INTRODUÇÃO

         Este trabalho trata da importância de se utilizar a pedagogia freireana, seus princípios e concepções na educação do campo, visando à forma como se realiza nas escolas da zona rural e que não atendem às características, às necessidades e expectativas da população que vive no campo.   No entanto, o que se constata é que ainda que as leis tenham sido inventadas para acolher a educação rural, elas não dão conta e não acolhem a real necessidade da população do campo que se depara em condições difíceis e praticamente descuidada a sua própria sorte.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases Nacional), de 1996, determina que ao oferecer a educação básica para a população da zona rural, os sistemas requeiram as adaptações indispensáveis à sua adequação às especialidades da vida rural e de cada região. O que ocorre é que, dos governos houve pouco aquisição e em consequência, pouco avanço no sentido de colocar políticas e práticas efetivas para educação no meio rural do Brasil.

          Sabe-se que a Educação do Campo realizada no conjunto das lutas, dos Movimentos sociais e organizações do povo, procura um ensino com conteúdos e metodologias particulares para a realidade camponesa, determinada coletivamente pelos sujeitos abrangidos no processo educativo. De acordo com Caldart (2000, p. 19):

A educação rural, que está sendo desenvolvida, tem ignorado às necessidades dos sujeitos sociais que vivem no campo, ao negar ou subordinar os aprendizados da experiência, da cultura e do trabalho. Estes sujeitos precisam de oportunidades de educação com qualidade, com currículo que problematize e não negligencie sua realidade e o seu trabalho e com educadores preparados para a realidade que se apresenta.

        Vale ressaltar que, neste sentido, a proposta pedagógica de Paulo Freire é recomendada, pois, solicita um educador problematizador. É uma pedagogia do diálogo, da pergunta, do educador politizado, uma vez que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção”. (FREIRE, 2000, p. 52).

Vê-se então, que Paulo Freire traz elementos que provocam e desafiam reafirmando a educação do campo como probabilidade para desencadear um processo de construção do conhecimento, respeitando as particularidades e o compromisso da transformação da sociedade. Porém, os educadores empenhados com tal proposta assumem um compromisso de luta com a comunidade na qual estão inseridos, procurando provocar até grandes debates e movimentos que levem às alterações na própria legislação e nas políticas para a educação do campo.

DESENVOLVIMENTO

         As pessoas da sociedade excluídas precisam ser consideradas nas políticas públicas, porque, há uma dívida histórica para com elas, e um dos direitos mais importantes, o qual lhes foi negado ao longo dos tempos é o direito à educação. Para isso, como assegura Damasceno (1993), há a necessidade de relacionar as políticas que foram adotadas para essa educação com a prática social mais ampla da sociedade brasileira, mais especificamente, com as formas adotadas pelo movimento do capital no campo (DAMASCENO 1993). 

Nesta administração, os povos sociais camponeses reafirmam suas reivindicações e lutam por espaços dentro das políticas públicas, nas quais sejam apontadas diretrizes que atendam aos seus anseios e aos seus propósitos de luta.

A LDB - Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei N° 9394/96) estabelece o seguinte acerca da educação das pessoas que vivem na área rural; artigo 28: Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I- conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II- organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar ás fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III- adequação à natureza do trabalho na zona rural.

         Percebe-se, então, com a LDB que ela mostra que a educação só acontece na escola, com isto não se respeita nem valoriza todas as demais formas de aprendizagem e educação desenvolvidas fora da escola regular. Saviani (2000, p.163), destaca que existem contradições entre o que aborda a LDB em seu Art. 28, que se refere exclusivamente à educação escolar, sem levar em conta a educação fora da escola, como, por exemplo, a educação que é desenvolvida nas realidades campesinas. Para Freire (1987, p. 27):

        

As políticas públicas deveriam revelar a ação do Estado em torno dos interesses e das reivindicações dos sujeitos sociais e, ao criá-las, garantir, em seu processo, a transparência, o acesso e a participação coletiva. O que se verifica é exatamente o contrário, parece claro que se pretende excluir e impedir que a participação aconteça. Desta forma o que se observa é a alienação e o afastamento, os quais fazem com que os sujeitos não cheguem a localizar o opressor concretamente, como também enquanto não cheguem a ser consciência para si, assumam atitudes fatalistas em face da situação concreta de opressão em que estão.

