Lagos, rios e reservatórios ocupam como um todo, uma pequena fração da superfície terrestre, mas têm importante papel no processamento e ciclagem do carbono. Assim, o dióxido de carbono dos chamados ecossistemas aquáticos continentais podem ser transportados para os oceanos (no caso de rios), estocados no sedimento ou ainda emitido para a atmosfera. Este processo natural é afetado por alterações antrópicas e instabilidades climáticas que, em geral, alteram esse balanço, maximizando os processos que causam a emissão de CO2 ou outros gases que podem provocar aquecimento (metano - CH4), mas também, acelerando processos que absorvem CO2 tornando mais difícil a previsão do comportamento destes gases na atmosfera.

Um dos problemas na previsão dos processos ecossistêmicos em ambientes terrestres é a modelagem do comportamento da umidade que é muito complexa, pois influenciada por ventos, transpiração das plantas, qualidade do solo, entre outros fatores. Desta forma, os corpos d’água continentais são melhores modelos para o estudo dos efeitos do clima no processo de decomposição de compostos orgânicos, já que estes ambientes não são limitados por umidade e a maioria deles é supersaturada em CO2, devido ao grande aporte de matéria orgânica terrestre que vem com as chuvas, e que resulta em elevadas taxas de respiração dos seres vivos, sobretudo das minúsculas e numerosas bactérias, organismos que compõem os principais decompositores. Mais que a produção primária (crescimento de plantas e algas), a decomposição depende fortemente da temperatura e pode ser sensível às mudanças climáticas.

Incertezas e falta de evidências giram em torno dos impactos das mudanças climáticas nas espécies aquáticas tropicais, mas o aumento da precipitação pode resultar em mudanças na estrutura e composição das comunidades aquáticas. A comunidade decompositora pode ser afetada de forma diferente e por sua vez afetar a magnitude do processo de decomposição. Por exemplo, em regiões onde as precipitações serão ainda mais escassas, como no semi-árido brasileiro, a desconexão entre ecossistemas aquáticos pode não influenciar a comunidade de bactérias heterotróficas, porém pode influenciar a comunidade de macroinvertebrados, que tem menor habilidade de dispersão.

O efeito mais consensual em relação à temperatura é que seu aumento pode afetar as taxas de processamento da matéria orgânica diretamente através da influência na respiração aquática associado ao aumento na taxa metabólica dos organismos. Entretanto, a composição da comunidade decompositora pode responder de forma diferente às mudanças no clima. Por exemplo, BOYERO ET AL. (2011), analisando 27 ambientes aquáticos continentais distribuídos em gradiente latitudinal, encontraram que a mudança climática não afetaria a decomposição nos rios temperados, uma vez que a redução da decomposição mediada por detritívoros seria contra-balanceada pelo aumento da decomposição via comunidade microbiana. Dessa forma, os autores sugerem com base na previsão do IPCC (2007) que ambientes temperados sejam mais afetados pela temperatura e, conseqüentemente decomposição, que os ambientes tropicais.

Apesar da escassez de estudos em ambientes tropicais, já se sabe que da imprevisibilidade na resposta metabólica dos organismos decompositores (especialmente bactérias) devido a suas elevadas amplitudes de variação nas taxas de respiração pois estas taxas de respiração, apesar da relação direta com a temperatura, têm uma limitação metabólica à partir de 15ºC. Frente a isso, surgem peculiaridades na regulação dos processos de decomposição nos trópicos. Nesse sentido, ainda não está claro se o aumento da temperatura causa mais emissão de CO2 pela decomposição ou absorção pela produção primária, mas pode-se inferir que ambientes tropicais também podem ser consideravelmente afetados pelas mudanças de temperatura. Além disso, alterações no regime de precipitação também precisam ser consideradas.

As mudanças climáticas são apenas um dos estressores ambientais com potencial para alterar os processos ecológicos dos ecossistemas aquáticos e consequentemente seu funcionamento, outro seriam a acidificação antropogênica, uso do solo, introdução de espécies exóticas, substâncias bioacumuladoras (como o mercúrio), eventos de seca extrema e a depleção do ozônio estratosférico, que influencia a entrada de radiação ultravioleta (UV). De qualquer forma, as respostas do ecossistema a cada estressor isoladamente pode ser menor do que os efeitos combinados, o que nos leva a questionar sobre os efeitos sinérgicos que podem estar acontecendo ou que acontecerão caso as previsões do IPPC de 2007.

Além destes impactos, os ecossistemas aquáticos continentais são utilizados em demasia pela agricultura na irrigação e também acabam operando como processadores dos agrotóxicos e fertilizantes químicos que, uma vez lixiviados, modificam os processos de decomposição comprometendo o uso e disponibilidade da água, inclusive à agricultura.

Voltando ao CO2, um dos principais causadores do aquecimento global e considerando ainda o cenário de aumento na precipitação de chuva em áreas tropicais, torna-se ainda mais preocupante o fato de que maiores inputs de nutrientes em áreas com elevado uso de agricultura tem efeitos positivos na taxa de mineralização e aumentam a saturação de CO2 em lagos.

De fato, as mudanças climáticas alteram a concentração de Carbono Orgânico Dissolvido (COD) na água e com isso a resistência de penetração ao UV, o que reduz a produção primária que é uma das bases da teia trófica aquática. A precipitação, responsável pela entrada de material alóctone nos corpos d’água, provoca diminuição do COD e com isso aumento da exposição do UV nos organismos, desde os microorganismos (ex.: bactérias e zooplâncton) à macrofitas, macroinvertebrados, peixes e anfíbios; já que existe uma relação indireta e estreita entre COD e radiação UV.

A diminuição da precipitação em determinadas áreas do globo em conjunto com a acidificação da água podem atuar sinergicamente e expor ainda mais esses organismos ao UV, já que a acidificação aumenta a penetração de radiação UV devido a diminuição na concentração de COD de alta qualidade. A radiação por induzir a mineralização do COD, causa modificações biogeoquímicas e de qualidade da água. Isso pode levar a efeitos que desestruturam certos atributos da comunidade (ex. distribuição, fenologia e comportamento das espécies; e organização das redes alimentares; além dos já citados).

A previsão dos efeitos adversos em ambientes aquáticos continentais, especialmente na região tropical, é fundamental para que organizemos e planejemos o desenvolvimento da sociedade, especialmente em países em desenvolvimento que estão na região tropical do globo e têm os ecossistemas menos estudados. Desta forma, o caminho para a busca de respostas está realmente na ampliação de estudos e modelos que tratem das especificidades climáticas e peculiaridades ambientais dos trópicos. 

Autores: Fabíola da Costa Catombé Dantas, José Luiz Alves Silva & André Megali Amado.