Nasci e chorei como toda criança. Me caguei todo até aprender a controlar meu próprio sistema fisiológico. Chorei até aprender exprimir meus desejos através das palavras. Engatinhei e ralei o joelho até aprender a ficar de pé. Ganhei presentes que jamais me chamaram a atenção. Acreditei em papai Noel. Aprendi a me equilibrar em cima de uma bicicleta. Coloquei apelidos e fui perverso com crianças inocentes. Fui apelidado e também sofri a perversidade de outros garotos. Comi merenda e pão com ovo.  Cheguei em casa com um olho roxo. Estudei e fui elogiado. Não me apliquei e tirei zero. Colei e passei cola. Aprendi a repartir as coisas. Maquinei situações e fui artista para não ter de dividir nada com ninguém. Fui um adolescente rebelde que acreditava que sabia tudo.  Fui bondoso e carinhoso. Fui dissimulado. Decepcionei meus pais e fiz que eles derramassem lágrimas de preocupação comigo. Alegrei meus pais e fiz que eles sentissem orgulho do filho que criaram. Fui fútil e inconsequente.  Morei com estranhos que viraram amigos. Menti um milhão de vezes para não ter de assumir uma responsabilidade. Fui digno e assumi meus próprios erros. Me apaixonei e me decepcionei.  Gostei de quem não notava a minha existência. Fui injusto com algumas pessoas. Entendi o verdadeiro valor de um amor depois de tê-lo perdido. Enganei e fui enganado. Fui objeto de cobiça. Saí com mulheres cabeças e desequilibradas. Tentei e fui tentado. Me apaixonei novamente inúmeras vezes. Decepcionei outras tantas vezes. Sonhei acordado. Fui romântico e atencioso. Fui frio e insensível. Me tornei idealista. Tive orgulho e preconceito. Tornei-me mocinho para casamento. Fui também o cafajeste em que todas as moças decentes deveriam permanecer afastadas. Errei tentando acertar. Magoei pessoas que não mereciam. Fui amigo e aprendi a guardar segredos. Desconsiderei minhas limitações e sonhei alto. Me acovardei e tive medo de apostar no incerto. Me dediquei a uma causa. Fiz trabalho voluntário. Brinquei de banco imobiliário. Chorei a perda de alguém que amava. Entendi o poder da fé. Enterrei pessoas ainda estando em vida e também fui enterrado por algumas. Perdi a fé diante de uma prova infindável. Conversei com Deus.  Presenciei um milagre. Senti solidão mesmo estando rodeado de pessoas. Me senti completo mesmo estando sozinho. Adoeci por insistir em velhos amores. Escrevi uma carta que jamais foi entregue. Me encontrei e me perdi novamente. Li bons livros. Fui à ópera e ao pagode. Arranquei um sorriso de uma linda mulher. Fiquei bêbado e dei vexame. Me apequenei pela hipocrisia ao dar conselhos que eu sabiamente não cumpriria. Cortei carboidratos para emagrecer. Me entupi de chocolate. Acordei me sentindo exuberante. Relutei em sair de casa por considerar que tudo em mim era feio e grosseiro. Conheci pessoas interessantes. Aprendi a admirar mais os animais ao me decepcionar com os humanos. Fui um profissional admirado. Fui um profissional medíocre. Insisti nos velhos erros. Adotei novas fraquezas. Fui reconhecido nas ruas. Fui mais um misturado à multidão. Aprendi a entender o real sentido dos conselhos de meu pai. Fui estúpido tentando demonstrar a minha razão. Fui sábio e escolhi o silêncio mesmo estando certo. Peguei carona na boleia de um caminhão para conseguir voltar para casa. Passei anos sem ter um puto no bolso. Gastei meu suado dinheiro com mulheres e coisas supérfluas. Fui responsável e economizei. Viajei de barco e de avião. Defendi inocentes em um tribunal. Vi com encantamento o nascer e o pôr do sol. Dei entrevistas para a tevê. Reconheci minha ignorância. Senti que estava ficando velho quando comecei a censurar as gerações mais novas que realizavam as mesmas tolices outrora cometidas por mim. Chorei ser tem ninguém para me consolar. Estourei champanhe, me vesti de branco e comemorei o resplandecer de um novo ano. Tive namoradas exuberantes. Vivi amores prodigiosos e cinematográficos que não criaram raízes nem até o raiar do dia seguinte. Me casei com a mulher que eu amava. Fiz bons amigos com quem eu posso contar. Fui misericordioso e alcancei misericórdia. Dei aulas e fui aluno. Fui preguiçoso quando menos podia. Trabalhei dezoito horas em um único dia sem obter resultado. Fui bom para quem não merecia. Chorei de tanto rir. Emprestei dinheiro e não recebi. Passei momentos difíceis sem esmorecer na esperança de que o melhor ainda estava por vir. Sofri retaliações e julgamentos precipitados. Errei também, ao julgar alguém, baseado apenas em um fato isolado. Aprendi a considerar pessoas inteligentes, mesmo as que manifestavam opiniões diferentes das minhas. Aumentei a confiança em Deus. Sofri sem necessidade deixando de ser feliz ao me preocupar com problemas sem solução. Aprendi a fazer barquinhos e sapinhos de papel. “Escrevi um filho, tive uma árvore e plantei um livro.” E AINDA NÃO VIVI ABSOLUTAMENTE NADA...