         O que se tem observado no Estado, especialmente nos últimos três anos (2008-2011) é o interesse do Governo em desmantelar a educação popular, contando para tanto com todo seu aparato de coerção e com a persuasão imposta por uma parcela da sociedade civil. Tenta gerar com isto um sentimento de autodesvalia como uma marca dos oprimidos. Este sentimento que é extremamente perigo para sujeitos em situação de vulnerabilidade social, resulta da introjeção que fazem eles da visão que deles têm os opressores (FREIRE, 1987, p.28).

         Nesta perspectiva, acaba sendo negada a possibilidade do próprio grupo de assentados constituírem-se, pois, ao mesmo tempo em que não permite que a educação popular aconteça no assentamento impede que o conhecimento historicamente construído seja socializado por sujeitos sociais, tendo em vista que essa dimensão educativa, formadora das classes subalternas, pode ser captada no processo histórico de organização dos movimentos sociais populares (FREIRE, 1982).

         Freire (1982, p. 35) afirma que a educação “[...] como ato de conhecimento, como ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra”. 

          O pensamento de Paulo Freire de que ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho e que os homens se libertam em comunhão revela a necessidade do trabalho coletivo, à necessidade do diálogo, do respeito às ideias, concepções e limitações do outro. Para Freire o diálogo crítico é libertador, e, por isto mesmo supõe a ação. Por esta razão deve ser feito com os “oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação. Não um diálogo às escâncaras, que provoca a fúria e a repressão maior do opressor” (FREIRE, 1987, p. 29). Nesta perspectiva, o ato pedagógico, o trabalho docente tem um caráter politizador, em uma perspectiva emancipatória assim como afirma o autor:

A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, "ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor, Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência.

 O papel do educador não é de um expectador, ele exige ação e reação para a superação da contradição opressor-oprimidos, é preciso que eles se convençam de que o trabalho que executam exige deles, a partir do momento em que o assumem a sua responsabilidade total (FREIRE, 1982).

Cabe aos educadores o desafio de cultivar uma postura dialógica e crítica diante do mundo, que os faça ter compromisso em assumir-se enquanto seres epistemologicamente curiosos diante dos fatos, realidades e fenômenos que constituem seu próprio mundo. Em relação à educação e ao conhecimento é preciso ter clareza para perceber que devem partir da construção coletiva mediada dialogicamente, que deve articular dialeticamente a experiência da vida prática com a sistematização rigorosa e crítica. O processo de construção do conhecimento implica uma relação dialógica (FREIRE, 1987).

            O processo educativo é dialógico, pois sem diálogo não há educação. A educação com este propósito torna-se um processo de conhecimento onde todos ensinam e todos aprendem um processo criador e recriador (FREIRE, 1987).

Isto implica em que o educador assuma compromissos éticos e políticos, de intervenção crítica no mundo. A pedagogia freireana é revolucionária constituindo-se na unidade dialética entre ação-reflexão-ação, que requer testemunho da ação.

O trabalho pedagógico transporta os sujeitos á libertação das amarras que o oprimem e da visão ingênua do mundo que o cerca. O ato educativo baseado no pensamento de Paulo Freire adota a tarefa de requerer a superação da contradição, para que os homens possam reconhecer o limite que a realidade opressora lhes impõe (FREIRE, 1987, p. 19) e, com base neste processo de reconhecimento encontrem energias que conduzam a uma ação libertadora.         

         Sendo assim, a educação do campo representa um contraponto à educação rural, auxiliada pelas elites como a educação dos sujeitos do campo. Caldart (2004, p. 23) destaca que:

Mais que o direito da população ser educada no lugar onde vive, precisa ser respeitado o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada a sua cultura e as suas necessidades humanas e sociais. O processo de valorização de sua cultura incentiva os sujeitos do campo a pensar e agir por si próprios, assumindo sua condição de sujeitos.

