Introdução

Em meados da década de 50 e especialmente na década de 60 marcam um período de grande transformação nas relações sociais, culturais, políticas, econômicas e especialmente ambientais na Amazônia, baseado no discurso desenvolvimentista, que caracterizava o Brasil como um país localizado no leque de países subdesenvolvidos, processos de exploração foram institucionalizados de modo a atrair o grande capital sem muitas preocupações com os problemas socioambientais que daí poderia resultar.
Nesse sentido teorias econômicas como as preconizadas por Gunnar Myrdal foram amplamente aceitas e desencadearam no seio da classe política dirigente e empresarial a corrida pelo desenvolvimento, entendido como dinâmico, haja vista que o subdesenvolvimento era nada mais que uma etapa para o desenvolvimento.
Para tanto a exploração dos recursos naturais deveria ser pautada sob o ponto de vista do Estado Nacional, de modo que populações tradicionais e o próprio povo estavam de fora do processo de desenvolvimento, cabendo apenas ao Estado atrelado ao grande capital decidir sobre os rumos que deveriam ser tomados de modo a satisfazer os interesses capitalistas e alcançar o tão almejado "desenvolvimento".
Assim a Amazônia sentiu os impactos desastrosos desse processo, os quais tecnicamente começam com mais vigor a partir da "Operação Amazônia".
Realizada entre 03 e 11 de dezembro de 1966, a bordo do navio Rosa da Fonseca, tal operação representou um momento de encontro entre o "Homem de empresa brasileiro" e os amazônidas em uma movimentação de integração para o desenvolvimento da Amazônia, por meio de mecanismos legais federais, estaduais e municipais, o que ficou conhecido como Programa de Aceleração do Desenvolvimento .
Analisar com mais profundidade tais processos, não é o objetivo desse artigo, mas é valido ressaltar que muitos impactos ambientais e sociais são fruto desse momento, afinal é exatamente nesse momento que grandes mudanças na estrutura produtiva, econômica e social se processam, sem, entretanto, haver um plano definido quanto à participação da população amazônida em tais procedimentos.
Assim foram com os grandes projetos mineradores, de exploração dos recursos hídricos por meio de construção de barragens, entre outros que não deixam duvidas quanto ao seu caráter transformador, de modo que a problemática socioambiental esbarra em um par ambíguo de desenvolvimento sob o ponto de vista da geração de oportunidades e cidadania, associadas à degradação ambiental, cultural e na estrutura das relações sociais.
Da inquietação com o passado, surge à necessidade de se pensar que modelo de "desenvolvimento" deve ser pensado para a Amazônia, é necessário olhar para os antigos Planos de Desenvolvimento para a Amazônia, ou para as origens dessa problemática com o objetivo de elaborar soluções para tantos questionamentos.
Assim o presente trabalho busca analisar o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, de modo a expor nossas percepções sobre o processo desencadeado com as Plenárias Regionais realizadas nos municípios de Altamira, Senador José Porfírio e Uruará entre os dias 16 e 20 de fevereiro de 2009, os quais culminaram no Decreto Nº 7.340/2010, que instituiu o PDRS e seu Comitê Gestor, levantando uma questão fundamental ainda não debatida, a necessidade de garantir um processo de formação capaz de tornar a participação institucionalizada em uma participação consciente.

