EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ONTEM E HOJE

A educação de jovens e adultos é uma modalidade do ensino fundamental e médio, que visa dar oportunidade a jovens e adultos para iniciar e/ou continuar seus estudos. Ao longo da história da educação do país, a educação de jovens e adultos nunca foi reconhecida como um direito. Sofreu discriminação de vários segmentos sociais e instituições e percorreu caminhos tortuosos. De modo geral, tivemos campanhas emergenciais e assistencialistas organizadas em parceria com os estados, municípios e entidades privadas, utilização de organizações comunitárias, recursos insuficientes e salas formadas pelos famosos docentes voluntários.
As primeiras iniciativas sistemáticas com relação à educação básica de jovens e adultos se apresentam a partir do ano de 1930. Nesse sentido, é importante lembrar que a legislação surge em função das necessidades da Nação do ponto de vista político, bem como das demandas sociais evidenciadas nas reivindicatórias dos movimentos sociais populares. As experiências realizadas por Freire no ano de 1960 indicam uma valorização dos conhecimentos construídos fora da escola pelos jovens e adultos e a consideração destes como ponto de partida para novos conhecimentos. Nessas experiências havia uma preocupação com o repertório linguístico dos alunos, afirmando que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra..."(Freire,1989,p.11). Pois, o processo de alfabetização proposto por Freire partia do pressuposto de que toda pessoa, alfabetizada ou não, trazia conhecimentos nascidos das diferentes relações travadas por esta pessoa durante a sua vida. E assim, durante os primeiros anos da década de 60 que a Educação de Jovens e Adultos viveu ações mais importantes. As Diretrizes Curriculares Nacionais-DCN destacam ainda:

[...] estudantes e intelectuais atuam junto a grupos populares desenvolvendo e aplicando novas perspectivas de cultura e educação popular, criado em Recife em 1960 e dos centros de Cultura popular da União Nacional dos estudantes, a partir de 1961 (BRASIL, 2000, p. 66)

Vale salientar a significativa importância desse momento, pois o pensamento de Freire representou uma mudança com sua proposta de alfabetização voltada totalmente para uma visão social, comprometida com a formação da cidadania ? alunos cidadãos críticos e conscientes. Surge então o golpe militar de 1964, dando um ponto final nas campanhas e experiências em prol da educação de jovens e adultos.
Durante o ano de 1970, o regime militar criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, que perdurou por uma década e o ensino supletivo que tem duração até hoje. O Movimento Brasileiro de Alfabetização foi um projeto do governo brasileiro, criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sociedade. Criado e mantido pelo regime militar, durante anos, jovens e adultos frequentaram as aulas do MOBRAL, sem no entanto atingir um nível aceitável de alfabetização ou letramento. A recessão econômica iniciada nos anos oitenta inviabilizou a continuidade do MOBRAL, que demandava altos recursos para se manter. Seus Programas foram assim incorporados pela Fundação Educar.
Até meados de 1980 o Mobral cresceu muito, avançou e derrubou muitas barreiras do analfabetismo, mas, infelizmente, não atingiu os objetivos desejados, sendo considerado ineficiente para os graves problemas educacionais que o país enfrentava.
A Educação de Jovens e Adultos sempre foi deixada a margem na educação brasileira, ficando sempre com as sobras do ensino fundamental e médio. Mas como sabemos, não basta ofertar vagas, é necessário oportunizar outros suportes que garantam a qualidade de ensino, como a formação específica para docentes, implementação de pesquisas na área e ainda investimentos financeiros em materiais didáticos e recursos técnicos, que enriqueçam o processo de ensino-aprendizagem.
Com a instituição do Decreto nº 5.840\2006, começamos a ver uma luz no fim do túnel, pois o mesmo tem o propósito de qualificar a educação de jovens e adultos, estabelecendo que:

O PROEJA propõe um desafio pedagógico e gerencial em que se torna necessário a formação\qualificação de professores e gestores para atuar na implantação, implementação, monitoramento e avaliação do programa, bem como profissionais aptos a produzir e sistematizar conhecimentos em seus campos de abrangência. Em atendimento parcial a essa necessidade, a Setec, em colaboração com os Cefets e Universidades distribuídos nas regiões do país tem promovido anualmente cursos de Especialização Proeja (pós-graduação latu sensu).

Assim, o investimento na profissionalização dos alunos da EJA contribui de forma significativa para que eles permaneçam na escola e tenham maior oportunidade para ingresso no mercado de trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases - LDB nº 9.394/96 vem confirmar a aplicação da Constituição de 1988, que em seu art. 208, inciso I, "garante o acesso ao ensino fundamental gratuito, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria". Esse dispositivo constitucional determina, portanto, o dever do Estado de promover a educação de jovens e adultos.
Em 1996, a LDB estabelece que a educação de jovens e adultos deve atender aos interesses e às necessidades de indivíduos que já tinham uma determinada experiência de vida, participam do mundo do trabalho e dispõem, portanto, de uma formação bastante diferenciada das crianças e adolescentes aos quais se destina o ensino regular. É por isso que a educação de jovens e adultos é também compreendida como educação contínua e permanente.
Nesse sentido, a educação de jovens e adultos, pública e gratuita é um direito de todo jovem ou adulto pouco ou não escolarizado, sendo, portanto, um dever do poder público ofertá-la. No entanto, ela é também oferecida por Organizações não Governamentais (ONGs) e empresas e instituições da sociedade civil, sobretudo no que se refere aos cursos de alfabetização.
Quanto ao currículo, a LDB, em seu artigo 26, comenta que:

