Duração vocálica de palavras dissílabas do Português Brasileiro, cujas vogais nucleares são seguidas de oclusivas surdas e sonoras*

                                                                                                    

 

Jaqueline do Socorro Costa Silva

Lanna Patricia Dalmacio Teles da Silva

 

 

 

Introdução

 

 

            Os sons estão por toda parte, em quase tudo que fazemos. Esse fenômeno é observado por diversas ciências, seja pelo meio físico, matemático, filosófico, científico, linguístico etc.

            O som, segundo o conceito retirado do dicionário Aurélio, surge a partir de propagação de ondas sonoras produzidas por um corpo que vibra em meio material elástico (especialmente o ar). Em outras palavras, para a fonética, o som é uma deslocação do ar que atinge o ouvido. (Martins 2001, p. 25)

            Por muito tempo, a linguística estruturalista dedicou-se exclusivamente à catalogação dos sons que fossem característicos em uma dada língua, para obter dessa forma, o registro de fonemas daquele dialeto especifico. Por essa razão, (Souza & Pacheco 2007, p. 75) os estudos acerca de aspectos autossegmentais, como a duração das sílabas e dos segmentos, não eram realizados, a não ser nos casos em que se podia constituir uma oposição sistemática através desses aspectos, como no Latim, em que as vogais longas se diferem das vogais breves.

            Desta forma, somente após a adoção de novos rumos da Linguística, sob uma visão não linear, esses aspectos autossegmentais passaram a ser foco dos estudos fonético-fonológicos.

            Sabe-se que para a produção dos sons da fala, diversos órgãos são utilizados para a confecção e modelagem do som emitido. Na disciplina Fonética e Fonologia, vimos que esse ciclo de recepção e transferência é analisado e separado pelos estudiosos em: Fonética Articulatória, Acústica e Perceptual ou Auditiva.

 

 

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* Trabalho de Fonética Acústica realizado na disciplina LA01121 Fonética e Fonologia, sob responsabilidade da Profª Doutora Regina Cruz, no segundo período de 2011.

            No caso deste trabalho, voltaremos nossa atenção para a Fonética Acústica, que de acordo com Fromkin e Rodman (1993), interessa-se apenas pelos sons da fala, todos eles perceptíveis pelo ouvido humano.

            Ainda, segundo Souza & Pacheco (2007), tendo em vista o caráter contínuo, e não discreto, da fala, os segmentos são passíveis de serem influenciados entre si e, consequentemente, sofrerem mudanças em suas características articulatórias, acústicas e, até mesmo, autossegmentais, podendo haver, por isso, uma interferência fonológica nesses segmentos.

           

Material e métodos

 

Corpus

 

            Para a realização deste trabalho, foi proposto um corpus com palavras dissílabas com a estrutura CVCV (consoante/vogal) e CVCVC (consoante/vogal/consoante), com as vogais /i/, /e/, /E/, /a, //, /o/ e /u/ (todas pertencentes ao PB²), ocupando a posição de núcleo silábico. A posição das consoantes que sucedem as vogais, é composta pelas oclusivas surdas /p, /t/ e /k/ e pelas oclusivas sonoras /b/, /d/ e /g/. Têm-se, assim, as seguintes palavras no quadro abaixo:

Oclusivas

     

     /i/

 

/e/

 

/E/

 

/a/

       

     //

 

/o/

       /u/

 

Surdas

fico

pecar 

seca   

tap

cota   

rot

pupa  

 
 

Sonoras

figo

pegar

cega  

taba

coda    

rod

puba  

 
 

           

Vocabulário

Taba: sf. Bras. Etnograf. Aldeia de ameríndios.

Coda: Segmento consonântico que ocupa a parte final da sílaba.

Roto: (ô) adj. 1. Que se rompeu. 2. Esburacado; rasgado. 3. Maltrapilho.

Pupa: sf. Estágio intermediário entre a larva e a fase adulta.

Puba: Farinha fina, utilizada na preparação de mingau.

 

 

 

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² PB: Refere-se a Português Brasileiro.

Gravação do corpus

 

            As palavras do corpus foram apresentadas a uma informante: Falante do PB, nascida e criada em Belém do Pará, idade 26 anos, do sexo feminino que nunca viajou para fora do Estado.

            A locutora cursou durante um ano e dois meses o curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade do Estado do Pará (UEPA), no campus X que fica localizado no município de Igarapé-Açu, nordeste do Pará e atualmente esta matriculada no primeiro semestre do curso de Letras/Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

            A informante não fala, nem estudou nenhuma outra língua que não pertencesse ao seu dialeto (exceto, nas aulas de língua estrangeira ministradas nas escolas e nos cursinhos onde estudou).

            As expressões foram lidas pela informante e gravadas com um intervalo de tempo indeterminado entre uma palavra e outra.  Foram realizadas três gravações, todas efetuadas na Universidade Federal do Pará – UFPA, na sala do Centro Acadêmico de Letras – CAL, que fica localizado no campus básico, no bloco GB01.

            Para a realização das gravações foram utilizados os seguintes equipamentos: um gravador digital (M-Audio, Microtrack II), um microfone (Philips, Sbc md 140) e um Netbook (CCE). Cada palavra foi gravada duas vezes, obedecendo a seguinte ordem: vogal nuclear seguida de oclusiva surda e vogal nuclear seguida de oclusiva sonora (fico, fico/ figo, figo), essas repetições foram sugeridas para minimizar possíveis erros de medida.

