O êxito empresarial no Brasil ainda está dissociado do desenvolvimento econômico. Pior, o desenvolvimento de capacidades e habilidades empreendedoras, que de fato podem oferecer musculatura gerencial fundamental ao êxito empresarial, não é, nem de longe, prioridade dos governos (federal, estaduais, municipais). As organizações e instituições responsáveis pelo desenvolvimento econômico e empresarial, nos níveis público e privado, em sua maciça e esmagadora maioria, estão muito distantes de soluções e esforços conjugados para sanar tamanho descalabro. As taxas anuais de mortalidade empresarial têm-se mantido estáveis nos mais diversos cenários econômicos do país, e isso, por si só, é o indicador essencial de como o grave problema está sendo tratado por quem toma decisões neste país.

Para ampliar ainda mais a distância já abissal entre os ganhos do desenvolvimento econômico e melhores taxas de natalidade e sobrevivência empresarial, o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) identificou números superiores a 17 milhões de negócios informais em plena operação no Brasil. Some-se a isso a sucessiva quebra de recordes de arrecadação da receita federal, lembrando que os impostos já avançam para quase 40% do PIB, uma voracidade arrecadadora sem precedentes.

De um lado as micro e pequenas empresas formais não conseguem superar as deficiências originadas das incapacidades e inabilidades de seus donos ou sócios, que além disso têm de enfrentar um dos ambientes empresariais mais hostis do planeta. De outro, imensos exércitos de excluídos ou não admitidos no ambiente empresarial formal, ou excluídos ou não admitidos no mercado de emprego formal, buscam n formas de sobrevivência, apesar dos bilhões de reais despejados nos programas sociais para sustentar outros exércitos de famintos e excluídos, aí incluídos outros exércitos de aproveitadores alimentados por uma imensa rede de corrupção e favorecimento.

O custo de parte desse cenário digno de Dante é indecente. Em apenas três anos, de 2000 a 2002, fecharam quase 800 mil empresas formais, que despejaram no mercado 2,4 milhões de desempregados e um custo econômico de quase R 20 bilhões. Tomo a iniciativa de alertar aqui porque as estatísticas não se debruçam sobre isso -, quanto ao custo social e emocional que tal desastre provoca. Certamente famílias inteiras e amizades longevas foram fatalmente destruídas, triturando casamentos, relações fraternas, vínculos pessoais, emocionais, psicológicos, transcendentais. Para a estatística os números são matéria-prima, para os analistas são referências, para os políticos... bem, esta categoria animal não costuma pensar sobre questões nas quais não podem ganhar ou levar vantagem.

As organizações e instituições responsáveis pelo desenvolvimento econômico e empresarial, nos níveis público e privado, em sua maciça e esmagadora maioria, estão literalmente muito distantes de soluções e esforços conjugados para sanar tamanho descalabro (novamente).

Diante desse cenário neste 2007, aonde a economia brasileira exibe vigores totalmente vinculados ao exuberante crescimento da economia internacional (diferentemente da propaganda oficial, que credita isso a um novo milagre brasileiro), o momento é estratégico para um choque de empreendedorismo, uma jornada nacional que favorecesse o chamado espírito empreendedor do povo brasileiro, tão cantado e decantado até nessa mesma propaganda oficial, porque nós não desistimos nunca (sic)... se bem que prefiro a máxima de Câmara Cascudo: o melhor do Brasil é o brasileiro.

Um choque de empreendedorismo significaria algo como uma cruzada pelo desenvolvimento econômico sustentável e sustentado, pois é mais que sabido e conhecido o valor do empreendedorismo para a criação de empresas, empregos e inovação. Os diversos estudos sobre desenvolvimento econômico em países do primeiro mundo ou em países que estavam na vanguarda do atraso, e que superaram suas enormes deficiências estruturais, demonstram claramente a opção de políticas de estado ancoradas em cinco bases: educação, crédito, desregulamentação, proteção e inovação,  Esse vigoroso hexágono desenvolvimentista, que funcionou para o Japão do pós-guerra, para os tigres asiáticos, para uma parte das nações que agora se incorporam à Comunidade Européia e mais uma meia dúzia de outros países, é praticamente inexistente no Brasil.

