Prof Ms. Neri de Paula Carneiro[2]

Inicialmente para entendermos o processo e a evolução da compreensão da educação ao longo dos séculos, seria necessário uma caracterização da educação e da história. Isso já o fizemos em outro texto com o título de: História e História da Educação (disponível em: http://www.webartigosos.com/articles/8717/1/historia-e-historia-da-educacao/pagina1.html).

Podemos dizer que este é um texto que complementa aquele. Ambos, portanto, devem ser lidos de forma complementar.

Nossas opiniões sobre nosso presente, fundamentam-se no passado. Essa é a razão pela qual fazemos tantos esforços para compreender a história. Não porque estejamos interessados no passado, mas porque estamos interessados no presente. Como tudo é história, a educação também o é. E pelo que conseguimos descobrir, da história, os processos educacionais foram se alterando ao longo dos milênios. Até chegar ao modelo atual.

1- A Educação nas sociedades pré-letradas

Entre as primeiras civilizações o processo educativo era completamente diferente das sociedades atuais. Naquele contexto o processo educativo não envolvia a dimensão escolar, como a entendemos na atualidade. Na realidade ali havia um processo de manutenção dos elementos culturais. "O processo educativo primitivo (sic!) é fundamentalmente um processo de enculturação!, (Giles, 1987, p. 3, grifo no original), com o objetivo de preparar o jovem para o convívio social. Tratava-se de uma "educação natural, espontânea, inconsciente, adquirida na convivência de pais e filhos, adultos e menores (LUZURIAGA, 1983, p. 14. grifo no original).

Nesse processo a sociedade mantém e desenvolve sua cultura, sendo que a "cultura é, ao mesmo tempo, produto da ação humana e elemento condicionante que estimula uma ação. Trata-se de um processo dialético em que o homem cria a cultura e a cultura, por sua vez, amolda o homem. Ser humano é possuir uma cultura" sendo que a enculturação

"visa transformar a criança, naturalmente egocêntrica, no adulto participante da cultura do grupo. Ela deve assimilar os padrões cognitivos, afetivos e comportamentais do grupo. Este processo se realiza por meios explícitos, diretos e indiretos, conscientes e inconscientes, visando ensinar a criança a se tornar competente para a sobrevivência" (GILES, 1987, p. 3-4).

Nesse processo educativo, em que não há escola formal a criança ou o jovem passa de uma faze a outra mediante provas, em geral envolvendo toda a coletividade. Diz o autor que:

"a passagem da infância à etapa de adulto é marcada por ritos de iniciação. O papel educativo dessas ritos é de máxima importância no processo de integração do jovem na sociedade. Antecede esses ritos um período de provação em que o candidato deve aprender a suportar a fome, a dor e várias formas de privação, como também mostrar o domínio dos conhecimentos necessários para a vida de adulto". (GILES, 1987, p. 5)

As pessoas dos primórdios da humanidade viviam e conviviam com uma natureza que, em sua visão, era imutável e agressiva. Era necessário, mais do que coragem, desenvolver capacidades para adaptar-se a ela. Nesse ambiente o processo educativo tem a finalidade de preparar o jovem para sobreviver no ambiente do grupo em que está inserido, visando superar a dependência em relação à natureza.

Esse processo de dependência em relação à natureza, entretanto, foi se alterando. É difícil determinar, exatamente, quando os primeiros seres humanos se deram conta de que não eram somente parte da natureza, mas possuidores de capacidades para transformá-la. O fato é que, o ser humano desenvolveu características importantes como: a capacidade da fala, de raciocínio, de abstração, de produzir pinturas que, podemos dizer, foi o ponto de partida para a criação da escrita. Mas em todo esse longo período que vai do surgimento do homem até a formação de sociedades estratificadas e a estruturação do Estado, não podemos dizer que, a rigor, tenha se desenvolvido algum sistema escolar. Ocorre, como foi dito, um processo educacional cotidiano; desenvolveu-se alguns rudimentos de ensino direcionado entre os sacerdotes, para transmissão de conhecimentos sagrados, mas não ocorria uma escola sistematizada e com esse fim exclusivo. Ocorria o sistema educacional para manutenção das tradições culturais, mas não como escola em que se transmitem informações técnicas ou se produzem novos conhecimentos.

