EDUCAR PARA A COMPLEXIDADE: UMA ANÁLISE SUCINTA DE ASPECTOS CENTRAIS DA TEORIA EDUCACIONAL DE EDGAR MORIN

por Werner Leber

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 

Edgar Morin dedicou seus últimos 30 de vida em prol de estudos educacionais com o que estatuiu um novo conceito na pedagogia e na teoria da aprendizagem, chamado, grosso modo, Teoria da Complexidade, ou também Teoria do Conhecimento Complexo. (MORIN, 1980).  Seu conhecimento e sua contribuição é imensa nessa área, o que faz dele sempre uma referência em estudos e pesquisas que envolvem o ensino, a aprendizagem e as teorias filosóficas que sustentam as pedagogias (SILVA, 2010).  Existe certa unanimidade quanto à validade de uma formação recebida na atualidade: ele só valerá se aquele que a auferiu reciclar-se constantemente. Passou a época em que alguém se formava em engenharia, medicina ou geografia, por exemplo, e pendurava seu diploma na parede como prova da capacidade daquilo que estudou. Uma formação interpretada dessa forma hoje vale muito pouco. Mas por quê? A se acreditar em Edgar Morin, isso ocorre porque as escolas estão, de um modo geral, ultrapassadas. O que significa dizer, a epistemologia, a teoria educacional com a qual se engendra os conteúdos educacionais, estão assentados sobre perspectivas erradas ou então sobre perspectivas que se tornaram gastas. A escola não é responsável sozinha mais pela centralização do conhecer. Há cerca de 50 ou mais anos atrás, o saber, o conhecimento necessário para habilitar ao alguém para um determinado campo profissional localizava na escola, na universidade, enfim, nos currículos cuja administração cabia às universidades e sistemas de ensino. Os professores eram então vistos como aqueles que possuíam o saber e que o aluno a ele deveria correr para colher o que mestre tinha em seu pomar. Nessa perspectiva também, o conhecimento era avaliado fundamentalmente por avaliações que testavam a capacidade de raciocínio acumulativo. A aprovação se dava mediante provas para confirmar se o aluno aprendeu ou não determinado assunto ou conteúdo. A própria palavra “conteúdo” é um sintoma de uma época em que se imaginava que o conhecimento estava depositado em algum lugar, como se as universidades e escolas fossem reservatórios de conhecimento cuja senha secreta estava com os profissionais da educação. Nessa lógica, somente os mais aptos, os melhores, aqueles que melhor apreendessem o conteúdo e conseguissem demonstrar essa apreensão por meio de avaliações especificamente para este fim destinado, mereciam terminar um curso e ser diplomados. Se Edgar Morin estiver certo, isso passou. Esse é um paradigma educacional que teve como propósito formar para o trabalho e a reprodução técnica de sistemas e ideologias. As escolas de modo geral e as universidades, sobretudo elas, precisam mudar em muitas coisas. E duas situações contribuem frontalmente para que essa mudança aconteça. Se é que já não se perdeu tempo demais insistindo com velhas tábuas. A primeira é que a escola não monopoliza mais o currículo sozinha (APPLE, 1999). Ela tem de dividir essa responsabilidade com outras áreas, como empresas, sindicados, ongs, fundações, hospitais, bancos porque o currículo hoje pode ser encontrado nas circulações de informações, e que também formam e informam. As coisas não ficaram melhores, mas diferentes. Ensinar continua a ser um desafio tão ou mais complexo do que sempre foi. Educar continua a ser uma questão política de grande envergadura, onde grupos os mais diversos influenciam e querem influenciar. como foi no tempo de Aristóteles. O mundo das informações mudou a localização do saber e sua respectiva disseminação. A quantidade de informações que circula hoje pelo mundo virtual em apenas um dia e bem mais do que a humanidade produziu em todos séculos anteriores. A segunda grande questão é que a educação, seja ela a dos níveis mais inferiores ou mesmo o ensino universitário, não pode mais ficar restrita a educar para o trabalho, para a visão estreita de que educação é sempre sinônimo de formação profissional. Pois, conforme veremos a partir da visão de Morin, se a educação é só para o trabalho e a produção deste trabalho, a educação então é apenas um treinamento para lidar com tecnicamente com aquilo que a economia demanda. Em linhas gerais, isso significa que os estudos  e as teorias do conhecimento não podem só centralizar-se em uma perspectiva que foi a capitalista, como vem acontecendo nos últimos 200 anos.  O conhecimento não pode ser visto apenas em termos de resultado para um modelo econômico. Para Morin, há bem mais coisas em jogo. E esse jogo é complexo. Exige um arsenal de análise que ultrapassa em muito a visão de mercado e trabalho que orientou basicamente nossos educandários em todo século XX. Em Morin, essa interpretação recebe o nome Teoria da Complexidade.