1. Caracterizando o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu

A região de integração do Xingu abrange os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu, possuindo uma área total de 250.791.94 km², segundo dados do IBGE em 2007.
A região possui nove unidades de conservação, em termos populacionais podemos afirmar que 31,65% da população da região vivem em Altamira, Medicilândia e Pacajá concentram 20% da população, Uruará possui 11,4% da população e Vitória do Xingu 3,21%, de modo que segundo o IBGE os 10 municípios da região totalizam em 2007 um total de 293.088 habitantes.
De acordo com o Resumo Executivo do PDRS do Xingu chama a atenção o potencial energético da região, onde segundo as Centrais Elétricas Brasileiras em 2003, o valor do potencial hidrelétrico da sub-bacia 18 (Rio Xingu, Irirí, Parú) é de 12,7% (22592,92 MW) do potencial inventariado no País, de modo que a mesma ainda não foi utilizada.
O resumo também chama a atenção para as potencialidades mineral e florestal da região, a qual de maneira regular ou ilegal explora recursos madeireiros e mineralógicos de forma sistemática.
O PIB da região é concentrado pelos municípios de Altamira e Uruará com 53,6% em 2005, sendo, portanto, os municípios mais dinâmicos economicamente, ainda de acordo com o resumo, a região apresenta elevada potencialidade para a exploração dos seus recursos naturais, com vocação para a agropecuária, com destaque para as atividades de lavoura temporária e permanente, pecuária de corte, exploração florestal, madeira e mobiliário, as quais se manifestam no conjunto de municípios da região.
A região possuiu uma grande diversidade de grupos étnicos indígenas isolados, aldeados, citadinos, em margens de igarapés, na volta grande do Xingu, possuindo associações indígenas, além de remanescentes de quilombos, sobretudo no município de Porto de Moz e Pacajá.
Distribuição de renda, acesso a seguridade social por meio de serviços de educação, assistência social, saúde, habitação, saneamento básico, segurança pública entre outros, apresentam índices negativos alarmantes, segundo dados de diversos órgãos governamentais, em especial pelo IGBE e PNAD, dentro de um contexto tão complexo de relações sociais, econômicas, culturais e ambientais.
Nesse sentido constatamos uma manifesta desigualdade em diversos aspectos, os quais foram registrados no Resumo Executivo do PDRS Xingu, o que nos leva a conclusão que a questão da sustentabilidade ambiental depende do enfrentamento simultâneo dos problemas ambientais oriundos da pobreza e riqueza, Philippe Pomier Layrargues sintetiza essa questão ao afirma que:
A desigualdade não se manifesta apenas em termos econômicos de distribuição de renda. Existe também uma dimensão ambiental na desigualdade, ainda por ganhar visibilidade pública e reconhecimento político, para a conseqüente criação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento dessa problemática. E o conflito socioambiental é a expressão nítida dessa dimensão ambiental da desigualdade, polarizando sujeitos sociais em condições assimétricas de acesso ao poder, e nesse contexto, a política ambiental pode despontar como um elemento de justiça distributiva, somando-se às demais políticas distributivas. (LAYRARGUES, 2009, p.23)


Nesse contexto se insere o PDRS Xingu em uma região de abrangência territorial significativa com o objetivo de melhorar índices de qualidade de vida, proporcionando a criação de espaços democráticos onde a participação popular é eixo nos processos decisórios.
Tecnicamente o Plano apresenta uma inversão na lógica de exploração dos recursos naturais, claramente inserindo a região em um contexto de exploração dos recursos naturais, ou seja, demonstrando ao investidor as respectivas potencialidades, entretanto ao contrário de momentos anteriores, busca-se garantir o fortalecimento da participação popular nesse contexto de desenvolvimento.
De acordo com a Secretaria de Integração Regional:
Todas as atividades econômicas da região representam fontes de emprego e renda, por isso, o plano vai buscar na base das atividades o incentivo que falta. Além de estruturar e fortalecer as bases econômicas locais é necessário valorizar o conhecimento das populações tradicionais ? muitas trabalham em produção familiar ou comunitária - que podem ajudar na manipulação dos recursos naturais disponíveis e promover o seu uso sustentável. (PARÁ, 2009, p. 32).

Entre as ações previstas para beneficiar toda a população local, estão as relativas a transporte, comunicação e informação, energia, armazenamento, saúde, educação, assistência social, habitação, saneamento básico, segurança pública, regularização fundiária, reforma agrária, entre outros. Daí a importância da sua execução e a participação da comunidade em prol da melhoria da qualidade de vida.
A região do Xingu compreende uma diversidade imensa de investimentos nos próximos anos, os quais somente no PPA 2008-2011 contam com investimentos na ordem de 3,8 bilhões de reais.
De acordo com o então Secretário de Estado de Integração Regional, André Farias, há de fato uma inovação com o PDRS Xingu, uma vez que a incorporação da sociedade como agente da transformação é imprescindível ao mesmo.
O Plano é um instrumento inovador, um instrumento de planejamento do desenvolvimento da região, é um instrumento que incorpora a sociedade, a população local, fazendo com que ela assuma de fato a condução do seu desenvolvimento. Além disso, é um plano que respeita o meio ambiente, uma vez que todas as atividades produtivas sustentáveis que estão previstas no plano buscam o equilíbrio entre o meio ambiente e a ação do homem.

