Educação, corporeidade e ética: tríade para se falar sobre formação docente

 

 

                                            Claudia Flores Rodrigues

 

Os amorosos brigam, reconciliam-se, imploram,agradecem, marcam encontros com olhares: o próprio silêncio tem sua linguagem (...). E não nos exprimimos com as mãos? Pedimos, prometemos, chamamos, despedimo-nos, ameaçamos, suplicamos, rezamos, negamos, interrogamos, admiramos, recusamos, contamos, confessamos, manifestamos nosso arrependimento, nossos temores, nossa vergonha, nossas dúvidas (...). E que mais não externamos, unicamente com as mãos, cuja variedade de movimentos nada fica a dever às inflexões da voz? (...) Não há gesto ou movimento em nós que não fale, de uma maneira inteligível que não é ensinada e que todos entendem. (Montaigne, 1972, p. 215)

 

O movimento humano é um modo de expressão da própria cultura que se constitui em patrimônio de um grupo social, manifesto de suas formas de ver e entender o mundo. Isto  posto, o presente estudo propõe apresentar e compreender  a presença do corpo na educação, evidenciando sua negação nos processos escolares. Importa lembrar que educação pressupõe uma dimensão do humano que se constitui na escola, espaço formador que deve afirmar e incluir o corpo em seu  processo educativo mediante uma ética e uma estética da corporeidade através de um currículo que contemple a visão cognitiva e histórica que envolve as emoções, representações e vivências como elementos vitais.

Para apresentar o conceito de corpo próprio, aquele que ultrapassa o corpo-objeto, encontro aporte em Merleau-Ponty e Maturana. Sobre a dimensão ética da existência, o pensamento de Dussel fundamenta os conceitos de material e concreto e  portanto, corporais da emancipação. Para pontuar a necessidade do estudo dos clássicos e para que se pense na atualidade, Ítalo Calvino contribui com subsídios para que se  fale na importância de definir este tipo de leitura- a dos clássicos, como forma de apropriar-se do conhecimento. Finalmente e apoiada em tais pesquisadores,na História Universal e na Mitologia grega, pretendo, através deste trabalho, explicitar e suscitar um diálogo aberto e franco a respeito da corporeidade e da ética na educação no século XXI.

 

 Palavras-chave: Educação, corporeidade e ética.

 

 

 

Introdução

 

 

Penso (e posso estar enganada) que poucos alunos da graduação em Educação Física ou da Pedagogia  tenham tido em seu currículo, aulas sobre os Clássicos da História Universal ou sobre ética e estética. Meu pretenso contributo com aqueles que se interessam pelo tema, está no que exponho a seguir, pois compreende aquilo que podemos chamar de “ um início de diálogo.”

 

Os clássicos de Ítalo Calvino

 

 

O autor, em suas  quatorze definições de “clássico”, apresenta a definição: “ É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.”( Calvino, 1993, p. 15). Ao explicitar  sua resposta em relação ao título “ Porque ler os clássicos”, o autor dá sentido ao argumento de que os clássicos servem para nos dar sentido e entender sobre quem somos.Busquei em fragmentos escolhidos de forma aleatória, trazer Homero, Platão e Aristófanes, como forma controversa- ou não –de (re) descobrir em outro modo de vida, em outro tempo e espaço, elementos para se pensar a respeito de nossos valores e das nossas propriedades de vida. Importa deixar claro que não pretendo esgotar ou adentrar, com este texto, em terreno da filosofia, da história ou da sociologia de forma densa. Pretendo expor aquilo que tenho observado e instigar o leitor a pensar sobre o corpo  ( o seu) e o corpo de que fala a própria história para que se construa espaços mais plurais e éticos na Educação.Parafraseando Calvino, esta proposição é como um livro clássico que “ nunca terminou  de dizer aquilo que tinha para dizer” ( Calvino, 1993. p.11).

Os gregos nos remetem a uma idéia de homem e de corpo. Pouco sabemos ( ou não falamos) se na atualidade, o povo grego habita cidades poluídas, com edifícios e todo o arsenal que vem juntamente com o progresso das tecnologias que possibilitam conforto para alguns e acumulam dificuldades para outros. Hoje em dia, a Grécia é pedra, é pedaço de algo que existiu. Isso significa, paralelamente, que os cuidados e atenção com o corpo, foram ou não se adaptando a essas mudanças de valores. Na Grécia antiga, para Aristóletes, diversamente de Platão todo ser vivo possuía uma só alma, ainda que houvesse nele funções diversas, faculdades diversas e, consequentemente,  atos diversos. E assim, para Aristóteles, contrario à idéia de Platão, o corpo humano não é obstáculo, mas instrumento da alma racional.Para ele, o homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos diversos.

