Educação de Jovens e Adultos: um desafio, uma conquista.

Débora Goulart Veiga*

Formada em Pedagogia Anos Inicias e Ensino Médio-Furg e Atendente em uma escola infantil de Rio Grande

Resumo

O presente artigo foi elaborado a partir de análises e discussões realizadas no X Seminário Repensando a Prática Pedagógica, realizado no dia 07 de novembro de 2009, no Caic-FURG¹. Com o intuito de debater novas perspectivas da escola do século XXI, a Educação de Jovens e Adultos foi um dos temas levantados e com isso surgiu o interesse as pesquisas sobre o assunto que considero importante no âmbito nacional deste século. Através do cenário nacional observamos no decorrer da trajetória histórica das políticas educacionais várias expressões da Educação de Jovens e Adultos. Uma destas expressões é a Diversidade Cultural, a qual está ligada à realidade, significa apreender as contradições que muitas vezes é negada em função de políticas estrategicamente integradoras. A industrialização fez com que trabalhadores fossem à escola com o objetivo de informar e torná-los mais produtivos. Surgem então, vários movimentos incentivando uma nova Educação Popular que fosse capaz de formar cidadãos criadores do próprio mundo. Uma educação igualitária, sem preconceitos e, principalmente, um espaço aonde os saberes são construídos e reproduzidos coletivamente.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Diversidade Cultural. Humanização

Contextualização da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Apostar em uma educação de jovens e adultos como direito e, não como apenas um resgate de tempo já perdido, uma oportunidade que "não souberam aproveitar", é pensar em uma educação como um fenômeno humano, num processo de conquistas e elaborações sociais de significados.

A trajetória histórica da Educação de Jovens e Adultos nos faz observar esta intrínsica ligação da busca do tempo perdido, deixando de questionar os motivos reais destes sujeitos que foram excluídos da educação regular, ocultando questões essenciais como: o fracasso da escola básica; o sistema social que os obriga a ir para o mercado de trabalho (muitas vezes sem idade para isso); políticas públicas ineficazes e a desvalorização dos professores que atendem essa demanda.

Um marco importante na história da educação, principalmente na educação de adultos, é a revolução de 1930, que emerge com a industrialização e a aglomeração nas cidades, havendo a necessidade de qualificação da mão-de-obra passou a exigir dos trabalhadores a decifração do código escrito através de manuais de funcionamento do maquinário, ordens e outros textos de utilidade para a indústria. Nas empresas a comunicação oral passou a ser insuficiente, e a expansão industrial supunha que os meios de acesso à escrita fossem rapidamente "enxertados" nos indivíduos. O mundo industrial precisava de trabalhadores e cidadãos capazes de obter informação em textos e não produtores de conhecimentos. E esta passou também a ser a função da escola: formar o indivíduo letrado que interessava para o projeto capitalista de modernização do Brasil.

No rol de acontecimentos aparecem ações, como a criação do Serviço de Educação de Adultos, em 1947, surgindo Campanhas Nacionais de Alfabetização e, destinação de recursos Federais e Estaduais, a fim de criarem serviços de Educação de Adultos, inaugurando classes de Ensino Supletivo.

É no período, entre 1961 e 1964, que são multiplicados os programas de Alfabetização e a Educação Popular, orientados pelas idéias de Paulo Freire, que posteriormente foram interrompidos pelo golpe militar. Surge então o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) lançado pelo governo de caráter assistencialista e conservador, em vigor até a década de 80. O objetivo deste movimento, junto com a Lei 5692/71, era fazer dos jovens e dos adultos não escolarizados, trabalhadores qualificados, pelo uso da leitura, da escrita e do cálculo, conformando o novo conceito de alfabetizado. Conforme Jane Paiva:

" Havia que faze-los produtivos, capazes de, valorizadas suas potencialidades pela educação, tornarem-se um capital necessário e engajado no sistema capitalista. Para os que conseguiam vencer as barreiras de serem trabalhadores e estudantes em seu tempo não apropriado pelo capital, o modelo acenava com a "ascenção social" e atribuía, aos que não conseguiam, "a culpa" pelo próprio fracasso". (PAIVA,1997, p. 95)

A nova Constituição Federal de 1988 e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96) ampliou o direito e o acesso ao Ensino Fundamental para todos, independente da idade, exigindo a formação de um sujeito com pensamento autônomo e com capacidade crítica. Co isso, repensar uma nova concepção de ensino-aprendizagem para EJA passa a ser necessário e um desafio para nós educadores.

Desafios da Educação de Jovens e Adultos no Brasil: uma proposta possível ao trabalhar com a Diversidade Cultural

Diante do diagnóstico que se apresenta da educação de jovens e adultos no Brasil, muitos são os desafios que devem ser encarados, o que exige um tratamento de aspectos conceituais que sustentam modos de formular e compreender este quadro q, que mais do que isto, orientam políticas públicas de Estado.