Evidentemente não se pode falar em ensino superior, nesses primeiros tempos. A organização social vigente nessa época não apresentava essa necessidade.

2- A educação nas sociedades letradas

Com o desenvolvimento das sociedades estratificadas e a presença de um aparato estatal se fazia necessária à formação de quadros para a manutenção do poder. Dessa forma os integrantes da classe dominante criaram mecanismos para oferecer aos seus filhos, mais do que os conhecimentos místicos. Era necessário dominar os conhecimentos para a manutenção da máquina do Estado. E, evidentemente, para esse novo modelo já se fazia necessário o domínio da escrita.

Esse novo modelo de educação pode ser observado tanto entre os povos mesopotâmicos como entre os egípcios. Nesses dois mundos, com modelos diferentes, mantinha-se uma estrutura semelhante: domínio de caracteres "escritos" e proximidade dos sacerdotes. Embora esteja se referindo especificamente ao mundo mesopotâmico, as palavras de Giles se aplicam, também à sociedade egípcia:

"À casta sacerdotal deve-se o primeiro sistema de ensino formal, motivado pela necessidade de formar o sacerdote escriba, guardião da ordem religiosa e encarregado da administração da sociedade, membro da classe dos baluartes do absolutismo político e da ordem sócio-econômica" (GILES, 1987, p. 7, grifo nosso).

Especificamente no Egito se pode observar, ao lado da estratificação sócio-econômica, uma estratificação no processo educacional. Sendo que a criança ficava com os pais até aos seis anos, quando era levada para escolas: elementares e superiores, sendo essas reservadas apenas aos filhos das elites. "a instrução mais importante era dada nas escolas superiores, que estavam nos templos e recolhiam os alunos até os 17 anos. Freqüentavam-nas os destinados aos cargos de escribas e a outras funções do Estado" (LUZURIAGA, 1983, p. 28)

2. a- A Educação no mundo grego

Como em outros povos no mundo grego o processo educacional desenvolveu-se em fazes, sendo que a primeira se assemelha a de outros povos. Ganha novas feições no chamado período Homérico. Nesse contexto desenvolve-se o culto aos heróis a serem imitados. E os heróis a serem cultuados são aqueles da ilíada e da odisséia. Nessas epopéias Homero "enaltece aquela excelência que dota o individuo de superioridade. Ser o melhor, superar os demais: é este o ideal que inspira todo processo educativo" (GILES, 1987,p. 12).

Entre os mais conhecidos modelos de educação grega podemos mencionar aqueles desenvolvidos em Esparta e em Atenas.

No modelo espartano todo o processo educativo está voltado para os interesses do Estado militarista.

"O estado de guerra permanente leva a imposição de uma disciplina férrea que subordina o indivíduo totalmente ao Estado. O bem do Estado é o valor supremo.

O processo educativo é estritamente controlado pelas autoridades políticas, pois as crianças nascem e são criadas para o serviço do Estado."(GILES, 1987, p. 13).

Uma das principais características da educação Espartana, entretanto, é a presença significativa da mulher tanto no processo educativo como no ambiente militar. Citando Plutarco, Luzuriaga, (1983) eram exercitadas nas artes militares a fim de gerarem filhos robustos. Afirma o autor que:

"A educação da mulher era especialmente cuidada, mas em vista da função de mãe. O mesmo Plutarco, diz a esse respeito: 'Exercitou [Licurgo] os corpos das donzelas no correr, lutar, arremessar o disco e atirar com arco, para que a concepção de filhos, em corpos robustos, brotasse com mais força... prescrevendo, por outro lado, a comodidade, o resguardo e toda delicadeza feminil, acostumou as moças a apresentar-se nas reuniões desnudas como os mancebos'" (LUZURIAGA, 1983, p. 38).

Algo oposto ao que ocorria em Atenas, em que se manifesta um ambiente eminentemente masculino. "As mudanças mais profundas ocorreram, porém, na educação da juventude. Maior complexidade da vida política e social fez necessária maior preparação para essa vida, sobretudo para a intervenção nas assembléias" (LUZURIAGA, 1983, p. 41).