Assim a promoção do desenvolvimento sustentável e a conseqüente melhoria na qualidade de vida por meio de um processo democrático e participativo que garanta a descentralização das políticas públicas por meio de múltiplas arenas decisórias compõem o eixo de planejamento, ordenamento e gestão territorial e ambiental do plano.
As plenárias do PDRS Xingu realizadas entre 16 e 20 de fevereiro de 2009, envolveram a sociedade civil dos 10 municípios da região em três plenárias públicas que contaram com a participação do Governo do Estado do Pará, Governo Federal e um corpo de consultores do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA-UFPA), com o objetivo de discutir as diretrizes e a formação do Conselho Gestor do plano, entre as diretrizes estavam:
? Ordenamento Territorial, Regularização Fundiária e Gestão Ambiental;
? Infra Estrutura para o Desenvolvimento (energia, saneamento, comunicação, transporte e armazenamento);
? Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis;
? Inclusão Social e Cidadania;
? Modelo de Gestão.

O Comitê Gestor do PDRS Xingu, de acordo com o Decreto Nº 7.340, de 21 de outubro de 2010, tem as atribuições de monitoramento, articulação e planejamento em conjunto com a sociedade para a implementação do plano, avaliação e revisão de efetividade, elaboração de relatórios anuais para serem apresentados à Câmara Nacional de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional e a elaboração do Regimento Interno do plano.
Participação do Comitê Gestor 05 representantes do Governo Federal, 05 Representantes do Governo Estadual, 05 representantes das Prefeituras Municipais, 01 representante de entidades patronais do setor urbano, 01 representante de entidades patronais do setor rural, 01 representante do setor pesqueiro, 01 representante da empresa Norte Energia S.A., 04 representantes das entidades sindicais dos trabalhadores urbanos, rurais e dos pescadores, 04 representantes dos demais segmentos da sociedade civil compreendendo os movimentos sociais e organizações ambientais na área de abrangência do plano, 02 representantes das comunidades indígenas provenientes de comunidades na área de influência direta do empreendimento de Belo Monte, 01 representante de instituição de ensino e pesquisa atuante na área de abrangência.
A participação no Comitê Gestor de acordo com o Decreto não enseja qualquer remuneração, sendo considerada como prestação de serviço de relevante interesse público.
Entretanto, muito embora o Plano institucionalize um comitê gestor e garanta a participação da sociedade civil como um todo no seu processo inicial de discussão até a implementação das ações do plano, o mesmo não garante um processo de formação que garanta a essa população condições de pautar a internalização de investimentos para a região, a democratização e gestão ambiental e a conseqüente minimização de impactos socioambientais na região.

2. A importância de processos de formação e de fortalecimento da participação popular como referencia para a minimização de impactos socioambientais no PDRS Xingu.

A elaboração de um plano de formação e conscientização na área de abrangência do PDRS Xingu deve ser pautada pelas especificidades locais e pelos meios disponíveis para a consecução do mesmo, levando em consideração a diversidade de relações e especialmente o fato de que nessa região será construído a UHE Belo Monte, projeto controverso, haja vista os impactos socioambientais que projetos semelhantes causaram a exemplo da UHE-Tucuruí nas décadas de 70 e 80.
De acordo com Brito e Câmara, debates que envolvem a questão ambiental devem orientar a formulação de estratégias para o desenvolvimento regional e local.
Cada vez mais é necessário que se incorpore a educação ambiental nos paradigmas de desenvolvimento, de maneira a assegurar maior mobilidade educativa nos espaços territoriais onde existam áreas protegidas, para incorporar massas de conhecimento e informação sobre estas áreas, o meio ambiente, a qualidade ambiental e a sustentabilidade dos ecossistemas. (BRITO & CÂMARA, 1998, p. 299)

