E você filósofo, serve pra  quê?

João Gilberto Engelmann

Às vezes parece que as tentativas da filosofia de consolidar uma unidade entre as múltiplas determinações do mundo foram ou são vãs. Um caráter dual ainda mascara aquela unidade tão quista e sofrida de ser implementada. Por natureza, parece que o homem tem por vocação, e até se sente melhor por isso, fazer minuciosas distinções pondo cada coisa em seu lugar; cada mínima determinação em um lugar de destaque ou supressão. E isso, também, no que diz respeito às ciências. Talvez, de matriz positivista, uma separação real e drástica instaura uma cisão insuperável e uma barreira intransponível de se analisar a ciência como um todo. Parece até de bom grado e som que se diga que isso pertence ao exclusivo domínio desta ou daquela ciência e que, caso outra empreenda saber num domínio que não o seu, a legitimidade e veracidade do diálogo se vê na retranca. Como se ao matemático não fosse dado a possibilidade de dizer sobre a Psicologia; que ao Direito não pudesse ser dado a propriedade de dialogar com a Metafísica; que à Filosofia fosse negado o direito de conversar com a Física. E a vigência de tais distinções se percebe pela necessidade de se falar sobre o assunto, tão em voga no universo da filosofia e tão desatualizado em outros ambientes científicos.

Cabe dizer, que a cientificidade, ao que se diz, não é predicação que se deva ou possa dar à Filosofia. Que a descentralidade de seu foco a remete a uma inconsistência de objeto e que por isso não há uma contribuição que se possa ser medida pelo quântico da matemática; que possa ser mensurado pela regência psicológica ou posto à anatomia da medicina e áreas afins; que, na verdade, a Filosofia é a ocasião, o momento em que o homem não está preocupado com a realidade e que daí se dá às divagações surreais que no mundo não devem ter muita incidência, afinal, os filósofos não tem em suas teorias a prática, dita tão necessária ao engendramento do mundo. Dito mais, que a filosofia é até boa para que se organize um tanto o jogo dos raciocínios e que por isso é até interessante tê-la como disciplina de um semestre; outros, mais ágeis no combate, ou talvez mais sinceros, dizem de bom som que, na verdade, não serve para nada. Disso tudo, até que não adianta de nada dedicar-se ao estudo da ciência filosófica uma vez que as crises de um único questionamento remetem o ser filosófico a uma depressão existencial de pensar seu itinerário acadêmico: pra que serve a filosofia? É por isso que em filosofia reside a morada da pretensão e arrogância e tal arroto, na verdade, acusa o assassínio da vontade de se estudar filosofia.

Mas aos filósofos é dado muito mais que a arrogância e pretensão a eles dedicados por um senso comum pra lá de científico. É dado saber, além disso, que a máscara da pretensão é usada justamente nos rostos tão focalizados, para não dizer alienados, na centralidade de sua ciência. Que aí reside a ignorância especializada em conhecimento; o inculto refinado do saber cindido em partes tão pequenas quanto suas visões de mundo. Da filosofia não se espera que seja a vovozinha que aguarda ansiosa a chegada de uma chapeuzinho inocente e afável; mas que, sobretudo, está preparada para que se veja arrombada pela arrogância e ignorância do lobo feroz, com a maldade e má vontade própria, e que só sabe mesmo comer compulsivamente a única carne, e que não se dá a legumes e frutas e a todas as comidas disponíveis na mesa das ciências. Em filosofia, preserva-se a ferocidade do lobo que traz sobre si a intrínseca necessidade de pôr-se de unhas e dentes na presa difícil, mas conserva a pluralidade desta mesma presa que, posta de lado, é aprendida outra e de novo outra sendo, pois, capaz de tê-las todas diante dos olhos da razão e visão de mundo. A filosofia tem o dom de ver além das aparências; perceber fora do imediato que se expressa numa ferida aberta ou num corpo que caí; numa planta que seca ou no mal feitor que pára diante da cela. Nisso reside a resposta ao " para que serve a filosofia?". A filosofia pode concordar quando a matemática diz que dois e dois são quatro; mas sua crítica não deixa de evidenciar que dois renomados matemáticos somados a dois paupérrimos miseráveis não são quatro pessoas atendidas em suas necessidades. A filosofia consegue pedir à matemática e à psicologia o que há para além dos números e da mente; para a química e a biologia, o que para além das fórmulas e reações e do corpo só de um animal; consegue pedir a todas elas: e o homem, que lugar ocupa em sua ciência? Porém, se estes questionamentos, de fato, não são importantes; se perguntar pela felicidade ampla do homem que não reside só na medicina ou na psicologia, não só na matemática ou na fisiologia, mas em todas elas conjuntamente, não tem nenhum sentido e que não fazem parte da realidade humana, então concordo: a Filosofia não serve para nada.

Acadêmico do 6º semestre de Filosofia IFIBE.