É a vida... Por favor, me ajude. Preciso de um dinheiro para comprar comida, dizia ela enquanto estendia as mãos, esperando que algo lhe fosse dado. Mas nada, as pessoas passavam e não a viam. Ou fingiam não vê-la, nem ouvi-la, para não ter um envolvimento maior com a dor alheia. A dor que era melhor ser ignorada. Vez por outra trazia uma criança consigo. Dizia que era para passear, para ver um lado melhor da vida. Ficava sentada, observando sua criança andar de um lado para outro, olhando curiosa, o que acontecia à sua volta. À noite, ela contaria para seus irmãos tudo que tinha visto. Mas não o que tinha sentido ao sentir-se ignorada, à margem da vida. Isso eles sentiriam quando fosse a vez de passear com a mãe, pois cada um interpreta atos e atitudes à sua maneira. Compreende o mundo de modo diferente do outro, olha a vida com seus próprios olhos. Eu a conhecia a tanto tempo... Sempre no mesmo lugar. Na esquina da padaria da praça. Vez por outra eu parava para bater um papinho com ela. Sempre limpinha, com um sorriso tímido no rosto. Só não aparecia nos dias de chuva. Chegava cedinho e ia embora para casa por volta das 14h. Dizia que precisava buscar os filhos na creche. Eu gostaria tanto de poder trabalhar, dizia ela. Quando estava na minha cidade, trabalhava na roça. Mas os filhos foram chegando, e o marido foi embora. Não tinha família por perto. Uma vizinha tomava conta de meus filhos. Metade do que eu ganhava, dava para ela. Nada mais justo. Mas, depois de ouvir de várias pessoas, que a vida na cidade grande era melhor, decidi vir para São Paulo. As crianças ficaram felizes, fazendo muitos planos. Trabalhariam, guardariam dinheiro e comprariam uma casa para nós. Teríamos a mesa farta! Doce infância... Procurei nas minhas poucas coisas, e encontrei o endereço de minha tia Maria, irmã de minha mãe. Nós não nos víamos a muitos anos. Mas tia era tia, já dizia minha avó. É sangue do mesmo sangue. Com certeza ela nos acolheria. Afinal, família era para isso, não é? Ajudar uns aos outros. Chegamos em um sábado pela manhã, pois assim encontraríamos todos em casa. Mas, o que pensei, não foi nada do que aconteceu. Minha tia apareceu com ares de poucos amigos, mas mesmo assim, convidou-nos para entrar. Não gostou nada ao saber que tínhamos vindo para ficar. Ficou resolvido que eu deveria ir embora já na segunda feira pela manhã. Para onde? Não sei, mas aqui não. Tenho muitas bocas para alimentar, disse ela. O que eu der para vocês, vai faltar para os meus. Ela não tinha aprendido partilhar. Talvez não fosse por culpa dela, mas sim da vida que se mostrava amarga. Morar na rua se fez necessário. Eu não tinha onde ir. Mas depois de alguns dias, um anjo bom apareceu e ofereceu um lugar para morarmos. Iria voltar para sua terra, e deixaria para nós, o barraco que foi tão difícil construir. O barraco nos pareceu um palácio. Foi um dos dias mais felizes de nossas vidas...