Mas antes de adentrar a esse capitular e central conceito da filosofia da educação que Morin vem defendendo nos últimos 20 anos, faz-se necessário também esclarecer o que é currículo. Isso pode parecer uma questão menor, mas currículo conforme alguns teóricos da educação é bem mais do que a linguagem comum, a linguagem jornalístico-informativa diz dele.

 

2. O QUE É CURRÍCULO E DE ONDE VEM SUA ORIENTAÇÃO?

Por que o currículo nos interessa? E o que isso tem a ver com a Teoria da Complexidade de Edgar Morin? Há tantas relações que aqui se escolherá apenas algumas frinchas para analisar. O poder, como mostra parte da análise de Silva (2010), orienta-se por ele para propagar ideologicamente modelos econômicos e que, grosso modo, conduzem o arranjo político da educação – o famoso “o que deve ser ensinado?”. Ainda que Currículo seja algo considerado óbvio, uma pequena observação pode ajudar no sentido de ver que as disciplinas curriculares não vêm dos governos e dos técnicos da educação somente. Eles têm respaldo na sociedade como todo, sobretudo dos grupos poderosos que detém o monopólio da manipulação das informações nas sociedades capitalistas, como é o caso em praticamente todo o mundo (APPLE, 1999; 2003). Em um importante artigo escrito nos anos cinquenta, Hannah Arendt havia percebido que a educação do país mais rico do mundo, aquele que venceu a Segunda Grande Guerra e dela também auferiu lucros fantásticos, os Estados Unidos da América, estava em crise.  Pelo texto dessa autora é possível presumir que muitos dos problemas que Morin hoje critica, já era um amontoado de problemas há décadas. No entanto, não sendo possível retratar o texto da filósofa, apenas dir-se-á que o que ela analisa não é tanto a complexidade como Morin, e sim o poder que a escola perpetua por meio de um currículo quase sempre opressor alinhado como o conservadorismo. O que é um currículo? Conforme o comentador “currículo se caracteriza como programa de formação, global, com coerência didática e distribuição no tempo, de forma seqüencial, com situações e atividades ordenadas. (BERTICELLI, 1998, p.165)”.

A questão curricular passa, acima de tudo, pelas instâncias de poder e conflitos que moldam e dão sustentabilidade a qualquer projeto social. Currículo, em última instância também, é decisão política, currículo “é sociedade” diz Apple (1999, p. 57), e que está sempre comprometido com alguma forma de poder. A percepção descrita a seguir dá o tom da problemática:

