Artigo elaborado por: Mestre José Jacinto Fernando Rombe Universidade Pedagógica de Moçambique – Departamento de Ciências Sociais e Filosóficas Delegação da Beira – Docente de Filosofia Subject: The Two philosophical ways of the Methodology of Universal Scientific Inquiry in Hans Georg Gadamer and Thomas Samuel Kuhn. ABSTRACT The time contemporary is considered a time of transition between the modern paradigm of science and a new paradigm that modify the traditional principles of the scientific progress, thus raising, dramatically problems and new epistemological challenges. Gadamer, worried about the truth and determination of the universal method, to the light of the science of the hermeneutics makes resource to the hermeneutic circle for the construction of dialogue with object of the reflection aiming to understand it. Kuhn, worried for the progress of science, questions the consecrated positivists dogmas, and tries to understand the science not so much as the gradual accumulation of new gnosiológics data., but as a dialectic process marked by the revolutions of the scientific thought, whose revolutions are the moment of the disintegration of the traditional in one discipline, forcing the professionals community to reformulate the set of commitments where it bases in the practical of this science. Considering the actuals challenges of development in the world and our multiple cultural differences, both methodologies can contribute for an established future education in dialogue, aiming to understand the scientific practice going beyond the naive or official of scientists’ conscience and of science’s institutions, to deepen the consensual dialogue of our conflicts. Word-Key: Damages, Crisis, suspension judgment, Ruptures, scientific Revolution, Method, Paradigm, hermeneutic Circle, Text alteridade, extraordinary Science, Understanding, Universality. Tema: Duas visões filosóficas da Metodologia de Investigação Científica Universal em Hans Georg Gadamer e Thomas Samuel Kuhn. RESUMO A época contemporânea é considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um novo paradigma, que altera os princípios tradicionais do progresso científico, levantando assim, problemas dramáticos e novos desafios epistemológicos. Gadamer, preocupado com a verdade e determinação do método universal, à luz da ciência da hermenêutica faz recurso ao círculo hermenêutico para a construção de um diálogo com o objecto da reflexão visando compreendê-lo. Kuhn, preocupado pelo progresso da ciência, questiona os dogmas positivistas consagrados, e procura ver a ciência, não tanto, como o acúmulo gradativo de novos dados gnosiológicos, e sim como um processo dialéctico marcado pelas revoluções do pensamento científico, cujas revoluções são o momento da desintegração do tradicional numa disciplina, forçando a comunidade de profissionais a reformular o conjunto de compromissos em que se baseia a prática dessa ciência. Considerando os desafios actuais do desenvolvimento no mundo e as nossas múltiplas diferenças culturais as duas metodologias podem contribuir para uma educação futura baseada no diálogo, visando compreender a prática científica para além da consciência ingénua ou oficial dos cientistas e das instituições de ciência, para aprofundar o diálogo consensual dos nossos conflitos. Palavras-Chaves: Pré-juízos, Crise, suspensão do juízo, Rupturas, Revolução científica, Método, Paradigma, Círculo hermenêutico, Alteridade do texto, Ciência extraordinária, Compreensão, Universalidade. Introdução Este artigo sublinha a importância da metodologia científica no desenvolvimento do conhecimento e sobretudo a asserção de que o seu domínio deve integrar a bagagem cultural e científica aos estudantes de metodologias nas diferentes formações universitárias e por outro, ajudar aos estudantes que se encontram em plena fase de elaboração de trabalhos de investigação a ver os seus propósitos mais facilitados. Na era moderna, a ciência ocupava um lugar igual ao que antes fora ocupado pela religião na era medieval, e nenhuma outra forma de consciência adquiriu tanta importância como a ciência no século XX. Desde a primeira sistematização da ciência, efectuada por Aristóteles “in Oganon”, o conhecimento admitido como certo ou científico é aquele que possui critérios de validação. Parece razoável supor que, na pós-modernidade nos encontramos em momento de crise paradigmática da ciência, cujo cume temático surgiu nos finais do século XIX, com as polémicas metodológicas entre as concepções objectivistas-racionalistas e subjectivistas-relativistas, fruto dos desenvolvimentos desarmónicos entre as ciências da natureza e as ciências sociais, cuja situação não aparenta ter a solução no horizonte próximo; por