E O PARADEIRO DE MATIAS?

 

Uma das coisas que mais admiro Bíblia é que ela não apresenta seus personagens como super-heróis. Todos os heróis da Bíblia são apresentados como pessoas normais, com virtudes e defeitos.

Seus relatos, também, embora verdadeiros, nos dão liberdade para analisá-los com toda a acurácia a fim de descobrirmos neles toda a verdade ali contida.

Um desses relatos mais interessantes e controvertidos foi a escolha e inclusão de Matias no colégio apostólico.

A nascente e inexperiente igreja usou um método judaico, embora pouco ortodoxo na visão cristã – o lançamento de sortes. Vamos acompanhar o relato para melhor nos situarmos.

“E naqueles dias, levantando-se Pedro no meio dos discípulos (ora a multidão junta era de quase cento e vinte pessoas) disse: Homens irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus; porque foi contado conosco e alcançou sorte neste ministério. Ora, este adquiriu um campo com o galardão da iniqüidade; e, precipitando-se, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram. E foi notório a todos os que habitam em Jerusalém; de maneira que na sua própria língua esse campo se chama Aceldama, isto é, Campo de Sangue. Porque no livro dos Salmos está escrito: Fique deserta a sua habitação, e não haja quem nela habite, Tome outro o seu bispado. É necessário, pois, que, dos homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição. E apresentaram dois: José, chamado Barsabás, que tinha por sobrenome o Justo, e Matias. E, orando, disseram: Tu, Senhor, conhecedor dos corações de todos, mostra qual destes dois tens escolhido, para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se desviou, para ir para o seu próprio lugar. E, lançando-lhes sortes, caiu a sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze apóstolos”. Atos 1.15-26.

Quando esta eleição foi realizada, o Espírito Santo ainda não tinha descido sobre a igreja. Até que ponto foi lícita essa escolha?

Muitos estudiosos são unânimes em dizer que houve uma precipitação por parte do sempre apressado e estouvado Pedro e que, se tivessem aguardado uma escolha mais sobrenatural, certamente Deus lhes indicaria o 12º. apóstolo, Paulo.

Mas você poderia dizer: mas Paulo não foi testemunha. Verdade? Mas é o mesmo Paulo que reivindica seu apostolado. Vejamos alguns indícios.

“Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor nosso? Não sois vós a minha obra no Senhor?” 1 Co 9.1.

“Se eu não sou apóstolo para os outros, ao menos o sou para vós; porque vós sois o selo do meu apostolado no Senhor”. 1 Co 9.2.

Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos)”. Gl 1.1.

“Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus”. 2 Co 1.1.

“Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis. Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze. Depois foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também. Depois foi visto por Tiago, depois por todos os apóstolos. E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”. 1 Co 15.1-10.

Existe alguma dúvida que Paulo foi chamado e consolidado como apóstolo de Jesus Cristo?

E Matias?

Depois da eleição, aquele amado e santo irmão mergulha em um ostracismo total, não o vemos na obra da evangelização, seu  nome não é citado, não escreveu uma epístola, nem mesmo na História da Patrística e na Patrologia seu nome é mencionado.

Seu paradeiro ficou desconhecido e imerso em total obscuridade.

Estranhamente Matias não estava no cenáculo, junto com os onze, aguardando a descida do Espírito Santo.

Mesmo depois dos apóstolos originais, a teologia bíblica reconhece outros apóstolos tais como Barnabé, Tiago, irmão do Senhor, Andrônico e Júnias, parentes e companheiros de prisão de Paulo, “os quais se distinguiram entre os apóstolos”. Rm 16.7.

Com grande probabilidade, também Silvano, também chamado Silas.

O grande entusiasmo do início da igreja gerou um apóstolo institucional, certamente um abençoado irmão, que deu sua parcela de contribuição na obra do Senhor, mas que certamente não estava no plano original de Deus para ser apóstolo.

Veja como, mais tarde, o Espírito Santo escolheu de forma inequívoca e gloriosa, os apóstolos Barnabé e Saulo (ou Paulo).

“E na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E assim estes, enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. E, chegados a Salamina, anunciavam a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus; e tinham também a João como cooperador”. Atos 13.1-5.

Observe a tremenda diferença entre esta escolha e a escolha de Matias.

Eu creio que é assim que deve ser o chamado e comissão de um ministro de Deus.