Nesse sentido podemos afirmar que o Plano leva em consideração os impactos causados pela construção da usina Belo Monte e que o mesmo tem como eixo de sua atuação a premissa de valores que compreendam o crescimento econômico da Amazônia com a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, um plano de formação para conselheiros e sociedade civil é de fundamental importância.
Partindo do pressuposto que a construção da UHE de Belo Monte, inevitavelmente, se fará valer nos próximos anos, haja vista toda a articulação política para a sua viabilização vale à pena ressaltar alguns aspectos também inevitáveis sobre o ponto de vista socioambiental.
De acordo com o relatório de impactos ambientais que a construção da UHE-Belo Monte poderá ocasionar, podemos destacar os seguintes
? Aumento da população e da ocupação desordenada do solo;
? Aumento da pressão sobre as terras e áreas indígenas;
? Aumento das necessidades por mercadorias e serviços, da oferta de trabalho e maior movimentação da economia;
? Dinamização da economia regional;
? Perda de imóveis e benfeitorias com transferência da população na área rural e perda de atividades produtivas;
? Perda de imóveis e benfeitorias com transferência da População na área urbana e perda de atividades produtivas;
? Geração de expectativas quanto ao futuro da população local e da região;
? Geração de expectativas na população indígena;
? Mudanças na paisagem, causadas pela instalação da infra-estrutura de apoio e das obras principais;
? Perda de vegetação e de ambientes naturais com mudanças na fauna, causada pela instalação da infra-estrutura de apoio e obras principais;
? Mudanças no escoamento e na qualidade da água nos igarapés do trecho do reservatório dos canais, com mudanças nos peixes;
? Alterações nas condições de acesso pelo Rio Xingu das comunidades Indígenas à Altamira, causadas pelas obras no Sítio Pimental;
? Alteração da qualidade da água do Rio Xingu próximo ao Sítio Pimental e perda de fonte de renda e sustento para as populações indígenas;
? Mudanças nas espécies de peixes e no tipo de pesca, causada pela formação dos reservatórios;
? Interrupção da navegação no trecho de vazão reduzida nos períodos de seca;
? Formação de poças, mudanças na qualidade das águas e criação de ambientes para mosquitos que transmitem doenças no trecho de vazão reduzida;
? Prejuízos para a pesca e para outras fontes de renda e sustento no trecho de vazão reduzida.

Como se pode apreender de alguns dados extraidos do relatório de impactos ambientais apresentados pelo IBAMA, chegamos a conclusão de que a educação ambiental na região do Xingu deve ser aplicada levando em consideração o ambiente humano em suas práticas, incorporando processos decisórios como valor fundamental a ser considerado quanto as questões ambientais envolvidas (LAYARGUES, 2008, p.93).
De acordo com Cunha e Coelho os processos de democratização e decentralização decisória no que tange a política e a gestão ambiental devem levar em consideração que o envolvimento da sociedade deve ser estimulado por canais institucionais.
O envolvimento da sociedade local nas questões ambientais passou a ser estimulado. Noções de divisão de responsabilidade e de complementaridade entre as competências federais, estaduais e municipais ganham importância, acompanhadas de discussões sobre o papel dos diversos atores sociais na reformulação das políticas públicas e no reordenamento das demandas setoriais e regionais. (CUNHA & NUNES: 2008, p. 53)