isso, o artigo objectiva-se a identificação de um método universal, aplicável a todos os ramos do conhecimento humano. Para o efeito, há dois discursos protótipos do tema, por um lado, Gadamer que preocupa-se essencialmente pela verdade e a determinação do método universal, à luz da ciência hermenêutica e por outro, Kuhn preocupado em questionar os dogmas positivistas consagrados, e a ver o progresso, da ciência não tanto como o acúmulo gradativo de dados gnosiológicos, e sim como um processo dialéctico marcado pelas revoluções do pensamento científico, ou seja, como é que percorrendo vias diferentes ambos resolvem o mesmo problema? Entretanto, devemos, afastar-nos desde já, de qualquer pretensão neo-positivista do método ao longo deste trabalho. Gadamer e Kuhn elaboraram as suas epistemologias a partir dos problemas levantados no confronto dialéctico entre as ciências naturais e as ciências sociais em relação ao progresso científico. Ambos procuram reformular a metodologia da ciência moderna, adaptando-a às suas concepções filosóficas, como respostas à actual conjuntura histórica, cultural, social, que resulta do estatuto da ciência na pós-modernidade, cujos princípios são de alcance e dimensão universal e, sobretudo, pelo facto de Gadamer completar a Kuhn no que tange ao fim da tradição. Considerando os desafios actuais do desenvolvimento no mundo e as nossas múltiplas diferenças culturais as duas epistemologias podem contribuir para uma educação futura baseada no diálogo, visando compreender a prática científica para além da consciência ingénua ou oficial dos cientistas e das instituições de ciência, com vista a aprofundar o diálogo dessa prática com as demais práticas de conhecimento de que se tecem a sociedade e o mundo. 1. O método hipotético-dedutivo Karl Popper teorizou amplamente sobre a eficácia do método dedutivo a partir de críticas à indução, cuja justificação é infundada, pois o salto indutivo de “alguns” para “todos” exigiria que a observação de eventos isolados atingisse o infinito, o que nunca poderia ocorrer, por maior que fosse a quantidade de factos observados. Se considerarmos a seguinte proposição clássica, por exemplo: “todos os cisnes são brancos” seria necessário verificar cada cisne particular possível, do presente, do passado, e do futuro, porque na realidade, a soma dos casos concretos dá apenas um número finito, ao passo que o enunciado geral pretende ser infinito (POPPER, 1934: 56). A outra crítica de Popper à indução cai invariavelmente no apriorismo, ela parte de uma coerência metodológica por ser justificada dedutivamente. A sua justificação indutiva exigiria o trabalho da sua verificação factual. Isto significa cair numa petição de princípio, ou seja, apoiar-se numa demonstração sobre a tese que se pretende demonstrar. Popper entende que as observações investigativas, resultam de uma teoria formulada previamente, pois o investigador tem para a teoria está tão arreigada que a minha recusa em aceitá-la é muitas vezes recebida com incredulidade… Mas a crença de que é possível principiar com observações puras, sem serem acompanhadas por algo que tenha a natureza de uma teoria é uma crença absurda… (POPPER, 2008: 73). Nesta perspectiva, a tarefa do cientista não seria efectuar, como pretendem os indutistas, séries de observações para depois se propor uma hipótese ou formular uma teoria, mas sim, propor conjecturas ou hipóteses ousadas e em seguida refutá-las por meio de testes dedutivos. A lógica de Popper é simples: se uma conjectura implica certas consequências observáveis e se estas consequências são refutáveis, então a conjectura pode ser eliminada. 1.1. Etapas do método hipotético-dedutivo em Popper O método científico inicia com um problema (P1), ao qual se faz corresponder uma solução provisória através de uma teoria-tentativa (TT), passando-se depois a criticar a solução, tendo em vista a eliminação do erro (EE). Este processo, na procura permanente da contradição – dialéctica, entra no processo de auto-regeneração dando lugar a novos problemas (P2). Popper resumiu este raciocínio na seguinte fórmula: P1……….………TT…………………EE………………P2 A hipótese (teoria) não supera os testes, então estará falseada, refutada, exigindo que haja lugar a uma nova reformulação do problema e da hipótese. Por sua vez, caso supere os testes rigorosos, então, estará corroborada, ou seja, a hipótese está confirmada (embora não definitivamente, como defendem as proposições indutistas). Popper, defende as suas teses citando Einstein, sobre a caracterização das ciências empíricas, escrevendo: “na medida em que um enunciado científico se refere à realidade, ele deve ser falseável; na medida em que não é falseável, não se referirá à realidade. 