Em tais decisões é que se faz  sentir o poder político, econômico, cultural e religioso. Esse é o momento em que se incluem ou excluem etnias, grupos sociais desfavorecidos e marginalizados de mulheres, trabalhadores, pessoas da terceira idade, os pobres, os mais desvaliados, os homossexuais, o mundo rural, meninos e meninas, adolescentes e aqueles que caracterizam o assim denominado Terceiro Mundo. Nessa inclusão/exclusão (...) funcionam os materiais didáticos e livros-texto que materializam as propostas curriculares. Portanto, a elaboração curricular remete à questão que diz respeito ao tipo de cidadão que se quer construir. Daí a importância do currículo posto em confronto com a sociedade. No currículo é que se colocam as parcelas da realidade que se levam à análise e conhecimento de educandos e educandas. Os recortes do real são decisivos na configuração do cidadão que se quer produzir. Nisto se efetiva a intencionalidade do currículo, a ideologia, a filosofia educacional. Neste caso, o currículo é veículo, numa coincidência feliz com o diminutivo da palavra latina  CURRUS (carro, veículo), ou seja: CURRICULUM. Currículo é veículo que contém a filosofia, a ideologia, a intencionalidade educacional (BERTICELLI, 1998, p.166)

 

A visão tradicional de educação se apóia  na seguinte concepção curricular: a) Visão acumulativa – programas a serem cumpridos;  b) Concepção bancária: vê os educandos como quem deve absorver conteúdos;  c) Função reprodutivista: propostas pré-elaboradas por especialistas e autores renomados.  A nossa educação “acadêmica” está estruturada de forma a transmitir informações ou conhecimentos. Como se o processo Ensino/Aprendizagem estivesse bipolarizado entre quem sabe - o professor -, e quem não sabe - o aluno: receptor e acumulador de informações recebidas (FREIRE, 2003).  O conhecimento é complexo e se dá de variadas formas. Reduzi-lo a transmissões, aquisições e reproduções  de informações é um empobrecimento do  processo de produção de conhecimento. O ser humano não existe só biologicamente. O que nos define é a nossa cultura, com a qual tomamos consciência de que conhecemos alguma coisa. Giroux e Penna (1997)  apontam que a eficácia de um currículo só é possível se for reconhecido que a escola é uma instituição sócio-política que interdepende da sociedade em cuja opera.  Para Apple (2003), o neoliberalismo é essencialmente conservador e quase sempre contrário a mudanças. Segundo ele ainda, há hoje nos Estados Unidos um lamento geral do conservadorismo sobre o “declínio” do currículo tradicional (APPLE, 2003, p. 59). Em outra passagem de sua obra, Aplle (2003) mostra como que o conservadorismo opera no âmbito da religião. Os cristãos insatisfeitos com estudos que contradizem “as verdades bíblicas”, radicalizam suas posições através de políticas curriculares, não permitindo que as teorias de Darwin, por exemplo, possam ser estudas nas escolas. Assim, não é a Bíblia que deveria se encaixar nas descobertas da ciência, e sim encaixar a ciência nas leituras infalíveis do Gênesis.

 

3. COMPETÊNCIAS

O que são competências? O termo, com a conotação que possui na teoria educacional atual, é recente. Para entender o que ele quer designar no panorama da educação é preciso remontar  a algumas décadas na história da nossa educação e perceber o quanto as instituições de ensino mudaram ou tiveram de mudar diante das grandes mudanças em curso, em quase todos os setores da sociedade cada vez mais global. Contudo, assim mesmo entre os teóricos, não há aceitação incondicional dos termos (DEMO, 2000).

Reduziu-se tudo a uma metodologia racionalista, que Nietzsche denunciou como Cultura Apolínea, Cultura de Fracos e Ressentidos, e com isso produziu-se um empobrecimento na noção de conhecimento enquanto legado cultural dos povos (MORIN, 1978; 2003). Há um esgotamento de paradigmas. É desse esgotamento que Edgar Morin fala e que é analisado pelo trabalho de Silva (2010).  A escola deixou de ser espaço privilegiado de transmissão e manipulação de conhecimentos. As tecnologias do momento disponibilizam informações que tornam rapidamente obsoletos os conhecimentos presentes nas instituições educacionais. A instituição não é mais depositária de um tipo de saber ou detentora de exclusivismos no que se refere aos conhecimentos e competências presentes na sociedade de informação. Portanto, não cabe a ela ensinar algo a alguém, porém capacitar alguém para algo. O que cabe às instituições educacionais é possuir um corpo pedagógico capaz de compreender as profundas mudanças que aí estão e os imensos desafios elas trazem. O que se entende por competências passa exatamente por esse caminho, ou seja, capacitar pessoas para realizar com êxito uma tarefa. Como lembra Cury: “Competência é o que o aluno aprende e não o que você ensina (apud BORDONI, 2003, p.11)”. Ou como disse Moreto (apud BORDONI, 2003, p. 10) “[...] educar alguém para ser um pianista competente é criar as condições para que ele adquira os conhecimentos, as habilidades, as linguagens, os valores culturais e emocionais relacionados à atividade específica de tocar piano muito bem”.  

