INTRODUÇÃO

Apresento neste espaço uma breve reflexão a partir da leitura das obras DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 6a. Ed. São Paulo: Edições Melhoramento, 1979; FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e Diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009 e VYGOTSKY, Liev Semionovich. Psicologia Pedagógica: edição comentada. São Paulo: ArtMed Editora, 2001. Os comentários não tem intenção de uso acadêmico, foram feitos num momento preparatório de estudos pessoais. Começo com uma descrição individual de cada qual e no final apresento um apontamento comparativo.

EDUCAÇÃO E SOCIOLOGIA

O que fica evidente na obra de Durkheim é que a sociedade prevalece sobre o indivíduo e isto não seria diferente nas questões escolares. A sociedade é um conjunto de normas e ações que são construídos exteriormente – fora das consciências individuais. Entender o conjunto social que nos cerca é entender também a estrutura escolar. O espaço escolar é entendido a partir da ação dos “pedagogos”. A primeira ação do pedagogo é voltar-se para o estudo da sociedade. Não se faz educação [pedagogia] sem conhecer profundamente a sociedade na qual o indivíduo está incluso. Se trouxermos a reflexão para algumas práticas que adotamos podemos contestar exames como o ENEM; Prova Brasil e outros que submetem culturas tão distintas dentro de um mesmo processo. Como pode, seguindo a linha de Durkheim, por sob o mesmo teto estudantes do Rio Grande e estudantes de São Gabriel da Cachoeira? O estudo social fará ver que as normas construídas externamente sejam condutoras do imperativo moral que rege cada parte social – que se pensa no sul possui particulares que não existem no norte. Mas o social não é o único agente externo. O processo escolar para o autor deve estar focado também no tempo. As práticas que herdamos dos jesuítas por exemplo não podem perpetuar-se.  O sucesso do processo escolar para Durkheim está diretamente condicionado aos resultados da sociologia.

PSICOLOGIA PEDAGÓGICA

A obra de Vygotsky e a de Durkheim se aproximam quando eles buscam entender os problemas da escola e vão buscar a raiz do objeto para então delinear uma reflexão. O fator que determina a educação para ambos é a sociedade, ou o social como diria o autor da obra comentada. A psicologia é fundamental porque ela faz o docente entender seu papel dentro de todo o processo e este entendimento o fará apto ao exercício profissional visando o tempo histórico no qual está inserido. Primeiro compreender a formação psicológica e depois a formação escolar. Não há como separar o ser humano do seu contexto. É este o contexto formador das reações e dos fatores sociais que levam ao desenvolvimento dos indivíduos. O emocional, as orientações internas e externas; a produção da imaginação; a memória são comportamentos complexos que desenvolvem-se por meio de códigos de linguagem. Estes códigos são fundantes na construção psicológica dos indivíduos – tanto quando pensados como escolares, quando como pensados socialmente – pois determinam formas e comportamentos. Ao terminar comportamentos fatalmente somos levados a pensar a questão moral. Embora este tema não tenha grande espaço dentro da obra ele é inerente ao textual.  A educação não tem um fim em si mesmo – diferente de Durkheim. O processo está dado para a construção de um indivíduo capaz de agir dentro de preceitos legais, de preparar-se para o trabalho (uma aproximação com a atual LDB), para agir a partir de aspectos estéticos. Mas o que foi escrito até agora visou apenas os indivíduos considerados “normais”. Mas a sociedade não se compõe apenas destes, é preciso levar em conta os anormais também. Levar em conta este público é levar em conta o esforço que o espaço escolar deve fazer para adequar-se proporcionando um choque cada vez menor entre estes “anormais” o social.  Portanto, qual é o papel da escola? Não há uma resposta clara, mas há indicativos que levam o indivíduo a agir, pensar e educar de acordo com o social que está dado e de acordo com aquilo que irá se construir.