Entende-se a educação como um processo de longo prazo, planejado e persistentemente executado, para dotar os cidadãos com bases de formação, informação e conhecimento amplos, consistentes, alinhados com propósitos estratégicos da economia e do desenvolvimento social. A educação é a chave mestre de qualquer projeto ou processo de desenvolvimento, em qualquer tempo. Desde os gregos até os coreanos, irlandeses e espanhóis, a educação tem sido o diapasão do desenvolvimento. Basta comparar: a média de anos de estudo do trabalhador brasileiro não ultrapassa 3,5 enquanto que a média de trabalhadores do primeiro mundo supera os 12 anos (três vezes mais!).

O crédito amplo e irrestrito, até mesmo subsidiado e especialmente para investimentos, é outra face do hexágono desenvolvimentista dos países vencedores, considerando ainda que sua distribuição é ampla em todas as bases empresariais, e não apenas para grandes grupos privilegiados, como é comum no Brasil.

A desregulamentação juntamente com a proteção, formam as faces da moeda que promove a capacidade competitiva de nações há pelo menos dois séculos. Desregulamentar é a prática adotada para que negócios possam viscejar na economia, eliminando as barreiras naturais que o estado e a burocracia insistem em criar para justificar empregos, alimentar cartórios e estimular conchavos. E a proteção adotada pelos vencedores restringe-se exclusivamente aos mais capazes para competir, sejam pequenas empresas ou grandes conglomerados. Não lembra nada a farra protecionista que há mais de meio século campeia na terra brasilis, para setores ou fracos ou dependentes de decisões governamentais.

Finalmente a inovação fecha com chave de ouro o hexágono desenvolvimentista, pois sem ela não há a menor possibilidade de sobrevivência no mundo competitivo moderno. E a inovação é a capacidade de quebrar paradigmas, de buscar o novo, o inédito, ser melhor, ser mais rápido, ser mais barato, ser mais competitivo. Nesse campo, aonde a criatividade é a base de sustentação, o Brasil é campeão, reconhecido internacionalmente, mas nada estimulado internamente.

Nossa capacidade de inovação esbarra diretamente na incompetência do estado em promover a integração econômica, seja através da extensa malha legislativa e reguladora que promove a guerra fiscal entre estados e municípios, seja através do enorme distanciamento entre a universidade e a sociedade. Mais ainda, para cada novo produto, serviço, desenho, projeto ou marca existe uma infindável lista de processos, carimbos, requerimentos, taxas, taxas e mais taxas para que um empreendedor ou empresa possa ter alguma garantia de propriedade, não considerando que o INPI está sucateado e os processos ali depositados já acumulam meia década de atraso para análise.

Enfim, um choque de empreendedorismo que possa nos arrancar do eterno berço esplendido a que estamos submetidos desde os primórdios do descobrimento, me parece uma decisão que já ultrapassou o regime de urgência urgentísssima. Impregnar a sociedade  com os valores do empreendedorismo e da ação com base em metas programadas é a única saída para uma país continental como o nosso. A diversidade étnica nos favoreceu, assim como nossa posição geográfica está defendida da incontinência climática e dos clamores cataclísmicos da natureza. Temos vantagens comparativas e competitivas consistentes. Nos falta a ação com base numa estratégia.

Os próceres desse processo, além dos governos, são organizações da sociedade civil, desde entidades de representação até instituições de fomento, de promoção e de estimulação ao empreendedorismo. É preciso estabelecer metas de longo prazo que devem ser perseguidas diuturnamente, incansavelmente.

E quero deixar aqui uma sugestão de meta como contribuição para os tomadores de decisão deste país: até 2010, todas as universidades e escolas superiores deverão ter implantados programas de capacitação empreendedora e dotar seus formandos de habilidades para lidar com o auto-emprego, auto-gestão de carreira e auto-suficiência em sobrevivência profissional. É preciso dar fim imediato à avalanche de profissionais que são despejados no mercado de trabalho sem saber por onde começar, porque foram treinados para serem empregados e a buscarem salários e estabilidade, exatamente o que não existe há quase duas décadas. Milhões de professores foram e estão sendo formados com o mesmo DNA de empregado e multiplicam isso ad nausean. Chega!