Os currículos da educação básica no ensino fundamental e médio compreendem uma base nacional comum, a ser adotada por todos os sistemas de ensino, e uma base diversificada que contemple as características regionais e locais, relativas à sociedade, à cultura, à economia e à clientela, referentes aos respectivos sistemas de ensino. (BRASIL, 1996).

Nesta acepção, o novo texto legal insere a EJA numa modalidade do ensino fundamental, garantindo-a como direito público e subjetivo. Entretanto, vemos alguns desafios na implementação de uma política séria, pois o Estado focaliza suas ações educativas, especialmente, no ensino médio, reduzindo sua presença nessa área. Já os municípios, a própria LDB, no art.11, inciso V, diz: "os municípios incumbir-se-ão de oferecer a educação infantil [...] e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as suas necessidades [...]".
Nessa perspectiva, podemos nos perguntar: com quem fica a responsabilidade de manter e oferecer a educação de jovens e adultos, uma vez que a União presta somente assistência técnica e financeira as diferentes instâncias do Poder Público e o Estado restringe basicamente suas ações no ensino médio e os municípios priorizam o ensino fundamental? A LDB da EJA (2000) comenta a questão: "[...] ao lado da presença intermitente do Estado estão presentes as parcerias de associações civis com os poderes públicos, iniciativas próprias que, voluntariamente, preenchem lacunas naquilo que é dever do Estado. Ou seja, o governo garante gratuitamente aos jovens e aos adultos oportunidades educacionais, visando qualidade de vida e de trabalho através de cursos e exames de acordo com as habilidades de cada um e estimulando a sua permanência na escola. Segundo o parecer nº. 11, de 10 de maio de 2000, do CNE, a educação de jovens e adultos possui três funções: reparadora, equalizadora e qualificadora.
A função reparadora refere-se não só à entrada dos jovens e adultos no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado, ou seja, o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento da igualdade de todo e qualquer ser humano quanto ao acesso a um bem real, social e importante. Quanto a função equalizadora relaciona-se à igualdade de oportunidades que possibilitarão aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e nos canais de participação.
E, por último, a função qualificadora é a função permanente e, mais que uma função, o próprio sentido da educação de jovens e adultos; refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares.
A história da educação de jovens e adultos no Brasil chega à década de 90 reclamando a consolidação de reformulações pedagógicas que, aliás, vêm se mostrando necessárias em todo o ensino fundamental.
Por fim, fazendo um paralelo com a realidade atual, vemos que a maioria dos programas do ensino de jovens e adultos atua em parceria com governos estaduais, municipais, empresas privadas e sociedade civil. Não há, portanto, uma política efetiva de financiamento do Estado direcionada a esta modalidade de ensino. Nas redes públicas de educação básica atua o Programa Brasil Alfabetizado; o Alfabetização Solidária; dentre outros, e todos em parceria com órgãos da sociedade civil e um único objetivo que é o de erradicar o analfabetismo no país.
Desse modo, a história da Educação de Jovens e Adultos tem apresentado variações ao longo do tempo, demonstrando serem estreitamente ligadas às transformações sociais, econômicas e políticas que caracterizam os diferentes momentos históricos do País. O direito à educação e o dever de educar, na LDB nº 9.394/96, traz além da reafirmação do texto constitucional, duas garantias para a Eja: "A oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando " e a " oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola". Assim, chegamos em pleno século XXI com um considerável número de analfabetos e que segundo dados do MEC (2000) no Brasil, há cerca de 14,6 milhões de cidadãos que não sabem ler e escrever algo inadmissível, diante de um contexto social em que novas competências são determinantes num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Um país sem analfabetos, evidentemente é um país muito melhor.

2.2 QUEM É O SUJEITO DA EJA?

Refletir sobre a importância de se conhecer os sujeitos da Eja, seu perfil, expectativas e vivências é fundamental para que as suas necessidades e especificidades sejam consideradas no movimento de construção de uma proposta pedagógica, ou seja, construir uma proposta que tenha a cara da Educação de Jovens e Adultos.
A Educação de Jovens e Adultos (Eja) é uma modalidade específica da Educação Básica que se propõe a atender um público ao qual foi negado o direito à educação, durante a infância e ou adolescência, seja pela oferta irregular de vagas, seja pelas inadequadas do sistema de ensino ou pelas condições socioeconômicas desfavoráveis.
Segundo Oliveira (1999, p.12):

O conceito de Eja muitas vezes confunde ? se com o Ensino Noturno. Trata-se de uma associação equivocada, uma vez que a Eja não se define pelo turno em que é oferecida, mas muito mais pelas características e especificidades dos sujeitos aos quais ela se destina. Várias iniciativas de educação de adultos em escolas ou outros espaços têm demonstrado a necessidade de ofertar essa modalidade para além do noturno, de forma a permitir a inclusão daqueles que só podem estudar durante o dia.