Nessa cidade-estado o cidadão "enviava o filho a três tipos de escola elementar: a palestra, ou escola de ginástica, a escola de música e a escola de escrita" (GILES, 1987, p. 14), com as devidas alterações para os níveis mais elevados. Esse modelo, entretanto se altera na época de Péricles. Por volta do século IV, com a atuação dos sofistas, o ensino oferecido aos jovens (ensino superior) ganha nova roupagem e passa a ter um caráter mais retórico. "Com a ajuda do sofista, o jovem ateniense pode alcançar o novo ideal de excelência, isto é, a capacidade de persuadir e manipular as massas" (GILES, 1987, p. 16). Na atuação educacional dos sofistas perde-se um pouco a preocupação com a verdade para se buscar o convencimento. Essa será a grande batalha de Sócrates: mostrar que a argumentação não pode prescindir da verdade. A mesma preocupação permanecerá em Platão e Aristóteles em suas respectivas escolas. Ambos com um modelo de ensino superior baseado na preocupação com a comprovação dos argumentos: o primeiro priorizando a argumentação racional e o segundo mostrando a importância da demonstração e aquilo que em nossos dias é chamado de pesquisa de campo.

2. b- A Educação no mundo romano

A sociedade romana também passou por diferentes estágios. E, evidentemente, em cada um desses períodos o processo educacional manifestou-se com características específicas. Além disso, como o mundo romano se estruturou ao longo de muitas guerras de conquista, recebeu influências dos vários povos que conquistou. Por essa razão se diz que o mundo romano foi um mundo eclético e pragmático. Eclético porque soube tirar proveito de todas as informações e conhecimentos que estavam presentes entre os povos dominados. Pragmático porque soube tirar proveito de todos os conhecimentos disponíveis, para ampliar a dominação.

Em linhas gerais, entretanto, podemos afirmar que o objetivo da educação romana era a formação para o estado. O jovem era formado para ser útil à pátria, manter os valores e instituições tradicionais.

Inicialmente a criança permanecia ao lado dos pais com quem aprendia a cumprir com seus deveres para com o Estado. Como jovem passava a observar os mais velhos para aprender pelos seus exemplos. Por volta dos 16 anos, a partir de alguns ritos de iniciação recebe a veste de adulto e "a partir de então, sua educação é entregue a um parente ou amigo da família, que concorda em ensinar-lhe o essencial na arte guerreira e agrícola." (GILES, 1987, p. 33). Aprende, também, a ler, escrever e a história nacional, para melhor cultuar seus heróis.

No processo expansionista Roma conquista a Grécia. "A conquista da Grécia leva, inexoravelmente, à helenização de Roma. Os escravos levam para lá elementos importantes da cultura grega: a filosofia, as Artes e Ciência, a Retórica, a Gramática" (GILES, 1987, p. 33). Isso faz com que o programa de estudos se altere e passe a ser dividido em três etapas. "A etapa primeira consiste na leitura e na escrita do grego e do latim; a segunda consiste em estudos de Gramática, de Filosofia, e de Literatura; a terceira etapa, ou nível superior, compreende o estudo técnico da Retórica, da Dialética e da Filosofia" (GILES, 1987, p. 35). Mas isso tudo com uma só finalidade: preparar para a vida política; os conhecimentos, portanto, precisam ser aplicáveis à vida.

Como a instrução passou a ser de grande interesse do estado, nos últimos anos do Império, sob Juliano, com medo do avanço cristão, o imperador passou a nomear diretamente os professores. "O imperador passou a exercer esse privilégio de modo oficial e regular. O ensino a cargo do Estado surgiu pela primeira vez na história da humanidade" (PONCE, 2001, p. 78. grifo no original)

3- Judaísmo e Islamismo

Entre as sociedades letradas dois grupos merecem uma atenção particularizada: o Judaísmo e o Islamismo.