Trabalhar com jovens e adultos é assumir uma prática pedagógica que oportunize o desenvolvimento de competências que permitam aos alunos avanços qualitativos, no uso de recursos para a resolução de problemas frente a novas situações. EJA é espaço de tensão e aprendizado em diferentes ambientes de vivências que contribuem para a formação de jovens e de adultos como sujeitos da história.

Os sujeitos não são iguais. A sensibilidade para com as diversidades culturais, humanas, sociais, de grupo e raça, de idade, de vivências, de memória. Paulo Freire, educador e representante de uma época onde surgiram vários movimentos sociais, acreditava em uma educação igualitária, com grandes ideais de emancipação humana e diversidade. De acordo com Ana Inês Souza:

"A Pedagogia do Oprimido é muito atual, trata da dramaticidade daquele e deste momento histórico; coloca o ser humano como centro na busca de seus direitos. Só tem sentido um projeto popular em função da busca dos direitos humanos, da radicalidade dos valores socialistas, de emancipação, da igualdade e diversidade." (SOUZA;2001; p.277)

A diversidade que constitui a sociedade brasileira abrange jeitos de ser, viver, pensar, que se enfrentam. Entre modos distintos de construir identidades sociais e étnico-raciais e cidadania, os sujeitos da diversidade tentam dialogar entre si, ou buscam negociar, a partirde suas diferenças, propostas políticas.

O sonho de conquistar melhores salários, a ameaça do desemprego, a necessidade de contribuir na formação dos filhos, a realização pessoal e a própria angústia existencial do ser inconformado, que busca novas respostas para os seus problemas, são questões que contribuem para o jovem e o adulto retornarem à escola. O ser humano tem sede de novas experiências.

No momento em que a Educação de Jovens e Adultos, afirma a igualdade de todos como sujeitos de direitos e com singularidades, faz com que a lógica capitalista, que incentiva a valorização diferenciada entre as pessoas, perca sua força no espaço sócio-educacional.

Potencializar a diversidade na educação pode contribuir para a transformação social e para a formulação de propostas educativas que ponham esses sujeitos de energia, imaginação e criatividade no centro, com seus desejos, necessidades e expectativas de educação – um dos meios imprescindíveis à humanização não só de suas vidas, como de toda a sociedade.

"Todo projeto educativo tem que ser um projeto de humanização. Isto implica reconhecer a desumanização, ainda que seja uma dolorosa constatação. Juntar os cacos de humanidade de tantos milhões de brasileiros triturados pela injustiça, fome, provocadas pela brutalidade do capitalismo. Buscar a viabilização da sua humanização no contexto real, concreto, do Brasil. Este é o desafio pedagógico do Projeto Popular: recuperar a humanidade roubada do povo".( ARROYO; 2001; p. 247)

Pensar em uma educação mais humana para os jovens e adultos é pensar em uma educação não conteudista, bancária e transmissiva. A idéia de transmissão de "conteúdos críticos" visa aplicar os conteúdos e lições às pessoas como se fossem depósitos em conta bancária, onde o povo é visto apenas como receptor. Contrário a esse pensamento, a educação deve ser interpretada como uma relação entre pessoas, uma relação entre gerações, onde o professor precisa enxergar o outro, respeitar o educando com as suas limitações e potencialidades. Uma prática educativa que aprende e troca cultura, saberes, diálogos, um encontro de seres se humanizando.

Conclusão

É através dos acontecimentos históricos, marcados pelas lutas sociais que a Educação de Jovens e Adultos passa a se formar, seja com limitações e até mesmo, com grandes conquistas. O direito de aprender, ampliar os conhecimentos oportunizando condições de aprendizagem significativa para o educando passa a reafirmar o direito fundamental da pessoa, de todo o cidadão. E como direito, a Educação de Jovens e Adultos é inquestionável e por isso deve estar disponível para todos, independente de classe social, cor, etnia, como prevê a Constituição Federal. Com isso, surge a necessidade de trabalhar com a diversidade, com as diferenças que constitui a sociedade brasileira. É ao trabalhar com a diversidade, que o diálogo passa a ser o ponto primordial para uma educação libertadora, pois só através dele que teremos um verdadeiro projeto educativo de caráter coletivo.

O ser humano só se educa em relação com outros seres humanos, daí a importância da educação dialógica. Paulo Freire foi o grande educador que apostou nesta concepção de educação, enfatizando não um "método" de ensino ou um conjunto de "técnicas", mas uma educação como um ato político. É preciso uma Educação Popular fundamentada na humanização e na busca da sociedade de nossos sonhos, onde a Educação de Jovens e Adultos seja de fato uma educação de qualidade. Sem pré-conceitos e que aposte no educando como cidadãos capazes de ir além do que o capitalismo os impõe.

Referência Bibliográfica:

ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens - Petrópolis,RJ: Vozes, 2000.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB n° 11/2000. Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, maio 2000.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. N° 9394/96. Brasília, 20 dez. 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. SP: Paz e Terra, 1993.

MÉSZAROS. István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2007.

PAIVA, Jane. Trabalho: A mão na massa. In: Programa um salto para o futuro. Série Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro: Fundação Roquette Pinto. 16 maio 1997.