Para que se considere a Educação de Jovens e Adultos enquanto uma modalidade educativa no campo do direito, faz se necessário superar uma concepção dita compensatória, cujos principais fundamentos são a de recuperação de um tempo de escolaridade perdido no passado e a ideia de que o tempo apropriado para o aprendizado é a infância e adolescência. Nesta perspectiva, é preciso buscar uma concepção mais ampla das dimensões tempo / espaço de aprendizagem, a partir da qual professores e alunos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o social, considerando que a juventude e avida adulta são também tempos de aprendizagens.
Contemplando este saber, os artigos 1º e 2º da LDBEN de 1996 fundamenta essa concepção enfatizando a educação como direito que se afirma independentemente do limite de idade.

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,1996).

Assim, para que possamos estabelecer com clareza a parcela da população a ser atendida pela modalidade Eja, é fundamental refletir sobre o seu público, suas características e especificidades. Tal reflexão servirá de base para a elaboração de processos pedagógicos específicos para esse público. Segundo Oliveira (1999) a Educação de Jovens e Adultos refere-se não apenas a uma questão etária, mas, sobretudo de especificidade cultural, ou seja, embora se defina um recorte cronológico, os jovens e adultos aos quais dirigem-se as ações educativas deste campo educacional não são quaisquer jovens e adultos, mas uma determinada parcela da população.

O adulto, para a Eja, não é o estudante universitário, o profissional qualificado que frequenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo... E o jovem, relativamente recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extracurriculares em busca de enriquecimento pessoal. Não é também o adolescente no sentido naturalizado de pertinência a uma etapa bio ? psicológica da vida (OLIVEIRA, 1999, p.1).

Desse modo, os sujeitos da Eja são homens e mulheres, trabalhadores (as) e desempregados (as) ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. Vivem no mundo urbano, industrializado, burocratizado e escolarizado, em geral trabalhando em ocupações não qualificadas. Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres temporais. São ainda, excluídos do sistema de ensino, e apresentam em geral um tempo maior de escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na vida escolar.
Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por falta de escolas. Jovens e adultos que, quando retornam à escola, o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem (PARECER/CME).
Nesse entendimento, considerar a heterogeneidade desse público, quais seus interesses, suas preocupações, necessidades, expectativas em relação à escola, suas habilidades, enfim, suas vivências, torna-se de suma importância para a construção de uma proposta pedagógica que considere suas especificidades. É fundamental perceber quem é esse sujeito com o qual lidamos para que os conteúdos a serem trabalhados façam sentido, tenham significado, sejam elementos concretos na intervenção significativa de sua formação e realidade.
Vale salientar que é essencial garantir o registro de todo o processo, afinal, todo esse universo de informações vai constituir o perfil dos alunos, seus conhecimentos prévios, suas expectativas, tornando-se um dos materiais fundamentais para que a equipe de professores possa planejar suas ações de forma mais significativa.
Contudo, o que precisamos evidenciar é que, garantir o acesso e a permanência dos alunos trabalhadores na escola requer investimentos por parte do poder público, tanto nos processos de formação docente, quanto aos que se referem aos aspectos materiais e físicos das instituições escolares. Outro fator a ser considerado é que, a exclusão de uma grande parcela da população do acesso e permanência nas instituições escolares extrapola as competências das unidades educativas, decorrendo das condições sociais e econômicas em que estes sujeitos encontram-se inseridos.
Para Pinto (1993, p.80):

A falta de educação formal não é sentida pelo trabalhador adulto como uma deficiência aniquiladora, quando a outra educação, a que é recebida por sua participação na realidade social, mediante o trabalho, proporciona os fundamentos para participação política, a atuação do indivíduo em seu meio. E a prova é que estes são indivíduos que exercem importante papel como representantes da consciência comum em sua sociedade, chegando até serem líderes de movimentos sociais.


É na escola que o sujeito, ao interagir com os conhecimentos das diferentes áreas, aprende a se relacionar com o conhecimento que para ele é novo, a refletir com e sobre a organização desse saber em um sistema conceitual, instrumentalizando-o para o modo intelectual típico da sociedade letrada. Desse modo, a escola contribui também, para a construção de uma identidade própria e valorização da Educação de Jovens e Adultos como um espaço de direito do sujeito. Diante disso, a Educação de Jovens e Adultos não pode ser vista como um esforço, mas sim, um despertar nestes, a consciência da necessidade de instruir-se e de alfabetizar-se, despertando a criticidade de que ele faz parte da sociedade e deve compreender o mundo em que vive. Na verdade, o perfil do aluno, entre sua formação social e seu desempenho escolar, é delineado, geralmente, pelos momentos de conflitos na interação com o professor.