem mesmo os conhecimentos que possuem ou sua visão epistêmica lhes trazem reconhecimento social.

A crise a respeito do valor dos saberes profissionais, das formações profissionais, da ética profissional e da confiança do público nas profissões e nos profissionais constitui o pano de fundo do movimento de profissionalização do ensino e da formação para o magistério. Ora, essa crise coloca atualmente os atores das reformas do ensino e da profissão docente em uma situação duplamente coercitiva: por um lado, há pressões consideráveis para profissionalizar o ensino, a formação e o ofício de educador; por outro, as profissões perderam um pouco de seu valor e de seu prestígio e já não está mais tão claro que a profissionalização do ensino seja uma opção tão promissora quanto seus partidários querem que se acredite (TARDIF, LESSARD; GAUTHIER, 1998; TARDIF; GAUTHIER, 1999 apud TARDIF 2000, p. 9).

A desvalorização perpassa pelo investimento na formação inicial e continuada, no pouco incentivo a pesquisas e qualificação cognitiva do profissional, as questões sindicais, os baixos salários, a ausência de medidas e leis protetivas ao trabalho docente e mais que isso o descaso com o conhecimento formal e acadêmico no país.

A legislação atual não traz medidas protetivas especificas para o trabalho docente uma vez que a responsabilidade de cuidados com a saúde física e psíquica do profissional fica a cargo pessoal. O docente vive em um clima de completa insegurança.

A valorização do educador deve está ancorada em uma legislação que lhe garanta proteção em todas as dimensões. No entanto a legislação existente atribui muitos deveres listando poucos avanços no que diz respeito aos direitos.

São incomuns os estudos acadêmicos que trazem a questão da vitimização do professor, as estatísticas são incipientes, não pelo fato de ocorrerem em pequenas escalas, mas especialmente pelo silêncio dos agredidos que passam por todo tipo de constrangimento além da agressão. Não são apoiados pelos seus gestores e os pais colocam seus filhos sempre na posição de vitimas que na melhor das possibilidades reagiu a uma suposta agressão inicial do professor, a sua negligência ou ainda ao bullying praticado pelo docente.

Recentemente a BBC Brasil publicou pesquisa realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) 2014, onde o Brasil é colocado no topo dos países cuja incidência de violência contra os professores é maior. Aproximadamente cem mil professores foram pesquisados sendo que 12,5% dos professores ouvidos relatam agressões verbais ou de cunho moral ao menos uma vez durante a semana. Dos 34 países pesquisados seguindo o Brasil em primeiro lugar está a Estônia, com 11%, e a Austrália com 9,7%, sendo que a média entre os 34 países é de 3,4%.

No que diz respeito à valorização profissional a pesquisa OCDE revelou que de cada dez professores apenas um (12,6 %) sente-se valorizado pela sociedade, sendo a média global de 31 %. Dirk Van Damme, chefe da divisão de inovação e medição de progressos em educação da OCDE,

[...] cita a Coreia do Sul e a China como exemplos de países onde o trabalho dos professores é valorizado tanto pela sociedade quanto por políticas governamentais, o que representa, diz ele, um elemento fundamental na melhoria da performance dos alunos. [...] Em países asiáticos, os professores possuem uma real autoridade pedagógica. Alunos e pais de estudantes não contestam suas decisões ou sanções, afirma (FERNANDES, 2014).

Toda esta situação gera muitas insatisfações no âmbito profissional o que faz com que muitas vezes o docente aja de forma diferenciada: a partir da sua clientela, do salário que recebe, da carga horária de trabalho dentre outras questões. Neste aspecto, por também se tratar de uma profissão neurotizante muitas vezes a conduta dos professores esbarra em posicionamentos antiéticos, os quais não condizem a um profissional que supostamente está preparado para lidar com tranquilidade com os dilemas da profissão e responder aos mesmos de forma coerente e sabia.

Reportando-se ainda a pesquisa OCDE (2014), ainda que de forma não quantificada há relato que a maioria dos professores no mundo, apesar das adversidades, gostam do trabalho que realizam, embora não se sintam valorizados e reconhecidos pela instituição escolar e nem considerados pela sociedade em geral.

A confirmação a este viés está ancorada em posturas simples e corriqueiras do fazer diário dos professores como, por exemplo: ser pontual, ser assíduo ao trabalho, ser atento às solicitações e falas dos alunos, ter discernimento na resolução de contendas entre eles, não discriminar, por nenhum motivo, buscar ser justo, enfim, prestar serviço de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A postura assumida pelo professor nos dias atuais corrobora com a necessidade de um profissional empenhado no desenvolvimento de suas atividades e preocupado com sua constante atualização, a busca de referenciais que ancorem uma prática ética e responsável é fundamental. Sendo o docente um elemento essencial à construção de uma sociedade mais justa e solidária, sabe da sua função social e compreende que suas demandas, do ponto de vista profissional e pessoal, devem ser satisfeitas sob pena de construir, de forma medíocre, o seu fazer diário e, pior que isto, contaminar pela imobilidade seus alunos que, se espelhando em suas ações, correm o risco de tornarem-se acríticos e pouco atuantes numa sociedade que requer, cada vez mais, posicionamentos coerentes ao mundo globalizado.

 

BIBLIOGRAFIA

 

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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda (1996). História da educação. São Paulo: Editora Moderna

BRASIL. SENADO FEDERAL. PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 191, DE 2009.

CAMARGO, Marculino. Fundamentos de Ética Geral e Profissional. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

 

CASÉRIO, Vera Mariza Regino. Saberes e competências do educador a partir das concepções críticas de educação. In: RIVERO, Cléia Maria L.; GALLO, Sílvio. A Formação de professores na sociedade do conhecimento. Bauru, SP: EDUSC, 2004.

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo – Brasília: Cortez – MEC _ UNESCO, 2001.

FERNANADES, Daniela (Paris, 28/08/2014) in BBC Brasil. Disponível: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140822_salasocial_eleicoes_ocde_valorizacao_professores_brasil_daniela_rw>. Acesso em: 16 set. 2015.

SÁ, Antônio Lopes de. Ética profissional. 9.ed.- São Paulo: Atlas, 2009

TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Revista Brasileira de educação. N. 13, Jan/Fev/Mar/Abr 2000.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Tradução de Francisco Pereira. Petrópolis: Vozes, 2002.

VAZQUEZ, A.S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000:61-82. (Capítulo III A essência da moral) 



[1] Mestre em Ciência da Educação pela Universidade Americana - Py. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade Americana - Py e professora da Faculdade Regional de Filosofia, Ciências e Letras de Candeias, das Faculdades Integradas Olga Mettig, bolsista CAPES/PARFOR.

[2] Há de se distinguir AIE – aparelhos ideológicos do estado (geralmente de domínio privado) e ARE – aparelhos repressivos do estado (domínio público). Enquanto os AIE buscam inicialmente veicular uma ideologia os ARE representados por governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, a prisões, etc utilizam predominantemente a violência em todas as suas dimensões e só posteriormente a ideologia. Embora distintos possuem uma relação intrínseca que vez ou outra um assume o papel do outro.

[3] Segundo Vásquez (2000; 66) a distinção entre o plano normativo (ou ideal) e o fatual (real ou prático) leva alguns autores a propor dois termos para designar cada plano: moral e moralidade. A moralidade seria um componente efetivo das relações humanas concretas que adquirem um significado moral em relação à moral vigente. A moral estaria no plano ideal e a moralidade no plano real. A moralidade é a moral em ação, a moral prática e praticada.