As faculdades fundamentais do espírito humano, para o grego Aristóteles,  são: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo. O conhecimento sensível, a sensação,  pressupões um fato físico; a ação do objeto sensível sobre o órgão que sente, imediata ou à distância, através do movimento de um meio. Mas o fato físico transforma-se num fato psíquico, isto é, na sensação propriamente dita, em virtude da específica faculdade e atividade sensitivas da alma. O sentido recebe as qualidades materiais sem a matéria delas, como a cera recebe a impressão do selo sem a sua matéria. A sensação embora limitada é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao próprio objeto; a falsidade, ou a possibilidade da falsidade, começa com a síntese, com o juízo. O sensível próprio é percebido por um só sentido, isto é, as sensações específicas são percebidas, respectivamente, pelos vários sentidos; o sensível comum, as qualidades gerais das coisas tamanho, figura, repouso, movimento, etc. são percebidas por mais sentidos. O senso comum é uma faculdade interna, tendo a função de coordenar, unificar as várias sensações isoladas, que a ele confluem, e se tornam, por isso, representações, percepções.

O conhecimento sensível tem acima de si o conhecimento inteligível, especificamente diverso do primeiro. Aristóteles aceita a essencial distinção platônica entre sensação e pensamento, ainda que rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa, sem idéias inatas. O objeto do intelecto é o universal, o necessário, o imutável, o imaterial, as essências, as formas das coisas e os princípios primeiros do ser, o ser absoluto.

Por conseqüência, a alma humana, conhecendo o imaterial, deve ser espiritual e, quanto a isso, deve ser imperecível.Analogamente às atividades teoréticas, duas são as atividades práticas da alma: apetite e vontade. O apetite é a tendência guiada pelo conhecimento sensível, e é próprio da alma animal. Essa voracidade, essa fome  é concebida precisamente como sendo um movimento finalista, dependente do sentimento, que, por sua vez depende do conhecimento sensível. A vontade é o impulso, o apetite guiado pela razão, e é própria da alma racional. Em Aristóteles, a atividade fundamental da alma é teorética, cognoscitiva, e dessa depende a prática, ativa, no grau sensível bem como no grau inteligível.

 

Do mito da Caverna às sombras ( as nossas)

 

 

No mito da caverna Platão preconizava que somos prisioneiros numa caverna, que vemos apenas as sombras dos objetos reais e quando  um desses homens se liberta das correntes que o prendem a sai da caverna rumo ao seu exterior pode então contemplar os objetos que estão lá, fora da “caverna”.A implicação mais imediata do mito é a que identifica o pensamento de Platão, porque  ele afirmava que existiam duas realidades: a em que vivemos que não passa de uma sombra da realidade verdadeira, e a realidade verdadeira em que existem os objetos IDEAIS; existe um ideal de mesa,um ideal de cavalo, um ideal de bola, e no nosso mundo os objetos são apenas sombras malfeitas desses objetos. Cabe a nós, através da razão nos libertarmos da corrente e chegarmos ao mundo ideal de Platão, saindo da caverna .


A esta altura do texto, me pergunto, enquanto mulher e educadora: Quais são os ideiais que buscamos? Que tipo de educação, que “corpo” têm as nossas falas? Em que consiste uma educação em que a idéia de corpo material perpassa a idéia de corpo imaterial? Isto posto,  me deparo com outras outras implicações: estaríamos acorrentados pelo sistema, presos vendo somente uma parte das verdadeiras coisas,em um limite que exclui nossa capacidade reflexiva e do uso da nossa razão plena? Nossos sentidos são o que nos prendem enquanto limitados pelas nossas impossibilidades. 

Em Platão os sentidos são limitações e empecilhos ao uso da nossa razão, e o corpo seria a prisão dos sentidos. Metaforicamente, penso que enquanto não refletirmos sobre tais questões, nos  tornaremos um corpo inerte e acorrentado. Precisamos urgentemente questionar a nossa noção de realidade: o que sabemos? o que é real? até onde vai nossa ignorância, nossas limitações?