A proposta de ensino deve estar vinculada ao conhecimento da realidade. Assim, Competênciasnada mais seria do que desenvolver habilidades que possam ser utilizadas quando as situações-mundo o exigirem. Todavia, é preciso que se faça uma ressalva. Competências não pode ser entendido como se tivessem uma função tecnicista, pragmática ou utilitarista. Todos os conhecimentos surgiram para resolver problemas com os quais a humanidade de defrontava, o enfoque globalizador. A seguinte passagem ilustra o que se diz:

[...] a função básica do ensino é a de potencializar nas crianças as capacidades que lhes permitam responder aos problemas reais em todos os âmbitos de desenvolvimento pessoal, sejam sociais, emocionais ou profissionais, os quais, sabemos que, por sua natureza, jamais serão simples [...] O enfoque globalizador pretende desenvolver no aluno e aluna um pensamento complexo que lhe permita identificar o alcance de cada um dos problemas que lhe coloca a intervenção na realidade e escolher os diferentes instrumentos conceituais e metodológicos de qualquer um dos diferentes campos do saber que, independentemente de sua procedência, relacionando-os ou integrando-os, ajudem-no a resolvê-los (ZABALA, 2002, p. 35-36)

As aprendizagens não podem depender somente daquilo que o professor sabe, mas serão uma decorrência das condições de aprendizagens proporcionadas aos aprendentes. Cabe aqui lembrar a diferenciação que Demo faz entre currículo intensivo e extensivo. Currículo intensivo funda-se na pesquisa como atitude e não na exposição do professor. “O primeiro busca a qualidade do conhecimento; o segundo a quantidade.[...] Enquanto um (o intensivo) persegue o questionamento sistemático, elaboração própria, intervenção qualitativa na realidade, o outro contenta-se com o passeio genérico pela superfície, a título de visão geral (2000. p. 75).

 

4. COMPEXIDADE E ERA PLANETÁRIA

O que surge no pensamento de Edgar Morin como Complexidade ou Teoria da Complexidade não é uma palavra mágica que resolve todos os problemas. Morin é um pensador prático. Sua perspectiva de educação leva em consideração as teorias pedagógicas e filosóficas, mas considera também que a educação situa-se na sua relação com o mundo. Educar, portanto, significa permitir que se aprenda que o mundo é um universo ainda não descoberto. A seguinte passagem ilustra essa visão:

Para Morin, a história do homem, assim como a história de organização do mundo, é fator importante para o processo de revolução físico/biológica da natureza porque se completam a um só objetivo; a formação do universo. A hominização é, portanto, questão que compreende a trajetória histórica de organização da biosfera, porque foi da condição primeira analisada sobre o homem, um ser primata que evoluiu à sua condição de ser racional (sapiens)produtor de sua cultura. É, na problematização sobre as questões da humanidade, que a hipótese sobre hominização “ganha” sustentabilidade e se torna matriz interpretativa de compreensão histórica da ciência. Mais do que um ser social proscrito em uma determinada realidade histórica, a concepção ontológica de homem pensada pela leitura da complexidade é compreendida a partir da visão físico/biológica. O que podemos inferir deste fato, é que o ser social, moriniano, se ramifica na hipótese de cidadão do mundona medida em que é pela totalidade do que o compreende e produz, que faz ser o que de fato é Ser Humano. (SILVA, 2010, p. 207).