O Judaísmo é religião do povo hebreu, e se estruturou, nos moldes atuais, a partir da experiência do chamado "exílio na Babilônia", (587-538 aC). Evidentemente a origem do povo e sua tradição é muito mais remota e podem ser buscadas por volta do ano 2000 aC, com a experiência de Abraão, estruturando sua tradição oral; e, a partir de ano 1000 aC, com registros da corte salomônica, inicia sua tradição escrita, originando os escritos que chamamos de Antigo Testamento; a partir da estruturação da religião, no contexto do "exílio", outros escritos são organizados principalmente no Talmude.

Com a deportação, os principais símbolos dos hebreus se desfizeram: a terra, o templo, a dinastia davídica. Essa perda levaria para a desagregação do povo. Entretanto a ação dos sacerdotes manteve , não os símbolos, mas a identidade cultural, a fé e a espernça. De acordo com as palavras de Ralph W. Klein, podemos dizer que pelo exílio "Israel transformou seus problemas em oportunidades teológicas". Além disso, "o exílio foi e é um catalisador para a fé" (KLEIN, 1990, p. 173) de Israel, sem deixar de ser um momento para recriação de sua cultura. Isso ocorreu por que foi criado uma instituição educacional: a sinagoga.

"As observâncias religiosas tornam-se cada vez mais formais e formalizadas, surgido um novo elemento que será decisivo para a sobrevivência da identidade do povo hebraico e para a História da Educação, a saber, a sinagoga. O culto sinagogal promove o surgimento de uma crescente influência da classe sacerdotal. Torna-se centro de resistência à assimilação cultural e de preservação da identidade religiosa e cultural dos exilados". (GILES, 1987, p. 46. grifo no original)

Do ponto de vista da história da educação podemos frisar a importância do Judaísmo não pela sua dimensão religiosa, nem pela sua crença monoteísta, mas pela sua tradição educacional que passa de uma postura ritualística, na época pré-exílica, para uma concepção mais étic0-cultural no pós-exilio. O processo educativo, desse povo, embora essencialmente vinculado à sua religiosidade, mantém vínculos com sua cultura e com sua identidade enquanto povo, uma vez que seu "processo educativo é, de uma vez, veículo e fonte, pois é meio de conservar a identidade, a cultura e a fé, três elementos indistinguíveis, no caso do povo hebraico". (GILES, 1987, p. 44, grifo nosso). A manutenção dos valores desse povo se fez mediante um processo educativo em que se soube tirar benefício dos problemas. Foram capazes de "mostrar que o acontecimento mais importante e decisivo para as gerações passadas havia sido a superação do exílio babilônico" (SCHWANTES, 1987, p.19)

O Islamismo, desenvolveu-se a partir da Arábia e da atuação de um ex-caravaneiro, Maomé (Muhammad (570-632), chamado de "o Profeta". O islã (submissão) desenvolveu-se em função de seu caráter belicoso, mas também em função dos preceitos do alcorão (recitação), que estabelece a necessidade missionária, ou seja, a necessidade de levar a fé islâmica a outros povos. Principio herdado do cristianismo e da necessidade enfrentada por Maomé de se impor contra seus inimigos.

A religião chegou à Europa dentro desse processo de expansão, mas também como resultado do contato dos cruzados com a cultura islâmica. Na realidade os avanços europeus ocorreram não pelo seu gênio inventivo, mas porque os cruzados levaram para a Europa além de riquezas na forma de ouro e outras preciosidades, muitas informações e conhecimentos técnicos, científicos, filosóficos... A cultura grega, perdida na Europa fora mantida muçulmanos e retorna para esse continente na bagagem e nos despojos de guerra. "Se a partir do século XI a cultura européia toma determinados rumos, deve-se tal fato à influência árabe e, através dela, ao ímpeto da cultura grega". (GILES, 1987, p. 76)

O fato é que os muçulmanos diferentemente dos cristãos, apostaram no desenvolvimento cultural. Atribui-se a Maomé a afirmação de que "a tinta do homem de estudos é mais santa que o sangue dos mártires". Verdadeira ou não essa atribuição ao profeta, a frase expressa a diferença de postura e as conseqüências dela se sentiram nas incontáveis inovações produzidas pelos islamitas. Suas conquistas militares levavam também a estruturação de mesquitas e ao mesmo tempo, locais onde se poderia aprender a língua árabe para que o fiel pudesse ler os preceitos do alcorão. "Todo centro urbano importante possuía ao menos uma biblioteca pública de rico conteúdo e de fácil acesso, sem falar das bibliotecas privadas anexadas às mesquitas e palácios" (GILES, 1987, p. 77).