 

 

 

 

 

 

 

O que é o corpo?

 

 

Dentro perspectiva das nossas tradições dominantes, o conceito de corpo foi tomado em oposição ao conceito de mente. É definido com âmbito do que é biologicamente dado. É o material, o imantente.  Se pode dizer também que desde o século XVII tem sido contextualizado como aquilo que estabelece fronteiras entre o ser interior e o mundo exterior. Susan Bordo em um ensaio sobre Foucalt, constitui uma investigação do papel do corpo, tanto como texto cultural quanto local de controle social prático, na reprodução da feminilidade Através da interpretação cultural da histeria, da anorexia, da agorafobia, a autora defende a necessidade de reconstruir um discurso para que se explique sobre “ os caminhos insidiosos e paradoxais do moderno controle social.”

 A propósito da autora, é necessário trazer à tona discussões sobre a incompletude da teoria ética tradicional para que se possa estar de acordo com os próprios critérios de discurso moral.  A teoria moral clássica precisa dar uma volta e ir para o lado “esquerdo do campo”.Com isso, é imperioso que se discuta conceitos fundamentais e éticos daquilo que entendemos por  transvaloraçao. Nietzsche falou de uma transvaloração de todos os valores, apresentando uma alternativa, criando novas referências de valor para um mundo frente a uma crise cultural. Não estaríamos fazendo nada de novo, apenas rememorando aquilo que já foi sugerido e mal interpretado através dos anos. Nietzsche foi incompreendido na sua tentativa de clarificar a escuridão da caverna.

 

 

Não penso que o legado feminista tenha em mim uma adepta. Prefiro transitar por entre as falas de autoras feministas e femininas e pensar sobre o mundo da forma como eu mesma o percebo. Porém, da própria Beavoir- a primeira filósofa a desafiar a noção de que há uma “condição humana que todos compartilham”- até as críticas feministas da contemporaneidade, se fala  do desafio de conviver com o ser humano moderno em sua universalidade, neutralidade ou unidade.O homem enquanto ser corpóreo não pode ser imaginado como detentor de uma visão elevada e onipotente.É preciso (querer) abrir um amplo questionamento acerca do que é o corpo-homem- mulher.  As questões de gênero e sexo devem -e podem-  ganhar espaço  em todas as disciplinas do currículo a partir dos paradigmas estabelecidos a respeito da verdade e do método ( que impuseram padrões de raciocínio filosófico e ético, de rigor científico, literário e artístico). Atualmente, quais elementos da experiência humana são enfatizados nas falas sobre o corpo e quais elementos são negligenciados? Por vezes, na tentativa de trazer à tona questões vitais para se falar em corpo, se esbarra na incomunicabilidade entre o que é dito e o que é vivido.