          É importante que se considere o fato de que, sendo assim, todos estariam então preparados para interpretar, compartilhar, descobrir e aprender. Os motins que pudessem surgir não seriam temidos, apenas representariam a possibilidade da abertura, do questionamento, da busca das respostas e da superação da condição de oprimidos. Estariam preparados, também, para batalhar por políticas e práticas emancipatórias, conscientes de que tem um papel social a cumprir e tem o compromisso de cooperar para que as políticas públicas tenham e cumpram uma função social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

            Com as conquistas incorporadas na Constituição Federal de 1988, houve um processo de reconhecimento e valorização da educação desenvolvida em espaços formais e não formais, no entanto, é importante destacar que o momento vivido pela educação do campo nega estas conquistas (FREIRE, 1987).

            Levando em conta o pensamento de Freire (1987, p. 21), em se tratando da educação no e do campo verifica-se uma situação muito difícil e que não é recente, pelo contrário, vem se arrastando ao longo dos tempos sem que haja uma ação efetiva do Estado para sua superação. O Estado estabelece políticas para satisfazer às exigências dos organismos internacionais, sendo que uma das diretrizes incide em garantir à população o acesso à educação, no entanto, na prática o que se vive é a remoção de direitos dos grupos sociais excluídos buscarem sua inclusão através da educação.

            É necessário que se frise, aqui, que os conflitos vividos podem e devem ser empregados pelos educadores do campo, pois, por meio da problematização, da inquietação indagadora, da busca por melhores condições, instiga o desejo de conhecer, de buscar esclarecimento, para superar assim, o pensamento ingênuo, alienado ou alienante.

Ao recorrer aos estudiosos da pedagogia freireana poderia afirmar com Damke (1995, p. 82) que “segundo a teoria freireana a problematização é inseparável do ato cognoscente e, como ele, inseparável das situações concretas”.

            E como diz Freire (1982, p. 20), diante disso, torna-se necessário o envolvimento e comprometimento com as causas populares, buscando alternativas e visualizando práticas libertadoras da exploração do capital. A educação tem um caráter dialético, que parte da ideia de que todo ser humano detém conhecimentos expressivos, sem importar idade, meio social, grau de escolaridade, posição político-econômica, ou outras diferenças reais.     

            Sendo assim, por meio de uma educação do campo baseada no pensamento de Paulo Freire, os sujeitos abrangidos estariam, através de sua luta, caminhando em busca de sua libertação, tendo como princípio o que afirma Freire (1987, p.31): que esta luta não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para comer, mas “liberdade para criar e construir, para admirar e aventurar-se”.

Entretanto, tal liberdade estabelece que o indivíduo seja ativo e que tenha responsabilidade, não escravo. Não é suficiente que os homens não sejam escravos; se as condições sociais promovem a existência de autômatos, o resultado não é o amor à vida, mas o amor à morte. E, sendo assim, os oprimidos que se formam no amor à morte, que distingue o clima da opressão, devem encontrar o caminho do amor à vida, que não está apenas no alimento, mas que implique também nele e dele não possa abstrair.

E deve-se concordar com Freire (1987) que tal libertação dar-se-á através de uma luta conjunta em que educadores e educação manterão vivo o sonho dos trabalhadores de um mundo mais justo e humanitário, onde o povo camponês tenha sua realidade encarada como alicerce de outro mundo possível.

REFERÊNCIAS

CALDART, Roseli. S. Escola é mais do que escola... Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis. R.J. Vozes, 2000.

DAMASCENO, Maria Nobre. A construção do saber social pelo camponês na sua prática produtiva e política.THERRIEN, Jacques; DAMASCENO, Maria Nobre (orgs.). Educação e Escola no Campo. São Paulo: Papirus, 1993, p. 53 - 74.

DAMKE, Ilda Righi. O processo do conhecimento na pedagogia da libertação: as idéias de Freire, Fiori e Dussel. Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

_________ Educação e mudança. 23. ed. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1979.

_________ Política e Educação. 4. ed. São Paulo, Cortez, 2000.

_________ A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1982.

LDB: 9394/96-BRASIL. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm consulta dia 12/10/2010.

SAVIANI, Dermeval. A Nova Lei da Educação: trajetórias, limites e perspectivas. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000. 3. ed. 246p.