1.2. Esquematização da proposição de Karl Popper. Como se constata, esta perspectiva de investigação considera a atividade científica como um empreendimento teórico desde o início até ao fim: observação, experimentação, técnicas e métodos, hipóteses e conceitos são concebidos em termos de feedback para a teoria e esta permitirá explicar a realidade. Uma teoria só é considerada verdadeira até ser refutada, ou seja: Por “melhor” teoria eu refiro-me a uma das teorias concorrentes e sobreviventes que tenha o maior poder explicativo, simplicidade e conteúdo e que seja o menos ad hoc possível. Terá ainda de ser a teoria melhor testável, mas a melhor teoria neste sentido não precisa de ser sempre a teoria melhor testada (POPPER, 2008: 419). 1.3. As controvérsias a volta do método entre Popper e Kuhn Para Laudan (1999: 39) um programa de pesquisa é progressivo se “a teoria conduzir à descoberta de factos novos até então desconhecidos”; ao contrário, é regressivo ou pseudocientífico se a teoria deve perseguir os factos. Contrariamente ao que sustenta Popper, a diferença não está no facto de que alguns ainda não foram refutados, enquanto outros já foram refutados. Mas se tivermos dois programas de pesquisa Ora, as principais correntes epistemológicas, relativas ao estudo do método científico, a despertar a atenção dos estudiosos no século XX, foram principalmente aquelas propostas por Karl Popper em “Conjecturas e Refutações” e Thomas Kuhn em “A estrutura das revoluções científicas”. Entretanto, são muito divergentes quer nas suas conclusões, quer nos itinerários das abordagens, porque focalizam o método científico através de prismas diferentes. 2. Apologia da metodologia de investigação científica emergente em Gadamer e Kuhn Quer Gadamer, quer Kuhn preocuparam-se pelo processo de formação profissional dos cientistas, em alguns trechos, parecem opor-se ao progresso científico do que em promovê-lo, e constataram que certas teorias não são aceites aquando da sua publicação, senão mais tarde, devido a inércia do paradigma… (KUHN, 2007: 147). Daí que, a mudança ocorre não apenas, pela aderência ao paradigma, mas sobretudo, pela morte dos velhos, conservadores comprometidos com o paradigma. O que corresponderia à necessidade da distância temporal em Gadamer (1999: 439) e se por exemplo: eu não consigo desfrutar a beleza de uma palhota enquanto estiver junto dela, isto implica que, devo ter uma distância geográfica, que em relação aos factos Gadamer chama de distância científica, hermenêutica. O desenvolvimento de uma ciência em Kuhn pode processar-se em duas vias: na primeira uma sequência de fases que ciclicamente, vão se repetindo seguindo determinado paradigma que tem orientado os trabalhos de uma comunidade, ou os preconceitos culturais – “hábitos, costumes e práticas tradicionais da comunidade”, se quisermos no sentido afro-ameríndio (ORUKA, 1997: 48). É neste contexto que Gadamer apela o respeito à autoridade da tradição e reabilita o conceito romântico da tradição de Roger Bacon, respeitar a autoridade da “tradição” não significa, submissão ou passivismo na compreensão do passado (ROCHA, 2003: 27). A autoridade da tradição, depende do conhecimento racional ou tomada de consciência crítica para a sua adesão produtiva, num diálogo livre. Também achei interessante o contributo do Professor Ngoenha (1993: 105): “para os africanos, toda a teoria que não tenha em conta a tradição é inconsciente, uma vez que refutaria a única coisa que a África tem de particular”. Mas Kuhn constata, não obstante, laborar em ciência normal, em algum momento a crise pode instala-se. “Há determinados problemas insolúveis no quadro do paradigma, enigmas e erros sistemáticos ocorrem, é o período de revolução paradigmática em que com maior ou menor dificuldade, ao fim de um período mais ou menos longo, acaba por se impor um novo paradigma” (KUHN, 2007: 147). Quanto a segunda via de pesquisa para Kuhn (2001: 217) trata-se da verdadeira revolução científica onde tudo muda, porque o investigador não segue os paradigmas consagrados dentro da comunidade científica para a resolução de quebras cabeças durante a crise de paradigma. Para muitos epistemológicos esta posição é polémica por ser difícil investigar sem seguir paradigma, (Cfr. Kuhn, 2007: 168s) por isso, seria uma pesquisa anárquica em Paul Feyrabend, enquanto para Gadamer é o apelo à suspensão de juízo, a epoché. Assim, podemos inferir que o discurso normal que é epistemológico e o discurso anormal – hermenêutico, é pensado no seguimento da distinção de Kuhn entre a ciência normal e a ciência revolucionária, então há muita coincidência entre Gadamer e Kuhn. E se, o processamento do conhecimento científico contemporâneo valoriza no seu todo, as micro-narrativas, que é um