Baseada nesta perspectiva, se percebe a proposta de fenomenologia encaminhada a partir de Merleau-Ponty, autor com forte influência naturalista e que tem proporcionado boas descrições acerca da percepção.  Tal conjunto conceitual pode ser utilizado como fundamento para o estudo do corpo, assim, para este atuor, o corpo tem papel fundamental para a recolocação das noções de sujeito e objeto. Para ele o corpo é o próprio espaço expressivo e é pela experiência do corpo no mundo que se alcança o mundo. Ao se deter sobre o mundo percebido, é possível que o consideremos  não como um mundo objetivo, existente independente de um percebedor, nem como um mundo construído dentro de nós como representação de um mundo objetivo fora de nós, mas como um mundo vivido, experimentado naquilo que para o autor pode ser interpretado  pela experiência perceptiva me afundo na espessura do mundo (Merleau-Ponty, 1999, p.275). Ao se estar, então "afundado" no mundo, não há necessidade  copiá-lo dentro de nós. A partir deste pensamento, são  duas as observações que me possibilitam  fazer referência à fenomenologia pontyana. A primeira diz respeito à superação do dualismo interno/externo na descrição do sujeito:Marleau-Ponty aponta para a necessidade de focar o estudo da percepção na própria experiência perceptiva e não em supostas causas ou conseqüências. Em outras palavras, a orientação dualista direciona o estudo das atividades perceptivas como se fossem conseqüências ou causas das atividades neuronais (que seriam as próprias representações mentais) e a fenomenologia aponta para a necessidade de se focalizar a experiência de um corpo agindo em um mundo. A segunda observação se refere a um encaminhamento que se distancia de uma fenomenologia idealista ou fenomenista. O autor aponta um caminho, posteriormente conhecido por Maturana e Varela. Entendendo o mundo, as coisas, como correlativos de meu corpo, Merleau-Ponty (1999, p. 492) afirma que a coisa nunca pode ser separada de alguém que a perceba, nunca pode ser efetivamente em si, porque suas articulações são as mesmas de nossa existência. Dessa forma, ele nos indica que o mundo fora de nós, o outro, só pode ser descoberto na experiência do eu: “a experiência que faço de minha conquista do mundo é que me torna capaz de reconhecer uma  outra e de perceber um outro eu mesmo, bastando que, no interior de meu mundo, se esboce um gesto semelhante ao meu” (Merleau-Ponty, 2002, p. 171). Com tais pressupostos não há como argumentar em favor da percepção e da significação que ocorre na percepção, como re-elaboração construída por um sujeito que opera interpretando um mundo que lhe é estranho e externo, mas se esboça uma perspectiva para entender a percepção como certa maneira de agir no mundo, ou maneira maneira de ser no mundo. Então,  não se pode negar a existência real de um mundo que não sou eu, ainda que este só seja alcançado na experiência. Outro autor bastante importante para a pesquisa sobre cognição e percepção é  Humberto Maturana (1995), que colabora com este assunto através de  uma passagem muito instrutiva. Nela o autor amplia a noção de percepção ao sair da perspectiva do per-capere (literalmente: obtido por captação) e entende percepção como configuração condutual, consensual entre um organismo e elementos do mundo a que este se encontra acoplado estruturalmente. Nas palavras de Maturana,( pg. 103, 1995):O mundo cognitivo que vivemos, através da percepção, se assemelha a isso: produzimos um mundo de distinções através de mudanças de estados que experimentamos enquanto conservamos nosso acoplamento estrutural com os diferentes meios nos quais estamos imersos ao longo de nossas vidas, e, então, usando nossas mudanças de estado como distinções recorrentes em um domínio de  coordenações de condutas consensuais (linguagem), produzimos um mundo de objetos como coordenações de ações com as quais descrevemos nossas coordenações de ações. (MATURANA, 1995, p.103).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O corpo ( sempre) fala

 

É indigno de um homem bem educado descobrir, sem
necessidade, as partes do corpo que o pudor natural leva
a esconder. Quando a necessidade nos força a fazê-lo,
devemos dar mostras de um recente recato – ainda que
ninguém nos observe (...). O passo não deve ser nem
demasiado lento nem demasiado apressado. O primeiro é
próprio de um insolente, e o segundo de um descabelado.
Há que evitar também o balanceamento, porque não há
nada mais desagradável do que essa claudicação (...).
Brincar com os pés, quando se está sentado, é próprio de
um tolo; gesticular com as mãos é sintoma de uma razão
que não se encontra intacta.

(Erasmo de Roterdã)

 

 

 É necessário ao observar , ver o que acontece  nas salas de aula ou mesmo nos banheiros da escola, nos corredores, nos recreios, nas portas por onde entram e saem alunos e alunas. Na verdade, os corpos dão pistas nem sempre lidas por desatenção ou falta de informação.

