Não sou senão um crítico e um homem negador.

 Edgar Morin

A despeito das divergências, Edgar Morin é unanimidade quando o assunto é revolta consciente "contra classificações disciplinares".

Com seus quase noventa anos de idade, o mestre francês constrói uma das mais sólidas e penetrantes leituras de nossos problemas. Seu trabalho é extraordinário, com ele, conforme atesta Michel Cassé, entramos numa espécie de revolução copernicana. O paradigma dominante, centrado na disjunção e no reducionismo, é desmascarado e outro modelo, que ouso chamar de "transessencial", se abre ancorado na complexidade.

Os pressupostos da ciência tradicional são trincados por Morin forçando, digamos, crises no chamado saber objetivo como na própria razão. Afinal, a supremacia de um paradigma – Simplicidade, Estabilidade e Objetividade -com mais de quatrocentos anos, não se sustenta à luz dos problemas fundamentais e globais, sobretudo quando comparado com os eixos da ciência hodierna – Complexidade, Instabilidade e Subjetividade. Naquela filosofia, os fenômenos são estudados a partir de crenças totalitárias, de certezas absolutistas. Nesta, tudo não vai além de aberturas, mudanças e flutuações.

Morin é incansável quanto ao problema do conhecimento. Na sua ótica, este é nosso maior desafio. Seu alerta é claro: "é necessário ensinar quais são as armadilhas e ilusões que fazem parte do conhecimento". Segundo ele, isso que nos passam em nome do conhecimento, no fundo, é farsa, pois "nos impossibilita de fazer conexões/pontes entre diversos tipos de conhecimento". Portanto, não existe caminho mais adequado para este enfoque, sintetizado na expressão "Transdisciplinariedade", do que a complexidade.

Essas classificações, essas separações, essas disjunções, enfim, esses reducionismos, têm levado a humanidade ao caos, às catástrofes, a um tipo fragmentar de consciência que ignora por completo o fator incerteza. Hoje, diz, só nos dão certezas. Essa estrada científica (tradicional) me faz lembrar das palavras-martelo de Nietzsche: "Dizer que somente vale uma interpretação do mundo que dê razão a vocês, senhores cientistas, uma interpretação que os autorize a procurar e a perseguir trabalhos no sentido que vocês entendem (é mecânico que pensam, não é verdade?), que só vale uma interpretação do mundo que outra coisa não faz senão contar, calcular, pesar, ver e tocar, é estupidez e ingenuidade, se é que não é demência ou idiotice".

Edgar Morin é, sem dúvida, um reencantador da Vida. Se de um lado nos aponta fissuras na ciência, incluindo, claro, a sua transformação em religião. Por outro, nos indica algumas pistas de saída. Seu pensamento é fonte abalizada para enfrentarmos as mais diversas e sutis ditaduras político-intelectuais. Os brasileiros somos admiradores de seu trabalho por, nas palavras de Alfredo Pena-Vega, ser uma proposta de um pensamento consistente, de uma virtude heurística questionadora, de dúvida e também de humildade: a modéstia diante da infinita complexidade do mundo real, a estupefação com relação aos acasos dos acontecimentos, a auto-reflexão inquieta face às contradições da ação, a incerteza diante da aventura humana.

Que sua passagem por Tocantins seja, de fato, um marco, que seja uma experiência de reais transcendências. Valeu, mestre!!!