Doutrina jurídica: tópicos sobre Inquérito Policial

                                                     Márcia Belzareno dos Santos

                                                          [email protected]

 

                                         Um dos temas mais importantes do Processo Penal Brasileiro diz respeito à  instauração do Inquérito Policial. É ele que, em princípio, dá abertura a tudo que poderá vir a ser examinado e julgado.

                                         A instauração do inquérito policial, no Brasil,  é regida pelo art.5º do Código de Processo Penal:

 

                                         Código de Processo Penal – Decreto-lei 3689/1941

                                         art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

                                                 I – de ofício;

                                                 II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público,

                                                 ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver autoridade para representá-lo.

                                                 § 1º O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:

                                                 a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

                                                 b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de

                                                 convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos da

                                                 impossibilidade de o fazer;

                                         c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

                                                 § 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá

                                                 recurso para o chefe da Polícia.

                                                 § 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração

                                                 penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la

                                                 à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará

                                                 instaurar inquérito.

                                                § 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não

                                                poderá sem ela ser iniciado.

                                                § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a

                                                inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

 

                                         Como se pode notar, através da leitura deste artigo, o inquérito policial, nas infrações de ação penal pública, pode ser instaurado de ofício, mediante requisição do juiz ou do Ministério Público ou a requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

                                          Nesse sentido, não podemos nos esquecer de que o inquérito policial também pode ser instaurado a partir de notícias provindas de qualquer pessoa do povo, é o que permite a redação do § 3º, deste mesmo art. 5º CPP. Nesse caso, a autoridade policial, antes da instauração,  deverá conferir a procedência da informação trazida.

                                          Entretanto, devemos sempre estar atentos para os §§ 4º e 5º, ou seja, o § 4º diz que, na hipótese de ação penal depender de representação do ofendido, o inquérito não poderá ser iniciado sem que haja representação; e no § 5º, encontramos que se a ação penal depender de queixa do ofendido, o inquérito não poderá ser instaurado sem que haja o  requerimento do mesmo.

                                          Em outras palavras, os §§ 4º e 5º devem ser sempre foco de nossa atenção, pois se o Estado não pode deflagrar o processo em crimes de ação penal pública condicionada à representação, sem que haja a manifestação de vontade da vítima, através da representação, também não será possível ao delegado de polícia iniciar o inquérito, sem que haja essa mesma representação ou uma manifestação de vontade da vítima.

                                          Da mesma forma, nos crimes de ação penal privada, se o Estado, na figura do Ministério Público, não tem legitimidade para a ação penal, também não pode o Estado, na figura do delegado de Polícia, iniciar a persecução penal na Polícia, ainda em âmbito administrativo, sem que haja uma manifestação de vontade da vítima.

                                          Na verdade, há que se reconhecer que, nos crimes de ação penal pública condicionada à representação e nos crimes de ação penal privada, nada se pode fazer sem que haja a expressa manifestação de vontade da vítima.

                                          A máquina pública, tanto em âmbito administrativo quanto em âmbito judiciário deverá aguardar, passivamente, ou seja,  a iniciativa da vítima: a representação, nos crimes de ação penal pública condicionada; e o requerimento da vítima, nos crimes de ação penal privada.

                                        Sem que haja essa iniciativa da vítima, o delegado não pode instaurar o inquérito policial. Obviamente, podendo, por exemplo, lavrar o boletim de ocorrência, registrando o acontecido, verificar a procedência da informação, mas, de maneira alguma, poderá instaurar o inquérito. A partir da tomada dessas primeiras providências, restará  à autoridade policial apenas  aguardar a manifestação de vontade da vítima, se assim a mesma entender conveniente.

                                        Um exemplo bem didático e objetivo, trazido pela professora Ana Cristina Mendonça, em uma de suas aulas, é o caso de marido da vítima poder ou não representar quando a esposa tenha sido vítima de um crime de ação penal pública condicionada.

                                        E a resposta a esta indagação é  não. O marido não pode representar contra o(a) suposto(a) agressor(a) da esposa, pois a representação tem de ser realizada pela própria vítima. Excepcionalmente, poderá fazê-lo, somente se a esposa for incapaz e se o marido for o seu representante legal. Do contrário, a manifestação de vontade tem de ser expressa pela vítima do crime condiconado à representação.

                                       Vejamos um outro exemplo, também trazido pela ilustre professora, já citada: como ficaria a situação de um indivíduo preso em flagrante em um crime de ação penal pública condicionada, se a vítima não comparecer na delegacia para representar ?

                                       Sabemos que existem casos em que a vítima de estupro, por exemplo, ao ser socorrida, é levada a atendimento médico e, quando liberada, não retorna à Delegacia para representar, seja por medo do agressor  ou por  vergonha da sociedade, ou qualquer outro motivo.

                                        Nessas situações, o Delegado pode  lavrar o auto de prisão em flagrante, em um crime de ação penal pública condicionada à representação, sem que a vítima tenha comparecido para efetuar sua manifestação expressa de vontade?

                                        E a resposta a este questionamento também é não. Nesses casos, ainda que o criminoso tenha sido preso em flagrante, o delegado não poderá lavrar o auto de prisão em flagrante.

                                       Ocorre que, se o Delegado lavra o auto de prisão em flagrante, automaticamente e necessariamente  estaria instaurando o inquérito policial. E a autoridade policial não pode instaurar o inquérito em ação penal pública condicionada à representação, sem que a vítima tenha representado contra o suposto agressor. Sem essa representação, a prisão em flagrante seria absolutamente ilegal.

                                        Ainda em relação à instauração do inquérito policial, devemos lembrar também que ele pode ser instaurado por:

-        cognição coercitiva;

-        cognição imediata;

-        cognição mediata.

                                        A cognição coercitiva acontece quando o delegado de Polícia lavra o auto de prisão em flagrante. Uma das consequências imediatas de um auto de prisão em flagrante regularmente lavrado, como já vimos,  é o ato de instauração do inquérito. Em outras palavras, o auto de prisão em flagrante instaura o inquérito.

                                       Já a cognição imediata se dá quando a iniciativa de investigar é da própria polícia. O delegado fica sabendo  da prática de algum crime de ação penal pública incondicionada e instaura o inquérito, de ofício, que é a regra. É o pricípio da oficiosidade.

                                       Por último, na cognição mediata, por sua vez, a iniciativa da investigação parte de uma pessoa de fora dos quadros da polícia, como, por exemplo, do Ministério Público, ou de alguém do povo, ou da própria vítima, etc. Nesse caso, o delegado é provocado para a instauração.

                                      

                                       Por último, é bom lembrar que  o juiz, ao discordar do eventual  arquivamento do inquérito, aplicará o artigo 28 do CPP  e o remeterá ao Procurador Geral de Justiça:

                                             

                                              Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia,

                                                      requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de

                                                      informação, o juiz , no caso de considerar improcedentes as razões invocadas,

                                                      fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este

                                                      oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la,

                                                      ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a

                                                      atender.

 

                                                  Nosso objetivo, com essas breves palavras, foi a de trabalhar no auxílio aos acadêmicos de Direito, no sentido de complementar seus estudos em Processo Penal, abordando esse tema “Inquérito Policial” que, embora de natureza objetiva, muita controvérsia tem trazido à prática diária dos profissionais da área jurídica.

 

Referências:

ABREU Filho, Nylson Paim de. Vade Mecum. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

MENDONÇA, Ana Cristina. Processo Penal. Recife:CERS-Complexo Editorial Renato Saraiva, 2012.

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