DIÁLOGO E LINGUAGEM

Em Bakhtin também temos um encontro, uma aproximação com os autores anteriores que aqui foram analisados. Para Bakhtin e para o círculo que pertence o meio também influenciara. Neste caso não é o indivíduo em si como em Durkheim, nem as questões psicológicas como em Vygotsky, mas influencia a linguagem. O autor afirma que não há enunciados neutros. Os enunciados então são constituídos de elementos próprios de discursos postos dentro de contextos. Estes contexto formam uma realidade dada na qual as ações dialógicas são construídas. E toda ação dialógica pressupõe uma interação entre seus correspondentes formando pares de vozes sociais. O autor não menciona, mas pressupõe que ao ouvir um discurso o indivíduo que ali está, independente do motivo que o faz estar ali, está participando de uma interação linguística – de alguma forma – e a ela acrescentando. Os sujeitos são partícipes desta construção. Mesmo com um caráter envolvente o autor não descarta elementos constituinte de poder. De discursos instrumentalizados, de falas direcionadas, de diálogos dirigidos. E aqui entra um aspecto importante da obra, as questões axiológicas que estão inseridas dentro do contexto no qual o discurso está inserido. Não há discurso ou fala desprovida de valores. E estes valores que formas as vozes sociais são dados a partir de uma construção histórico-social. Em Bakhtin vemos claramente elementos da filosofia de Heidegger, “quando me olho no espelho veja a mim mesmo com os olhos do mundo – estou possuído pelo outro” (FARACO 2009, 96).” A minha visão é dada pelos olhos que criou a partir de elementos externos e a visão que o autor falar pode ser a questão da filosofia da linguagem que constitui o centro da construção textual apresentada pelo autor. Cada enunciado é uma resposta. A construção do conhecimento, a educação, a formação da sociedade dar-se-á através de enunciados. E estes constituem respostas ao ser humano. O ser humano busca respostas para dar conta dos diversos problemas que ele “enxerga” no universo simbólico ao qual está inserido e é a heteroglossia que dá sentido a este universo, sem não houvesse a linguagem não haveria universo simbólico. Ele está dada por é construído a partir de respostas que são provocadas pelos mais diferentes enunciados, numa relação entre emissor e receptor da mensagem.

CONSIDERAÇÕES

Nas próximas linhas quero apresentar uma análise das três obras aqui estudadas relacionando-as. Todas elas partem de um pressuposto que a sociedade é superior ao indivíduo e o moldam, além deste ponto, a questão axiológica se faz presente nos três autores abordados. Porém cada qual fará através de uma ótica diferenciada. Durkheim aborda através de um olhar moralizante para chegar a educação, Vigotski o fará a partir da psicologia do desenvolvimento enquanto que Bakhtin mostrará a importância dos enunciados e da filosofia da linguagem para chegar no mesmo ponto. Num primeiro momento abordarei cada qual de maneira individualizante para no final traçar então um paralelo.

A primeira obra a ser considerada é a de Durkheim. Para o pensador alemão a educação é a instituição social que forma a base fundamental para manter a cultura de uma sociedade. Sem o processo de escolarização não haverá manutenção da cultura e dos traços formativos daquele universo simbólico na qual aquela sociedade está estruturada. Os valores são transmitidos para gerações seguintes por meio do processo educação. A educação em Durkheim não tem a intenção de propor novas colunas sociais. Mas através de um sistema regrado ela tende para a manutenção do sistema já colocado. Ela é reprodutora através das regras e não são inovadoras. E ela somente poderá ser este agente reprodutor se for cercada de um ato racional – uma aproximação com as ideias weberianas. A educação teve ter bases axiológicas fortes e estruturadas numa solidariedade orgânica. A escola é o espaço do poder. Para Durkheim o educador deve mostrar seu caráter de poder para a boa condução do treinamento a fim de adequar o indivíduo aos propósitos da sociedade na qual ele está inserido. O exercício do poder por parte do educador será capaz de transformar aquele se sujeita a escolarização num verdadeiro homem social. As ideias de educação em Durkheim estão para formar o ideal de homem social. E aqui entra o papel do Estado. Na questão de poder se faz necessária a presença do Estado, não para equilibrar forças, mas para legitimar a criação do ideal de homem social. A presença do Estado garantirá um aporte legal que impedirá o surgimento de anomalias que provoquem a perturbação do funcionamento de toda estrutura social. O que vemos em Durkheim é uma ação educacional autoritária, não focando nos indivíduos, mas na sociedade. Embora haja toda uma preocupação axiológica e uma narrativa de poder nas entrelinhas o autor vem a citar que a educação em si e por si não muda o mau caráter de uma pessoa por completo. Ela pode, e o influencia, mas Durkheim em seus textos não elimina o discurso da última escolha enquanto ação estritamente individual. Ação de escolha do sujeito, mas esta ação de escolha é fruto do contexto no qual está inserido. Agora há uma questão problemática que diversos teóricos da educação constantemente combate. Para Durkheim o sujeito envolto na educação apenas é agente passivo. E aqui temos um ponto que o diferencia do próximo autor que será abordado, Vigotski.