Independentemente do caráter religioso, o fato é que tanto o Judaísmo como o Islamismo se encarregaram de difundir cultura e escolas. A finalidade, evidentemente, era a possibilidade de acesso ao texto sagrado, mas isso possibilitou além da alfabetização, a ampliação do volume de descobertas e, conseqüentemente, de capacidade de influencia sobre os povos conquistados, no caso do islamismo; e de manutenção da identidade nacional, no caso do judaísmo. Exatamente o oposto do que fizera o cristianismo no mesmo período. "com os muçulmanos, no labor cultural, colaboraram os judeus, que nessa época atingiram grande relevo intelectual na Espanha e contribuíram também para a difusão das ciências e da filosofia clássica" (LUZURIAGA, 1983, p. 89)

O cristianismo somente aceitou as novidades da filosofia grega provinda dos árabes para manter-se como religião e como cultura dominante. Mas quem ganhou com isso foram as populações da Europa. Um dos resultados desse confronto religioso foram as universidades.

4- Educação Medieval

O que chamamos de Idade Média são os mil anos que se estendem do século V até o século XV. Como não poderia ser diferente, num período assim longo as experiências sócio-econômico-políticas e educacionais foram se alterando. Durante esse tempo os modelos de educação vinculados à Igreja passaram das escolas paroquiais, para as monásticas e episcopais e as escolas das catedrais;surgiram também as escolas palatinas e a partir do século XI-XII surgiram as universidades.

As escolas Paroquiais nada mais eram do que alguns rapazes reunidos ao redor de um padre, que lhes ensinava, os rudimentos do cristianismos com finalidades eclesiásticas. Com a expansão do cristianismo e o aumento de seu poder de influência, duas novas modalidades se desenvolveram: as escolas Monásticas e as Episcopais. Ambas, entretanto, tinham por objetivo a difusão e preservação do cristianismo. "Nos mosteiros, o essencial era, naturalmente, a vida religiosa, e só subsidiariamente a cultural e educacional" (LUZURIAGA, 1983, p. 79). Isolavam-se das cidades para mais se dedicarem à vida religiosa. Por sua vez as escolas episcopais eram mantidas sob a supervisão de um bispo que se dedicava a formação do clero secular. Nestas por vezes estudavam também os filhos dos nobres, não em vista da erudição ou do desenvolvimento pessoal, mas para aprofundarem os conhecimentos das doutrinas cristãs.

Com o crescimento das cidades, o aumento da demanda por escolaridade a ampliação das relações comerciais, foram fatores que influenciaram para o desenvolvimento das escolas Catedrais. "O aparecimento dos burgueses citadinos obrigou a igreja a deslocar o centro do seu ensino. Se, até o século XI, poderiam bastar as escolas dos monastérios, agora já eram necessárias as escolas catedrais" (PONCE, 2001, p. 96). O mundo urbano, portanto, estava operando várias transformações não só na sociedade, civil, como no seio da igreja. Mas essas transformações provinham das relações comerciais e da urbanização: estamos no começo do processo do renascimento. Entretanto, nessas escolas, nos alerta Pince (2001), a preocupação não estava na instrução, mas na orientação para as práticas cristãs: "nas escolas catedrais, da mesma forma que nas dos conventos, o que menos importava era a instrução. O canto coral era considerado mais importante" (2001, p. 96). Mais importante que as "sete artes liberais juntas". Arremata o autor.

Em todos os modelos, ligados à igreja, o ensino se organizava ao redor das sete artes liberais no Trivium e o Quadrivium. Em latim, trívium (tri: três; vium: caminho, via) e quadrivium significam três/quatro vias, ou os três/quatro caminhos. Trivium compreendia o ensino da lógica, gramática e retórica; e no Quadrivium era ensinada a aritmética, geometria, música e astronomia.

