194 - Duas damas e um rei.

De Romano Dazzi

 

-  Serafina!.... Serafina!!!...

-  Não tem mais Serafina, aqui em casa, Alberto!

- Como não, Adelaide? Para onde ela foi? Vai me dizer que a mandou embora!

- Não querido. Oh, Deus, quanta paciência precisa ter com os homens! A Serafina foi embora, de sua própria vontade, dois meses atrás.

- Dois meses, e eu não fui avisado?

- De lá para cá,  já passaram três empregadas por aqui. Agora estamos com a Julieta, mas está em experiência, faz duas semanas.

- Ué,  mas porque nunca ninguém me diz nada?  Acontece de tudo, aqui,  e eu não fico sabendo. Pode até me nascer um filho, que não me contam!

- Bem Alberto, se for por isso, eu lhe asseguro, mando um cartãozinho, da próxima vez que isso acontecer. Por agora, não tem perigo. Mesmo porque quase não nos vemos, não é, amor? E para  termos um filho, precisaríamos, no mínimo, esbarrar um no outro.

- Pára com  estas ironias, Adelaide; não suporto a sua superioridade, o seu jeito de empinar o nariz.

- Ora, ora, quem está falando. O eterno ausente acabou de chegar e já está querendo dar  lições de moral!  

- Primeiro, eu não sou ausente. Estou sempre aqui, quando é  possível, e é você que me mantém  afastado dos problemas da casa e das suas soluções; segundo, não estou querendo dar lições de moral a ninguém. Estou só constatando o que acontece enquanto eu não estou e independente de minha vontade. .   

-Você não está vendo que é você mesmo que se afasta, com a desculpa do trabalho, dos compromissos sociais e sei lá do quê mais?

- É você que quer controlar tudo, quer resolver tudo sozinha, não dá chance nem de conversar!

- Eu,? Eu? Que grande bobagem. Nossa casa é aqui, você conhece o endereço, mas aparece só  “de vez em quando” , quando quer! 

- Pare de levantar a voz!

- Pare você, de dizer bobagens!

- Quer saber de uma coisa, Adelaide? Já fomos longe demais. Vou sair por aquela porta e só volto quando você vier me pedir desculpas!

- Já vai tarde, Alberto. E pode esperar sentado, porque não vai ser fácil eu lhe pedir desculpas; Ora, não fiz nada de mal, estou agüentando o peso da casa e da família,

Trabalho o dia inteiro, Não tenho um minuto de descanso.

- Eu também trabalho; sempre trabalhei; sempre dei duro. Este é um momento difícil, perde-se  muito tempo em conversas inúteis, antes que surja  uma oportunidade...

- Tenho certeza que está mentindo, Alberto . Eu não sei o que fica fazendo, de manhã até à noite, zanzando por aí.  Afinal, vender uma casa não deve ser tão difícil...

Ou você é ineficiente, e perde tempo demais, ou você esconde alguma outra atividade, da qual não quer falar. .

- Agora você me tirou do sério, Adelaide, você está duvidando de tudo. Diz que não sou honesto, nem capaz, sem  sincero. Você me ofendeu. Para mim, chega!

- É isso, estas são as suas soluções. Grita, esbraveja, bate a porta e desaparece!

 

- Bom dia , Julieta.Você viu como me trata agora esse boçal?

- Bom dia, Senhora! Sinto muito estar chegando em uma hora tão imprópria...Vi o senhor Alberto sair batendo a porta, e pensei logo que tinham tido algum tipo de desentendimento.

Estou cansada. Não quero mais vê-lo, a não ser no tribunal; vou pedir o divórcio e você vai ser minha testemunha...

- Eu, senhora? Eu não vi nada, não sei de nada; por favor ,senhora, tenha calma, sossegue um pouco, vou escutar tudo o que  quiser me contar, mas , eu lhe peço,  acalme-se. Quer um copo de água, um chá, um calmante?  

- Sim, Julieta, por favor, me dê alguma coisa que pare esta agitação!...

 

- OH! Alberto, o que faz aqui?

- Pensei melhor. Esta é minha casa; é você que tem que sair. Eu fico aqui.

 - Você está louco. Daqui não saio, de jeito nenhum. Saia você, se quiser; não entendo por que voltou....Saia já; imediatamente.

- Já disse: esta casa é minha e daqui não saio.

- Alberto você me deixa louca!...

- Que bom, Adelaide! É assim mesmo que você falava comigo cinco anos atrás!...

-  Não, não! Era outra coisa. Você era outro, eu era outra, toda a situação era diferente!

- Mas você gostava, e eu gostava. Não sei quando foi que saímos dos trilhos...

- Pára de falar bobagens; está me envergonhando diante da Julieta...

- Mas você hoje ficou louca outra vez; e eu gostei!

- Quem está louco, agora, é você, Alberto. Não raciocina mais.

- Olhe, Adelaide: você falou muita besteira, porque perdeu o fio da meada. E eu também, reconheço, deixei escapar os freios.  Mas acredite: estou trabalhando, e muito, sem olhar do lado, sem  esmorecer; se lhe parece que não lhe estou mais dando atenção,  é porque estou preocupado com o dia a dia....

- Eu também, Alberto, confesso que disse o que não queria e nem pensava. Mas o ciúme mexe comigo e não me deixa enxergar direito.....

- Vem aqui, amor,...Vamos tentar começar tudo de novo, quer?

- Sim, vamos tentar; mas me dê mais atenção, por favor; não se esqueça de mim.

 

Esperem, esperem, vocês dois!  Como fico eu nesta?

 

- O que quer dizer, Julieta?

 

- Quero dizer que primeiro fui trabalhar com o senhor Alberto; gosto muito do jeito dele e me apaixonei. Tentei me aproximar diretamente mas ele não me deu atenção.

Então pensei que poderia trabalhar aqui em casa; estaria perto dele e ele acabaria me notando.   Mas quando entrei aqui, vi como a senhora, dona Adelaide, era meiga, carinhosa, bonita; não pude deixar de gostar da senhora... e agora os dois se reconciliam e me deixam sozinha, na rua da amargura!....

 

- Puxa, que situação, Alberto! Acha que poderíamos pensar um pouco ? Encontrar, quem sabe, uma solução, mesmo que seja, digamos, pouco ortodoxa?

- Bem Adelaide: é um caso muito estranho; mas temos que refletir bastante;  não podemos deixar sozinha esta pobre moça. Ainda mais que ela é muito dedicada, honesta e.... bonitinha, não acha?