discurso anormal, incomensurável – senso comum, então Gadamer e Kuhn foram astrólogos. A tabela a baixo ilustra os esquemas circulares da progressão da ciência elaborados por Gadamer e Kuhn: por um lado, Gadamer (1985: 230) assumiu o “círculo hermenêutico ” de Martin Heidegger, seu mestre e recebeu a ideia de “epoché ou redução fenomenológica” a partir de Hedmundo Husserl que aplicava o conceito fundamental da fenomenologia enquanto ciência rigorosa, equiparando assim, à metodologia das ciências da natureza, quer dizer, ciência voltada para a coisa como ela é, através da suspensão do juízo, e por outro, Kuhn herdou o esquema do progresso científico de Ludwick Fleck . As fases do esquema do progresso científico de Kuhn. As fases do círculo hermenêutico de Gadamer Identificação de um paradigma Elaboração de um projecto prévio e da sua reelaboração, num processo de contínua revisão. Uso do método fenomenológico Labor em Ciência Normal O sujeito tende compreender o texto a partir dos seus preconceitos, seus aprioris ou suas circunstâncias existenciais segundo Ortega & Gasset. Crise do Paradigma/ anomalias epistemológicas/ ruptura epistemológica. Inadequação da interpretação ao texto original ou da alteridade textual/ objecto. Fracasso das tentativas de compreensão do texto. Tarefa hermenêutica é infinita e possível. Revolução Científica/ Ciência extraordinária/ Anarquia epistemológica. Suspensão de pré-juízo “paradigma” é a fase pré-paradigmática, durante a qual os fenómenos são investigados à luz de concepções distintas que conduzem à modelos teóricos muitas vezes antagónicos, não só no modo de interpretar esses fenómenos, como também, nas previsões que fazem acerca de outros fenómenos. Aquisição do novo paradigma Compreensão e Interpretação fiel do objecto Labor em ciência normal Fim do círculo hermenêutico As duas epistemologias articulam-se na medida em que, para Gadamer a tradição situa-se, a um nível de inteligibilidade, isto é, a tradição dá lugar a um progressivo aumento do conhecimento em Gadamer, diferente das revoluções científicas de Kuhn, em que a tradição implica a dissolução de um paradigma para dar lugar a outro, quer dizer, as teorias regressivas não são interessantes para o progresso científico (ROCHA, 2003: 27). É neste contexto que julgamos que a metodologia de Gadamer completa a de Kuhn no que tange ao fim da tradição. 3. A Demarcação científica O problema central da metodologia é a demarcação científica entre o que é científico e o que não pode ser ciência. Dilthey (1964: 36) em 1900 entende que: “entre as ciências da natureza e as ciências do espírito, há uma separação que traz consigo uma dicotomia metodológica, na medida em que dar explicações dos fenómenos é uma tarefa própria das primeiras, assim como compreender os eventos humanos é a função das segundas”. Não obstante, a questão da ciência não é o método, mas a realidade (DEMOS, 1995: 10) Uma vez que a realidade não é evidente, e nem há coincidência completa entre a ideia que temos da realidade e a própria realidade. Para Widelbande (REALI, 1991: 641) a diferença entre as ciências nomológicas e Ideográficas é objectual, e não metodológica, porque pode-se aplicar quer o método positivista quer o compreensivo no estudo de umas e das outras. A génese do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt em 1920, por exemplo, está ligada a pretensa racionalidade científica, para Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Walter Benjamin a ciência havia se tornado desconectada da realidade social, servindo unicamente como um instrumento das classes dominantes para a manutenção do status quo, daí a necessidade da teoria crítica – multidisciplinar. E uma segunda geração de teóricos críticos surgiu na década de 1960, reafirmando a necessidade de um método científico capaz de emancipar o ser humano dos “grilhões ideológicos” impostos pela moderna sociedade captalista. Liderados por Jürgen Habermas cuja proposição principal asseverava que as ciências físicas seguem uma lógica objectiva, enquanto as ciências humanas deviam seguir uma lógica interpretativa – uma vez que a sociedade e a cultura baseam-se nos símbolos. Para Habermas (1982: 110ss) o pensamento crítico aplicado às ciências sociais é fundamental, pois pode proporcionar a superação da falsa dicotomia entre o “saber” e o “fazer”, a ciência e a sociedade. Negando tanto a objectividade como a neutralidade da ciência, Habermas propõe uma prática científica intervencionista na realidade social, para ele, o cientista social não devia reduzir o seu trabalho apenas à elucidação teórica – era necessário que ele se engajasse ativamente na transformação da sociedade. Entretanto, Habermas tem seus deméritos, por exemplo: este artigo que