A discussão sobre corpo e corporeidade busca ser aceita e discutida como uma realidade não apenas biológica, mas como construção cultural, histórica e para além de dualismos corpo/alma/corpo/mente. O corpo é portador de temporalidades e territórios  identitários bem definido por Veiga Neto (2202, p.36) como símbolo cultural que funciona para diferenciar, agrupar, classificar, ordenar e inscrever-se fundamentalmente nele, o corpo.Baseada na literatura, que considera o corpo numa dimensão de totalidade e integralidade, é da contribuição de Merleau Ponty (1999), a noção de que o corpo é o lugar em que se fundem as noções de sujeito e objeto.  Isto posto, o corpo não é coisa, nem idéia, mas sensibilidade e expressão criadora.É por este viés que se pode fazer referência ao correlato corporeidade, que se funda em uma perspectiva não-mecanicista, que concebe o corpo como movimento. Assim, se pode dizer que para Merleau Ponty, o corpo está associado à motricidade, percepção, sexualidade, linguagem, mito,à experiência vivida, à poesia do sensível como fenômeno complexo.A corporeidade se relaciona aos aspectos integrais do corpo, na sua proporção totalizante.Isso quer dizer que corpo e corporeidade não são questões oponentes, mas  que se fundem dependendo da referência que se toma. Neste trabalho chamo atenção à noção de corpo e corporeidade dos próprios docentes.em suas interações em sala de aula. Estamos constantemente condicionados por questões externas, que dizem respeito à produtividade, não apenas no que diz respeito ao exercício da docência, mas em termos de atributos e requisitos corporais esperados e experimentados nas relações interpessoais com alunos e colegas. Existem pesquisas sobre a vida dos professores que me ajudam a pensar sobre esses aspectos.Para Nóvoa (1992, p.9), Não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e de ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da relação humana. Em outras palavras, quando se considera o corpo como movimento, sensibilidade e expressão criadora, como auto-expressão, é inevitável percebê-lo nos diferentes contextos da vida humana, em todos os espaços, dentro e fora da escola.

   O(a) professor (a) está inserido no contexto sócio-cultural no qual são incorporadas suas trajetórias de vida, seus valores, suas crenças e podem ressignificar sua experiência vivida numa visão dualística( corpo/mente/corpo/alma). Dessa visão relacional, o docente passa a considerado como um ser de sociabilidade e cultura e, como atores sociais, passam a experienciar em outros contextos (não apenas na escola), maneiras de se relacionarem consigo em com os outros.Para deixar mais claro que acabo de dizer, me apoio em Teixeira (1998) para elucidar o que significa o sujeito  sociocultural. O autor analisa certas dimensões que  se constituem como referencia importante. São elas: a) corporeidade b) configuração  histórica que o qualifica como ser em constante evolução  c) a linguagem como importante atributo para os processos de comunicação e relações intersubjetivas d) possibilidade de participação em múltiplos espaços sociais e) capacidade de se constituir como sujeito ético f) condição de sujeito de ação e de direitos no mundo moderno.Ainda, para a mesma autora, em se tratando de sujeito sociocultural, há aspectos que singularizam o docente e tem origem em três fatores:na relação professor/a/aluno/a; na instituição escolar com seus desdobramentos sobre a condição docente e, finalmente, na especificidade da experiência do tempo na vida do/a docente.

 

 

 

 

O espaço da/na sala de aula

 

No espaço da sala de aula são estabelecidos pelas partes ( docente e discente),relações de troca que se efetivam em consensos operacionais, no dizer de Goffman (2002) e embora seja permeada por conflitos, tensões, incertezas existe também momentos de alegria e de partilha Cada uma das partes adquire diferentes perspectivas ou partilha mútua, dependendo da situação, associadas a diferenças de gênero, de idade, de etnia, de origem e pertencimento de classes, de religiosidade entre outras.

Quanto à percepção do próprio corpo no exercício da docência, muito se percebe que por suas histórias, suas condições de trabalho e formação –para citar algumas das razões-, como se fossem apenas mente, descorporificados, como se pode evidenciar em frases do tipo: “ não uso meu corpo para aparecer em sala de aula, então pouco me importa o que visto ou não . Preciso dar aula e nada mais.

Para Goffman, somos atores sociais. A vida é vivida em um palco em que é necessário construir estratégias para implementar uma série de ações e atitudes além de determinar o tipo de impressão que os sujeitos da interlocução devem ter de nós, docentes/atores, quando estamos atuando.E os interlocutores, por sua vez também criam uma série de estratégias para serem percebidos pelo docente/ator.Assim, existe uma reciprocidade de percepções e expectativas criadas por ambos em seus encontros.Ainda em Goffman, qualquer estabelecimento social pode ser estudado proveitosamente do ponto de vista da manipulação da impressão. Este autor se vale da dramaturgia para explicar por analogia o conceito de equipe e o significado da platéia ( do olhar do outro) nas representações. Alem disso, existe uma linha de conduta do grupo que deverá ser mantida mediante regras de polidez e decoro ( uma espécie de código, de estatuto, de ética).