Paralelamente a esses modelos, no tempo de Carlos Magno o imperador determinou a organização das escolas Palatinas para instruir seus súditos e ao clero, em vista da pouca instrução que os mesmos possuíam. "Para isso principiou por organizar em seu palácio, seguindo a tradição merovíngia, uma escola, que freqüentaram ele próprio, sua família, e alguns nobres selecionados para o serviço da Igreja e do Estado" (LUZURIAGA, 1983, p. 81). O mesmo se repetiu na Inglaterra e em outras localidades. A grande importância dessa obra foi o fato de ter aberto o precedente para o início da educação "secular, estatal" a qual "firmou precedente valioso no processo posterior da educação pública" (LUZURIAGA, 1983, p. 82). O passo seguinte foi o surgimento das universidades

5- As universidades

Até o século XI a Europa se manteve fechada nos feudos e nas determinações estabelecidas pela Igreja. A partir desse período, o retorno dos cruzados, o surgimento da burguesia, o avanço islâmico, as relações comerciais e a importância do sistema monetário, entre outros elementos, foram condições que ajudaram a por em xeque os valores e a postura fechada do cristianismo.

Até o século XI não se pode dizer que havia universidade. Embora desde a antiguidade seja possível identificar experiências de ensino que, em alguns casos, possam ser chamadas de Ensino Superior, ainda não se pode dizer que houvesse universidade. É mais correto dizer a universidade medieval era uma assembléia de profissionais de alguma área específica. Ou ainda um grupo de pessoas que se dedicavam a alguma ciência. Lembrando, também, que ciência, aqui, era uma designação de saber e não de pesquisa científica, como entendemos na atualidade.

"A palavra universidadeuniversitas – era empregada na Idade Média para designar qualquer assembléia corporativa, fosse ela de sapateiros ou de carpinteiros. Nunca era empregada em um sentido absoluto, de modo que a expressão Universidade de Bolonha, por exemplo, era apenas uma abreviação da expressão Universidade de Mestres e Estudantes de Bolonha. No início, as universidades são passaram de reuniões livres de homens que se propuseram o cultivo das ciências" (PONCE, 2001, p. 97. Grifos no original).

Sendo assim, podemos dizer que as origens da universidade se ligam à organização de associações profissionais. Entretanto, e isso graças a ampliação dos poderes da burguesia e da influência islâmica, principalmente na região da Espanha, desenvolveu-se a preocupação com "uma atmosfera intelectual mais adequada" (PONCE, 2001, p. 98) ao desenvolvimento de oportunidades para os burgueses, em oposição aos privilégios dos nobres e, principalmente, da Igreja. Em razão disso é que, afirma Aníbal Ponce (2001) "A fundação das universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinha sido negadas" (PONCE, 2001, p. 99).

"Paralelamente ao surgimento da economia mercantil das cidades e à sua organização em comunas, um novo processo se introduz na instrução, com o aparecimento dos mestres livres que, sendo clérigos ou leigos, ensinam também aos leigos. Munidos da licentia docendo concedida pelo magischola, ensinando fora das escolas episcopais e frequentmente, par evitar concorrência, fora dos muros da cidade (extra muros civitatis), eles satisfaziam às exigências culturais das novas classes sociais" (MANACORDA, 2006, p. 145. grifo no original)

O mesmo Manacorda continua indicando a possibilidade da origem das universidades. Diz ele que

"Esses mestres livres eninava especialmente as artes liberais do trivio e do quadrivio; mas aqui e ali aparecem também escolas livres de outras disciplinas. É possível que justamente desses mestres livres, que atuavam junto às escolas episcopais e sempre sob a tutela jurídica da Igreja (e também do império), tenham nascido em seguida as universidades" (MANACORDA, 2006, p. 145)

Esses primeiros centros de ensino se especializaram em áreas específicas (MANACORDA, 2006) voltavam-se principalmente para o ensino das sete artes, medicina e do direito. O método de ensino permanecia sendo o da repetição ou o da escolásticaqueconsistia na disputa, ocasionando calorosos debates com a proposição de argumentos pró e contra o tema proposto pelo professor. Nessas primeiras universidades, havia

"Três campos bem distintos de ensino: artes liberais, medicina e jurisprudência [...].Mais tarde foi acrescentada a teologia, por solicitação particular de Inocência III no final do século XIII e ensinada pelos dominicanos. Essas foram as quatro faculdades típicas, embora não exclusivas da Idade Média". (MANACORDA, 2001, p. 146).