Uma semelhança que encontramos em ambos é que a formação do indivíduo é uma formação resultante de um processo sócio histórico. Mas o sujeito que se forma não é passivo como em Durkheim, ele desenvolve uma “atividade”: ele é ativo e interativo. O indivíduo constrói seu conhecimento através da interação na qual se desenvolve com o meio que está inserido. As funções psicológicas superiores do sujeito são construídas ao longo de sua história social e de sua relação com o mundo. Como vimos em Bakhtin, para Vigotski a linguagem também tem um olhar especial. Diz este que a linguagem representa um salto qualitativo na evolução da espécie humana. Por meio dela é que as funções superiores são formadas e são transmitidas dado continuidade a transmissão cultural – algo semelhante fora proposto por Durkheim. E junto com a linguagem será a interação social o aspecto decisivo para o desenvolvimento do indivíduo. E aqui entra o papel da escola, ela é lugar da intervenção pedagógica intencional no qual é desencadeado o processo de escolarização do indivíduo, na qual ele aprende junto ao outro o que seu grupo social produz, como valores, linguagem e o próprio conhecimento em si.

O texto de Faraco sobre Bakhtin não é necessariamente um texto da educação. Ele faz circular uma reflexão acerca dos movimentos do Círculo de Bakhtin e os fundamentos da filosofia da linguagem desenvolvidos por ele. Mas este trabalho, pode em certo grau, aproximar-se com elementos trazidos por Durkheim e por Vigotski. A forte presença do meio como elemento fundante da construção individual e da importância da linguagem para a manutenção deste quadro ideológico – e aqui uma abordagem de ideologia diferente daquela proposta por Marx e pelos marxistas. Somos frutos de um universo de criação ideológica produzido a partir de uma realidade sociossemiótica na qual vemos interseridos e da qual emergimos enquanto sujeitos. O universo de criação ideológica proposto por Bakhtin pode ter o mesmo peso que o conceito de sociedade trazido por Durkheim. E a emersão deste ponto é aquilo que Vigotski chama de interação do sujeito com o universo simbólico no qual ele está inserido. A formação ativa do sujeito em Bakhtin só acontece por meio das relações dialógicas. Se não houver uma interação por meio da linguagem não há formação do indivíduo. Então, é possível transpor, sem cometer heresias, a ideia da criação do universo ideológico para o campo da educação através das mais diferentes vozes sociais.

O que há de comum nos três autores é a influência social que é exercida sobre o indivíduo e como sua formação é sujeitada por esta força. A diferença reside na forma como qual tornar-se-á um produto social. Para Durkheim esta forma é de um sujeito passivo diante do processo de adestramento sócio educacional, para Vigotski a formação é ativa e interativa enquanto que para Bakhtin ela acontece através da construção linguística dialogizada.

REFERÊCIAS

Durkheim, Émile. Educação e Sociologia. 6a. Ed. São Paulo: Edições Melhoramento, 1979.

Faraco, Carlos Alberto. Linguagem e Diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakthin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

Vygotsky, Liev Semionovich. Psicologia Pedagógica: edição comentada. São Paulo: ArtMed Editora, 2001.