 

 

O reflexo da intersubjetividade

 

A proposição cartesiana do cogito me cogitare, alcançada por John Locke como validação mundial,  apresenta no primado do conhecimento o fundamento inabalável cuja consistência resiste a todas as dúvidas. É a partir deste ponto  que o conceito de subjetividade se desenvolveu. Porém, Kant levou tal conceito à vitória ao defendê-lo como função da subjetividade na síntese transcendental, como condição sine qua non para aclarar as nossas representações e lhes emprestar unidade. Kanta garantia que assim como na natureza os estados e processos alternantes acontecem junto ao que parece inalterável de forma  que a mudança das representações também ocorre em razão de seu eu permanente. Desse modo se dá a passagem da substância para o sujeito.

Na análise de Gadamer(.....pg.13): com isso a estrutura da reflexividade  conquista o centro da filosofia. Na formação vocabular, reflexão e reflexibilidade são expressões advindas do latim reflexio, nascido a partir da ótica e do reflexo. O termo latino só pode ser reconhecido e desenvolvido depois do surgimento da escolástica. Antes disso, representava apenas o caráter distintivo da luz, ou seja, o fato de somente aquilo que se encontra sob a luz poder tornar visível a própria luz. Tal característica pode ser tomada como decisiva da auto-referencialidade e da mesmidade enquanto movimento à vida  e como tal, se constitui naquilo que pode ser dito como conceito de alma. Para os gregos, a psyche.

Em Gadamer ( pg.11), o conceito de subjetividade é anterior à intersubjetividade.Para o autor, a intersubjetividade só se torna compreensível se for esclarecido após se dizer sobre o que é subjetividade e sujeito. A própria palavra latina subjectum, usada para significar subjetividade, tem relação estreita com o sujeito, sua auto-relação, reflexidade e egoidade. O  mesmo autor explica (pg. 13), que no âmbito ontológico da metafísica, Aristóteles viu-se obrigado a reconduzir  o universo enquanto uma ordem do movimento do todo a um ser supremo que se distingue pela auto-referência. Por meio do método da ciência moderna, o primado da relação da autoconsciência em relação à consciência da coisa é por assim dizer, a certeza ante a verdade. Nas palavras de Gadamer, diferentemente do conceito clássico de método, pois este é compreendido desde Descartes como caminho de autocertificação e apesar da pluralidade de métodos, o médodo é apenas um. Na construção sistemática do idealismo alemão, os sucessores de Kant conduziram a fundamentação de todo o saver ao primeiro princípio supremo da autoconsciência. Seu trabalho foi preencher com conteúdo o concito formal de auto-consciência . A fenomenologia de Hegel reside na experiência histórica do conceito de idealismo e explica, o conceito de autoconsciência a partir do conceito da dialética. Nitzsche atacou aquilo que ele mesmo entendeu como  principio idealista da autoconsciência, dizendo que era preciso duvidar de maineira mais fundamental,referindo-se à Descartes. E muito contribui para este trabalho a citação de Nietzsche lembrada por Gadmer ( p.14): “ Não conheço nenhum fenômeno moral. Só conheço uma interpretação moral dos fenômenos.” Com isso, o termo interpretação possui um poder filológico, categoria fundamental da filosofia moderna.

Cabe lembrar, a esta altura do texto, que não pretendo adentrar pelo campo da filosofia, da sociologia ou da psicologia com a propriedade de uma pesquisadora de tais áreas. Porém, pretendo transitar por entre elas e abastecer meus pensamentos a partir das suas idéias. Acredito que enquanto pesquisadora, me torno filósofa ao fazer o uso do pensamento para encontrar meios de pensar sobre o sujeito e sobre o seu entorno. Me preocupa a relação entre docência e corporeidade na aceitação ou entendimento do próprio corpo, da própria essência.Husserl suscita discutir sobre os elementos no fenômeno da percepção e os denominou hileticos ( do grego hylé:matéria). Heidegger reelaborou o que Husserl havia dito e mostrou que sua suposta dação seria alcançada através da experiência de ser grega. Ele descobriu nesse conceito de autoconsciência o efeito da ontologia grega e retirou daí o conceito e função basilar para a validade do conceito de autoconsciência e de sua função para o idealismo transcedental. (corrente filosófica que emergiu com ao advento da modernidade, uma vez que a posição central da subjetividade é fundamental. Seu oposto é o materialismo).