O ser humano está no mundo. Há então uma ontologia. O perceber-se no mundo não é uma relação qualquer, porém a mais elementar situação que o ser humano experiência. Silva chama essa experiência elementar de “hominização” (op. cit., p. 208). As ciências reduzem as relações à questão física e biológica, ou seja, reduzem as vivências humanas à natureza. É muito óbvio que o ser humano é natural e depende da natureza. Mas o ser humano pensa também o que é a natureza, da qual ele é parte. Em outra passagem Silva (op. cit., p. 210) fala dessa situação com os seguintes termos: “O homem [é] o ser da complexidade já que todas as suas partes compõem o que é de fato. Nesse sentido, não é possível reduzi-lo apenas a questão da sapiência, ele faz parte de um todo pelo qual cosmologia e antropologia se fundem em uma mesma unidade”. As ciências naturais são o mote que alavanca as necessidades de uma sociedade mercantilista, como a que a Europa se transformou desde o século XVI. Houve assim, no dizer de Silva (op. cit., p. 214) uma propagação do conhecimento e  a “ampliação dos sistemas dos sistemas de produção”. Mas é justamente essa ampliação que nos conduzem também a uma Era Planetária, conforme Silva (2010). Morin está convencido de que a educação precisa mudar seu foco rapidamente. Refletir sobre a educação, a nosso ver conforme a leitura do trabalho de Marcelo Donizete da Silva,  leva a uma situação inversa àquela do Renascimento. Se lá se saudava o antropocentrismo como o novo, como a aposta, agora já se sabe que o novo está velho e a aposta foi errada. O antropocentrismo predatório que as ciências naturais impingiram à marcha do conhecimento é justamente o problema. Complexidade, portanto voltando a ela é “[...] é o caminho de quem caminha, desconhecendo as possibilidades do que se projeta nesse caminhar” (SILVA, 2010, p. 220). E a seguinte passagem traz uma consideração que pretende mostrar em que a complexidade se situa. Assim escreve Silva (op. cit., p. 221):

A saída da humanidade do seu estado de barbárie se evidencia, portanto, no processo da chamada democracia cognitiva do pensamento. Ou seja, no momento em que todos perceberem que seu o destino se liga a uma situação global e que o ideal será pensar, então, na suposta da ecologia da ação. Por sua vez, essa ecologia não está submetida aos objetivos do método; ela é uma necessidade imediata ao qual os seres humanos devem se reconhecer como filhos de um mesmo ecossistema. Sair do estágio de barbárie significa chegar à condição da comunidade de destinoe é, justamente, nessa condição que os pressupostos do método da educação complexa se cristalizam. O método complexo de produção da ciência, caminha na contramão de toda a atividade crítica e criadora do pensamento educativo. Esse método, por não pressupor a racionalidade do ponto de vista de observação crítica e metódica dos problemas concretos da vida humana, subverte toda a lógica de reflexão sobre as questões problematizadoras da realidade educativa. Essa subversão, por sua vez, consiste na análise sobre as questões reais que evidenciam os problemas da contradição e da alienação que fazem parte do contexto escolar.

O que é então estado de barbárie? Segundo nosso entendimento, é a arrogância de um tipo de racionalidade que pôs em xeque toda vida do planeta. A lógica de uma educação que forma para atividades cujos resultados de antemão já se conhece, tipo produtividade de automóveis, expansão do mercado de capitais, ampliação de tecnologias que só servem para manter a lógica comercial vigente, não é uma educação que ajuda para a Era Planetária. Colocar-se contra essa lógica naturalista que pressupõe a exploração da natureza para transformá-la em objetos de consumo, é o que Edgar Morin quer comunicar.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Uma idéia ou teoria não deveria ser simplesmente instrumentalizada, nem impor seu veredicto de modo autoritário; deveria ser relativizada e domesticada. Uma teoria deve ajudar e orientar estratégias cognitivas que são dirigidas por sujeitos humanos. (MORIN, 2000, p. 29).