Sendo uma instituição que nascia sob os auspícios da burguesia, não tardou em se assumir como um espaço liberal. Isso porque, segundo Ponce (2001), superava a sociedade estamental da idade média e possibilitava que o aprendiz ascendesse de grau, passando paulatinamente de aprendiz a bacharel, licenciado e doutor. Além disso, eram os estudantes que fiscalizavam todas as atividades. E com isso a burguesia podia participar de vantagens da nobreza e do clero, sem pertencer a esses estamentos. E, no transcorrer do tempo, a partir da Revolução Francesa, passou a determinar os rumos da economia e o direcionamento da política.

E para entender essa dinâmica, somos levados ao estudo não só da história da Educação, mas ao desenvolvimento da universidade. Observamos que o aparecimento das universidades se liga não ao desenvolvimento intelectual da pesquisa, do ensino e da extensão, como ela é pensada nos dias atuais, mas como um dos espaços de ascensão da burguesia. Podemos verificar que em sua origem não havia regras ou estatutos bem definidos, aliás como sempre ocorria em relação à educação; assim como o sistema escolar antigo e medieval são manifestações das necessidades dos grupos dominante e da Igreja, a partir do século XI a universidade se estrutura de acordo com as necessidades dos burgueses. Era um novo mundo que se estava formando. Estruturava-se o mundo moderno com todas as revoluções que estavam para ocorrer...

Referências:

AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educação como Política Pública. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2004

BLOCH, Marc, Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar. 2001.

BRANDÃO, C. Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Abril Cultura; Brasiliense, 1985

GADOTTI, Moacir. História das Idéias pedagógicas. 8 ed. São Paulo: Ática, 2001

GILES, T. Ransom. História da Educação. São Paulo: E.P.U. 1987

GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia Crítica: alternativas de mudanças. 19 ed. Porto Alegre: Mundo Jovem. 1989

KLEIN, Ralph W. Israel no Exílio: uma interpretação teológica. São Paulo: Paulinas. 1990.

LIBÂNEO, José C. Democratização da Escola Pública:a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 9 ed. São Paulo: Loyola, 1990

LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação 6 reimp. São Paulo: Cortez, 1993

LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 14 ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1983

MANACORDA, Mario A. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 12 ed. São Paulo: Cortez. 2006

PILETTI, Nelson. História da Educação no Brasil. 7 ed. São Paulo: Ática, 2002.

PONCE, Aníbal, Educação e Luta de Classes. 18 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no Exílio. São Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 1987.



[1] Artigo preparado como introdução à disciplina História do Ensino Superior, ministrado ao curso de espacialização em Metodologia e didática do Ensino Superior, ministrado em São Miguel do Guaporé (RO), pela Faculdade de Pimenta Bueno (RO), em junho de 2008. sua primeira parte se encontra disponível em: http://www.webartigosos.com/articles/8717/1/historia-e-historia-da-educacao/pagina1.html.

[2] Mestre em Educação pela UFMS.Especialista em Educação; Especialista em Didática do Ensino Superior; Especialista em Teologia; Professor de História e Filosofia na rede estadual, em Rolim de Moura – RO. Filósofo; Teólogo; Historiador; Professor de Filosofia e Ética na Faculdade de Pimenta Bueno (FAP). Jornalista e produtor e apresentador de programa radiofônico; colunista no jornal Folha da Mata (Rolim de Moura-RO) e nos sites <www.webartigosos.com> e <www.artigonal.com>. Outros artigos do prof. Neri P. Carneiro, sobre filosofia, história e literatura estão disponíveis em: <http://falaescrita.blogspot.com> e <http://ideiasefatos.spaces.live.com> .