 

Idealismo e materialismo

Na filosofia idealista, o postulado básico é que Eu sou Eu, no sentido de que o Eu é objeto para mim (Eu). Ou seja, a velha oposição entre sujeito e objeto se revela no idealismo como incidente no interior do próprio eu, uma vez que o próprio Eu é o objecto para o sujeito (Eu). "O idealismo tem elementos em comum com o preconceito, ou seja, sempre pensar no ideal. Mas na sociedade humana não deveria existir 'o ideal', pois todos nós somos diferentes e isso faz a evolução da sociedade ser maior. O ideal, então, é a mistura das diferenças", segundo Rodrigo Silva Ferreira. s.m. (1833 RevPhil 62).Então, como falar sobre corporeidade, educaçao e ética frente a um discurso que clama por iguais?

É imperioso postar aqui o pensamento de alguns filósofos para aclarar a idéia sobre idealismo.

Idealismo absoluto: Doutrina idealista inerente ao hegelianismo, caracterizada pela suposição de que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual, sendo a compreensão materialística ou sensível dos objetos um estágio pouco evoluído e superável no paulatino desenvolvimento cognitivo da subjectividade humana.


Idealismo dogmático: Idealismo, especialmente o berkelianismo, que se caracteriza por negar a existência dos objetos exteriores à subjetividade humana [Termo cunhado pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) para designar uma orientação idealista com a qual não concorda.]. Seu oposto seria o idealismo transcendental.


Idealismo imaterialista: Idealismo defendido por Berkeley (1685-1753) que, partindo de uma perspectiva empirista, na qual a realidade se confunde com aquilo que dela se percebe, conclui que os objetos materiais reduzem-se a idéias na mente de Deus e dos seres humanos; berkelianismo, imaterialismo.


Idealismo transcendental (também chamado formal ou crítico): Doutrina kantiana, segundo a qual os fenômenos da realidade objectiva, por serem incapazes de se mostrar aos homens exactamente tais como são, não aparecem como coisas-em-si, mas como representações subjetivadas e construídas pelas faculdades da cognição humana. Seu oposto seria o idealismo dogmático. No sentido gnosiológico, tal como ocorre  no kantismo, teoria que considera o sentido e a inteligibilidade de um objeto de conhecimento dependente do sujeito que o compreende, o que torna a realidade cognoscível heterônoma, carente de auto-suficiência, e necessariamente redutível aos termos ou formas ideais que caracterizam a subjetividade humanaNo âmbito prático, cujo exemplo mais notório é o da ética kantiana, doutrina que supõe o caráter fundamental dos ideais de conduta como guias da ação humana, a despeito de uma possível ausência de exeqüibilidade integral ou verificabilidade empírica em tais prescrições morais.


Isto posto, cabe dizer que toda  teoria filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser discutida plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjetiva. Seus opostos, representados pelo realismo e materialismo.No sentido ontológico, a doutrina filosófica, cujo exemplo mais conhecido é o platonismo, (na qual a realidade apresenta uma natureza essencialmente espiritual, sendo a matéria uma manifestação ilusória, aparente, incompleta, ou mera imitação imperfeita de uma matriz original ) esta doutrina é constituída de formas ideais inteligíveis e intangíveis.No âmbito prático, o exemplo mais notório é o da ética kantiana, doutrina que supõe o caráter fundamental dos ideais de conduta como guias da ação humana.
Com base nesta teoria a tendencia é  idealizar a realidade ou  se deixar-guiar mais por ideais do que por considerações práticas. Nesse sentido, a educação tem esbarrado em diálogos vazios a respeito da corporeidade docente, discutida- ou não- à luz da ética.Então, como falar sobre tais questões que perpassam os muros das escolas? Como abordar a questao da autoconsciencia e da auto-gerencia se nao abordamos atitudinalmente a questao do corpo do/a professor/a? Como exigir que estes falem sobre sexo e  gênero quando eles mesmos desconhecem a sua (própria) corporeidade?

ARIÈS, P. Prefácio. In: ERASMO, DE ROTERDÃ. A civilidade pueril. Lisboa: Estampa, 1978.

Bordo, Susan –A feminista como o outro-( The feminist as other). Revista Estudos Feministas ano: 2000 wwwcfh.ufsc.br Acessado em : 15 de maio de 2009.

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