Assim processos de urbanização acelerada, disputas pela posse da terra, alterações na qualidade da água, prejuízos a pesca, perda de vegetação natural, imigração desordenada, perda de sítios arqueológicos, vultosos investimentos em infra-estrutura, entre tantas outras questões permearam o cotidiano dos conselheiros do Comitê Gestor do PDRS do Xingu e da sociedade como um todo.
Diante dessas evidencias cabe a seguinte pergunta, o "desenvolvimento" preconizado pelo Estado Nacional e o PDRS Xingu, de fato trarão benefícios para a população dos 10 municípios envolvidos? A participação preconizada por ambos será de fato formada para intervir em questões eminentemente técnicas, ou caberá a este conselho apenas a ratificação de um modelo de desenvolvimento de cima para baixo? Qual o aspecto dessa participação? A quem interessa o PDRS Xingu?
Para José Silva Quintas, no Brasil o poder de intervir para transformar o ambiente, assim como os benefícios e os custos estão distribuídos de forma assimétrica, pela sociedade e representantes de segmentos sociais, os quais atuam de maneira diferenciada por meio de sua capacidade de intervenção.
Entretanto esses atores, ao tomarem suas decisões, nem sempre levam em conta os interesses e as necessidades dos diferentes grupos sociais, direta ou indiretamente afetados. As decisões tomadas podem representar benefícios para uns e prejuízos para outros. Um determinado empreendimento pode representar lucro para empresários, emprego para trabalhadores, conforto pessoal para moradores de certas áreas, votos para políticos, aumento de arrecadação para governo, oportunidades de emprego para um segmento da população e, ao mesmo tempo desemprego para outros trabalhadores, empobrecimento de habitantes da região, ameaça a biodiversidade, erosão, poluição atmosférica e hídrica, violência, prostituição, doenças, degradação social e outros problemas que caracterizam a degradação ambiental. (QUINTAS, 2009, pp. 49-50).

Para autores como Mauro Guimarães, o discurso dominante, mediante os inegáveis danos socioambientais causados pela intervenção do grande capital, afirma que o campo da sustentabilidade hoje, é um campo de disputa, onde se procura consolidar um consenso em torno da sustentabilidade como forma de preservação da ordem estabelecida (GUIMARÃES, 2008, p. 91)
Rosangela Angelin analisa a educação ambiental como uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável e democrático para o Brasil e no contexto de avanço do capital sobre os recursos naturais faz a seguinte afirmação:
A busca incessante pela geração e comercialização de riquezas tem levado a humanidade a uma grande crise ambiental, a qual tem alarmantemente se agravado. Embora o desenvolvimento tecnológico tenha proporcionado avanços na sociedade, ao mesmo tempo, este tem alavancado problemas e riscos ambientais que comprometem a qualidade de vida das gerações atuais e futuras. (ANGELIN, 2007)

Para Carlos Vainer, o discurso do planejamento estratégico é a criação das condições de sua instauração enquanto discurso e projeto "O paradoxo realizado: o plano estratégico fala em nome de uma cidade unificada que se pretende engendrar através do patriotismo"
Nesse sentido grandes projetos para a Amazônia sempre pautaram seus discursos sob o ponto de vista da mercadoria, a Amazônia como manjedoura de riquezas naturais prontas para serem exploradas pelo grande capital, onde a população local era excluída desse processo, autores como José de Sousa Martins, Anthony Hall, Lux Vidal, Iara Ferraz e Maria Elisa Ladeira, ao analisar o avanço do grande capital sobre a Amazônia demonstram exatamente esse ponto de vista, ao ressaltarem que populações indígenas e tradicionais eram alijadas dos processos decisórios em torno dos grandes projetos.
Entretanto com o advento da democratização e a constituição de 1988, primeira a prever o debate sobre o meio ambiente como fundamental para o desenvolvimento do país, novos planos de desenvolvimento são elaborados, institucionalizam a participação popular sem, entretanto lhes garantir os meios para uma efetiva intervenção nos rumos do novo modelo de desenvolvimento, sobre esta questão Gilsa Helena Barcellos faz a seguinte consideração.
O novo discurso do desenvolvimento sustentável é progressivamente construído e legitimado. Para isso, segundo Arturo Escobar, o capital auxiliado pelo Estado e pela ciência dispõe de instrumentos sofisticados. Inicia-se um novo processo de capitalização. Agora no imaginário social: a cooptação de sujeitos coletivos no jogo da conservação. (BARCELLOS, 2008, p.111)