 

Aquisição da medida de duração

 

            Como a taxa de elocução do informante não foi controlada na gravação das palavras dissílabas, a medida de duração dos segmentos usada nas análises e expostas no gráfico (ver página: 6), foi obtida através da média de elocução das palavras, visando minimizar o problema das alterações de taxa de elocução das duas ocorrências de cada palavra, para com isso evitar o valor absoluto da duração de um segmento, já que ora se realiza com uma maior duração ora com uma menor, devido a maior ou menor taxa de elocução do falante.

 

            Para melhor entender esta aplicação realizada com os dados, observe a figura abaixo, que mostra o espectrograma visualizado com o auxílio do software PRAAT.

 

Figura 1 – Visualização dos espectrogramas no programa PRAAT.

 

VOGAL

CONSOANTE

DURAÇÃO (ms)

/i/

Surda / k /

153

/i/

Surda / k /

144

Média

 

148,5

Tabela 1 – Demonstração de como foi realizada a coleta de dados sobre a duração vocálica antes de oclusivas surdas e sonoras.

 

Análise dos dados

 

            A análise dos dados foi feita a partir da visualização dos espectrogramas expostos através do programa PRAAT, que possibilitou a medida dos segmentos, já que o software transforma ondas sonoras em espectrogramas (como pode ser visualizado na figura acima).

            Como a finalidade deste trabalho é apresentar a medida da duração das vogais nucleares seguidas de oclusivas surdas e sonoras no PB, essas avaliações foram realizadas, através da análise do trecho de realização vocálica, compreendida entre o início (onset) e o fim (offset), diferenciados no espectrograma por meio da transição formântica³ sincronizado à forma de onda onde são identificados pelos picos relativamente homogêneos se confrontados com as consoantes.

 

Resultados

 

            As implicações encontradas neste trabalho assinalam diferenças entre o que a

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³ Transição formântica: é a passagem das frequências formadas a partir do trato oral (modelagem do som).

literatura vem abordando sobre a duração segmental no Inglês. Fry (1979), assim como House & Fairbanks (1954) apud Souza e Pacheco (2007), verificaram que a duração vo-

cálica e a distinção de consoantes surdas e sonoras estão intrinsecamente relacionadas na língua inglesa.

            Complementando, Fry (1979) apud Souza e Pacheco (2007) expõe, sobre a duração das consoantes oclusivas, pois segundo o pesquisador: as oclusivas surdas apresentam uma maior oclusão que as sonoras.

            No entanto, como foi observado a partir das palavras encontradas no PB e também a partir do tipo de corpus empregado, diferentemente do que foi exposto nos parágrafos acima, Souza & Pacheco (2007), comentam que enquanto no Inglês, as vogais se diferem apenas quando se relaciona o valor de sua duração diante de oclusivas surdas e sonoras, as vogais no PB, tendem a ser mais longas diante de oclusivas sonoras do que perante oclusivas surdas.

            Como pode ser observado a seguir:

 

VOGAL

 

CONSOANTE SURDA

 

DURAÇÃO (ms)

/ i /

k

148,5

/ e /

k

86,5

/ E /

k

188,5

/ a /

p

205

/  /

t

183

/ o /

t

173

/ u /

p

159,5

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 2 – Média da duração em milissegundos (ms) das vogais nucleares antes de consoantes oclusivas surdas.

 

 

VOGAL

 

CONSOANTE SONORA

 

DURAÇÃO (ms)

/i/

g

175,5

/e/

g

105,5

/E/

g

201

/a/

b

220

//

d

197

/o/

d

205

/u/

b

165

 

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 3 - Média da duração em milissegundos (ms) das vogais nucleares antes de consoantes oclusivas sonora.

Gráfico 1 – Comparação das médias obtidas através de vogais nucleares que antecedem as consoantes oclusivas surdas e sonoras em palavras dissílabas do PB.

 

 

 

Conclusão

           

            Ao considerar os resultados obtidos neste estudo, pode-se concluir que a dimensão da duração vocálica em vogais nucleares encontradas em palavras dissílabas, presentes no PB, depende da posição consonantal das oclusivas surdas e sonoras que sucedem as mesmas, em outras palavras, de acordo com Souza & Pacheco (2007), a distinção fonológica entre surda e sonora não se caracteriza, pela duração segmental, já que a literatura aponta que as vogais têm sua duração influenciada pela presença de consoantes oclusivas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, pp. 566-568-645.

 

FROMKIN, Victoria & RODMAN, Robert. 1993. Introdução à Linguagem. Coimbra: Livraria Almedina, pp. 65.

 

MARTINS, Maria Raquel Delgado. Ouvir Falar: Introdução a Fonética do Português. 3ª ed. Lisboa: Caminho, Coleção Universitária, pp. 25.

 

SOUZA, L. C. da S.; PACHECO, V. Uma investigação acerca da natureza duracional dos segmentos vocálicos e consonantais em monossílabos CV no PB: informação fonética ou fonológica. In: FONSECA-SILVA, M. C.; PACHECO, V.; SILVA, E. G. (org.). Pesquisa em Estudos da Linguagem III. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2007. pp. 75-85.