era, um conhecimento particular, a partir desta intersubjectivação com quem é suficientemente masoquista para ler, doravante será uma metanarrativa, ora, Lyotard peca por negar consenso num discurso intersubjectivo na linguagem de Castiano (2010: 189). Pois para Lyotard o fim é o dissenso ou paralogia. Quanto a Habermas falha por ser extemporâneo enquanto oposto à orientação para multiplicidades de meta-argumentações finitas, numa relação sujeito – sujeito e não, sujeito objecto, isto é argumentações que incidem sobre meta prescritivos e que são limitados no espaço-tempo. A ideia de saber de Lyotard, Gadamer e Kuhn não é algo unitário, estável, garantido, mas é flexível, local mutável… conforme à livre actividade da mente humana. É sempre mais fácil dizer o que não seria ciência. Simplificadamente, não são ciência a ideologia e o senso comum. Mas não há limites rígidos entre tais conceitos, pelo que aparecem sempre mais ou menos misturados. A ciência está cercada de ideologia e senso comum, não apenas como circunstâncias externas, mas como algo que está já dentro do próprio processo científico, que é incapaz de produzir conhecimento puro, historicamente não contextuado. Na imagem de um contínuo interpenetrado, poderíamos visualizar assim: Senso-comum Ciência Ideologia O critério de distinção do senso comum é o conhecimento acrítico, imediatista, crédulo. O homem vulgar “sabe” por exemplo: de inflação, mas seu conhecimento é diferente do daquele do economista, que é capaz de elaborar uma teoria da inflação, discutir causas e efeitos. Pode-se colocar no senso comum modos ultrapassados de conhecer fenómenos ou também crendices sem a suposta base científica. O camponês tem seu método de previsão de chuva, ligado a insinuações que considera indicativas, como certo comportamento de um pássaro; o meteorologista orienta-se por indicadores bem diferentes. O senso comum é, assim marcado pela falta de profundidade, de rigor lógico, de espírito crítico, mas não possui apenas o lado negativo, a começar por ser o saber comum que organiza o quotidiano da maioria. O lado mais positivo do senso comum é o bom-senso, entendido como saber ao mesmo tempo simples e inteligente, sensível ao óbvio. Mas, diante da ciência é considerado como postura deficiente e, no extremo, a própria negação dela. O critério da ideologia é o seu carácter justificador de posições sociais vantajosas. Enquanto o senso comum está despreparado diante de uma realidade mais complexa do que imagina a sua visão ingénua, a ideologia é intrinsecamente tendenciosa, no sentido de não encarar a realidade assim como ela é, mas como gostaria que fosse, dentro de interesses determinados. Para deturpar a realidade de acordo com seus interesses, a ideologia usa de instrumentos científicos, no que pode adquirir extrema sofisticação. Pode chegar à mentira, quando não só deturpa, mas inverte os factos, fazendo de versões, factos. Conclusão As duas epistemologias de Gadamer e Kuhn rejeitam a metodologia moderna da percepção acumulativa e linear da ciência, tal como queriam Francis Bacon, Descartes, Gaston Bachelard, Popper etc., Gadamer e Kuhn fazendo alusão ao senso comum, pré-conceitos e a tradição – autoridade científica, têm operado as devidas actualizações e reabilitação da realidade sócio-científica contemporânea. Para Feyerabend, metodólogo anárquico pós-moderno, o melhor empirista é aquele que produz mais teorias metafísicas, tanto para detectar factos, que possam contradizer uma teoria imperante, como para maximizar o conteúdo de uma teoria. Ambas epistemologias coincidem e completam-se, no exercício do método, o momento mais gratificante do labor científico, com efeito, o espaço da metodologia é a pluralidade. Gadamer e Kuhn na senda da metodologia emergente, cultivam a ciência com espírito humanístico para a educação baseada no diálogo numa relação de sujeito-sujeito e sujeito-objecto, assim sendo, elas podem contribuir para superar a aplicação da metodologia dominante no dizer de Santos (1989: 78) porque ela não foi capaz de melhorar as condições da vida humana, tendo causado sérias catástrofes: ecológicos, bélicos, sócio-económicos etc. Neste contexto, todo o saber deve perspectivar os saber-fazer, estar e ser, atitudes em que assenta e se compreende a necessidade do saber-investigar, sendo que esta competência pressupõe igualmente a assunção de um espírito científico, enquanto atitude ou disposição subjectiva do investigador, que procura soluções sérias com métodos adequados, em qualquer que seja seu objecto de pesquisa. Bibliografia Castiano, P. José. Referenciais da Filosofia Africana, Em busca da Intersubjectivação. Maputo, Editora Ndjira, 2010. DEMOS, Pedro. 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