Como compreender a questão ambiental para além do senso comum? Como questionar a perda da identidade local, da memória e da própria história, quando se coloca a sociedade entre o "atrasado" e moderno? Como entender a "lógica" do desenvolvimento sustentável quando os prejuízos são reais e está na balança a melhoria da qualidade de vida em troca de danos socioambientais? Como conscientizar a população que todo e qualquer processo de desenvolvimento está ligado aos interesses do capital, o qual tem uma lógica de atuação claramente definida?
Nesse sentido acreditamos que é função do Estado como indutor de todo esse processo não ficar apenas no discurso da construção do consenso em torno de interesses que de fato estão muito aquém da realidade da população da região, é necessário que a população compreenda que o processo de decisão sobre as questões espaciais é, e deve ser conflituosa e que para isso a representação e a participação consciente como forma de oposição a marginalidade e responsabilidade social em processos que dizem respeito a si a sua representação social.
Entendida dessa maneira, as práticas de gestão e educação ambiental não são neutras, o que de acordo com José Silva Quintas.
O Estado ao assumir determinada postura diante de um problema ambiental, está de fato decidindo quem ficará na sociedade e no país, com os custos, e quem ficará com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio, seja ele físico natural ou construído. (QUINTAS, 2009 p.53)

A formação dos conselheiros do Comitê Gestor é apenas um dos eixos para a tomada de consciência e efetiva intervenção nos rumos do desenvolvimento na região do Xingu, o qual poderia utilizar como modelo, planos de formação como o de Conselheiros do Planejamento Territorial Participativo, o Plano de Formação de Conselheiros Nacionais em temas que levem em consideração educação e gestão ambiental, desenvolvimento regional sustentável, inclusão social, democracia e cidadania.
Tal formação deve contribuir para a formação qualificada, criando um espaço de reflexão e troca de experiências entre questões técnicas e os saberes locais, levando em consideração a participação desses conselheiros e da sociedade civil como agentes multiplicadores de conhecimento e não meros coadjuvantes do desenvolvimento, mas como efetivos indutores, capazes de intervir na minimização de impactos socioambientais por meio da proposição de ações e políticas públicas baseados na interlocução de saberes, conforme salienta Mauro Guimarães.

O despertar da consciência ecológica, princípio e fim de uma educação ambiental, é substanciada por uma razão crítica, que percebe as relações de poder de caráter dominador e explorador, que desestruturam que rompem laços, produzem cisões, que degradam o homem e a natureza. Assim como, reciprocamente, deve substanciar-se pela promoção do sentimento de pertencimento solidário, o que interconecta o que integra unidade e multiplicidade. (...) Essa educação ambiental, que visa à sustentabilidade da vida do planeta, se estabelece no movimento que provoca rupturas e religações fundantes de um novo paradigma. (GUIMARÃES, 2008 p. 99)

Mediante o exposto, acreditamos que um plano de formação para os conselheiros do Comitê Gestor do PDRS Xingu deve ser pautado por meio de ações pedagógicas que induzam o exercício dialógico das questões pertinentes ao modelo de desenvolvimento que visa ser implementado na região.
A diversidade regional que engloba uma grande diversidade cultural, econômica, política e social deve ser levada em consideração e associada ao controle social do Estado por meio da institucionalização da participação, onde os conselheiros devem ser percebidos como sujeitos concretos no processo de desenvolvimento sustentável do Xingu.
Nesse sentido compreendemos que uma proposta curricular para tal formação deve se pautar pela diversidade territorial, bem como pela reflexão das vivências e saberes desses sujeitos associadas a um cabedal técnico sobre questões que envolvam:

a) Educação e Gestão Ambiental, compreendida sob diversos aspectos em especial as relativas ao controle ambiental da água, de resíduos, áreas verdes, sistemas de integração ambiental, economia ambiental, impactos e riscos ambientais.
b) Desenvolvimento e planejamento regional sustentável, compreendendo a discussão sobre a importância do território e da região como unidade de planejamento do Estado, os Planos de Desenvolvimento para Amazônia, grandes projetos e suas repercussões, planejamento estratégico, sustentabilidade discursos e práticas, políticas públicas para a Amazônia.
c) Inclusão social, por meio do empowerment ou delegação de responsabilidade, compartilhamento de responsabilidades, valorização dos sujeitos sociais, questões étnico-raciais, gênero, movimentos sociais.
d) Democracia, participação e cidadania, a democracia brasileira, canais de participação popular, controle social e monitoramento de políticas públicas, conselhos, direitos e deveres do cidadão.