Chamar Morin de utópico é ser injusto com um pensador que é apaixonado pelo que faz e acredita no que escreve. Entretanto também não parece que suas ideias são originais. Colocar-se contra a vertente racionalista surgiu ainda no século XIX, notadamente com Nietzsche e Husserl, e continuada por Martin Heidegger, Max Scheler, Paul Tillich, Maurice Merleau-Ponty. A fenomenologia de Husserl foi um tentativa de mostrar os erros dos dogmas da crença na racionalidade científica. Edgar Morin é um crítico de paradigmas. A ciência tornou-se um paradigma cego e fanático, uma voz única e ditatorial. O positivismo foi apenas o resumo final, um resumo pobre, aliás, de uma pretensão de conhecimento que pensa ser regra e norma para tosos os cantos da Terra. Assim escreve  nosso autor sobre isso: “O ocidente europeu acreditou, durante muito tempo, ser proprietário da racionalidade, vendo apenas erros, ilusões e atrasos nas outras culturas, e julgava qualquer cultura sob a medida do seu desempenho tecnológico” (MORIN, 2000, p. 24).

A mente é formada pelas interações sociais e psicossociais. O problema é a que cegueira dogmática de nossa tradição não nos deixa ir além de nossos preconceitos. Os cientistas duelam pela verdade como um urso pardo defende seu território. O saber renascentista transformou a natureza em objeto de manipulação e de “matéria” para produzir bens ao mercado da racionalidade econômica e dogmática. Assim vão as palavras do autor, que, conforme julgamos, fazem coro ao que estamos definir: “portanto, o paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (MORIN, op. cit., p. 26).

Pensar de modo complexo significa sair desse círculo de fogo que açambarca os sistemas de ensino há vários séculos. Aprender a pensar não é aprender a pensar o que já se sabe. Bem ao contrário. Aprender a aprender é bem mais que só ser treinado via escola para afazeres e regras técnicas já traçadas. Ainda que não se encontre abertamente uma relação entre Morin e Nietzsche, há pontos comuns. Por exemplo, Silva nos diz que o erro e a incerteza são “fatores preponderantes do conhecimento” (SILVA, 2010, p.226). Ora, isso era o que Nietzsche já havia percebido no século XIX, ou seja, o problema das ciências naturais está exatamente na carapuça dogmática com que se autorrevestiram. Se no renascimento o que imperava era a certeza do conhecimento, agora trata exatamente do contrário: cultiva a incerteza do conhecimento (MORIN, 2000).

 

6 REFERÊNCIAS

APLLE, Michael W. Conhecimento oficial: a educação democrática em numa era conservadora. 2ª edição. Petrópolis(RJ): Vozes, 1999.

______ . Educando à direita: mercados, padrões, Deus e desigualdade. São Paulo: Cortez & Instituto Paulo Freire, 2003. (Biblioteca Freiriana, v.5)

ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: ARENDT et al. Quatro textos excêntricos. Tradução de Olga Pombo. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 2000, páginas 21-53.

BERTICELLI,  Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). O currículo no limiar do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1998, p. 159- 176.

BORDONI, Thereza Cristina. Saber e fazer...Competências e habilidades. Projeto Linha Direta. Ano 6, nº 64, Jun. 2003, p. 10-11.( Artigo)

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. 4ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 36ª edição. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2003.

GIROUX, Henry A. & PENNA. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

IANNI, Octávio.  Teorias da globalização. 10ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma; reformar o pensamento. 8ª edição {tradução de Eloá jacobina]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

_______ . Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. Revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.

OLIVEIRA,  Manfredo Araújo de. Um paradigma para a escola do século XXI. Revista de Educação da AEC. Ano 31, n. 122, jan-mar (2002), p, 9-20.

SILVA, Marcelo Donizete. Educação, ideologia e complexidade:contribuição para a crítica ao pensamento de Edgar Morin e sua interface com a educação. [Tese de Doutorado em Educação]. Campinas, SP: Faculdade de Educação da Unicamp, 2010. 

VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2002.