Tais questões estão associadas a emergência de uma nova concepção de cidadania debatida por diversos autores, as quais complementam as teorias clássicas, onde se busca o aprofundamento da democracia, de acordo com Fátima Portilho.
A essa experiência concreta (nova noção de cidadania) se agregou uma ênfase cumulativa na construção, extensão e aprofundamento da democracia. Como conseqüência, a nova noção de cidadania se relaciona cada vez mais a uma estratégia de construção democrática e de transformação social que afirma um nexo constitutivo entre as dimensões da cultura e da política. (PORTILHO, 2010, p.192)

Um modelo interessante de formação para conselheiros foi o planejado para os conselheiros do Planejamento Territorial Participativo, onde se buscava oferecer aos mesmos os meios para que fossem capazes de aprimorar leituras sobre processos de implementação de políticas públicas, utilizar ferramentas de controle e acompanhamento de políticas públicas, noções de orçamento e gestão pública, processos de reflexão e análise das características do território e de planos de desenvolvimento.
Outro modelo interessante para se pensar um plano para formação desses conselheiros é o proposto pelo Programa de Formação de Conselheiros Nacionais cujo objetivo é contribuir para a formação qualificada de conselheiros dos Conselhos Nacionais de políticas públicas, de gestores e técnicos do governo federal que trabalham com instituições participativas e de representantes de organizações da sociedade civil de abrangência nacional e criar um espaço de reflexão e troca de experiências relacionadas à participação social e à democratização da gestão do Estado .
A mediação de saberes no processo de reprodução dos conhecimentos é importante, haja vista a diversidade de saberes que integram o cotidiano e o imaginário da população dessa região e da própria Amazônia como um espaço singular e seu lugar social.
Para complementar uma proposta de formação vale lembrar os pressupostos da Política Nacional de Educação Ambiental Brasileira, citado por Maria Cecília Focesi Pelicioni em seu artigo "Fundamentos da Educação Ambiental", que são:
? O enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;
? A concepção de meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade.
? O pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, nas perspectivas da inter, multi e transdiplinariedade;
? A vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
? A garantia de continuidade e permanência do processo educativo;
? A permanente avaliação crítica do processo educativo;
? A abordagem articulada das questões ambientais, locais, regionais, nacionais e globais;
? O reconhecimento e o respeito à pluralidade à diversidade individual e cultural.

Por fim concluímos que um processo de formação para conselheiros do PDRS Xingu, também deve ser decidido de maneira participativa, com o objetivo de fazer da educação ambiental um processo político, onde a cidadania seja exercida visando a transformação social e no caso analisado, que seja capaz de gerar a minimização de impactos socioambientais por meio de uma atuação consciente e transformadora da realidade.
O sentido de educar ambientalmente hoje vai além de sensibilizar a população para o problema. Não basta mais apenas sabermos o que é certo ou errado em relação ao meio ambiente. (...) Só a compreensão da importância da natureza não é o bastante para ser levada a sua preservação por nossa sociedade.
É incorporar (razão e emoção) à questão ambiental no cotidiano de nossa ação como prioridade. É uma mudança de atitude nossa com nós mesmos, em nossa visão de mundo; nossa com os outros e o ambiente que nos envolve, em uma ação solidária. É tudo isso em nossa luta política, como seres sociais que somos, pela conquista de um novo modelo de sociedade que preze a relação do equilíbrio com o meio ambiente, que passa obrigatoriamente pela justiça social, ou seja, é a construção de uma nova sociedade ambientalmente sustentável. É preciso, portanto, o exercício pleno de nossa cidadania em um processo de conscientização (consciência + ação). (GUIMARÃES, 2008 p. 102)

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