DOUTORES DO DIREITO

 

 

A modéstia é algo que não combina adequadamente com a advocacia. Certamente que não falo de arrogância, prepotência ou como diriam alguns, pernosticidade e cabotinagem. Falo aqui de um profissional que, desde o primeiro momento que iniciou seus estudos estará fadado ou agraciado pelo fato de nunca mais parar de estudar, nunca mais poder se acomodar com o conhecimento já adquirido, sob pena de cair no ostracismo, na desatualização, na insignificância profissional.

O advogado é um profissional dedicado, que acredita nas verdades de cada um, que entende o ser humano da maneira mais nobre possível. Seja o mais vil dos criminosos, não se defende o indivíduo, mas os direitos do ser humano. Direitos que devem ser fielmente defendidos, pois, nas palavras de Montesquieu: “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça a justiça em todo lugar”. As pessoas que procuram os advogados, mais do que seus direitos, vão em defesa de seus interesses. E é neste profissional que encontram um aliado, um defensor, um verdadeiro amigo. Como no caso de Santo Ivo, padroeiro da profissão, conspícuo advogado que defendeu o moribundo processado pelo burguês que queria ser indenizado por esse, já que o mesmo havia cheirado sua comida. A defesa do patrono aceitou a indenização, mas, da mesma forma que o moribundo cheirou e não comeu, o burguês ouviu o som do chacoalhar das moedas e não as levou. Nem sempre quando se ganha se ganha e quando se perde se perde.

É comum ouvir histórias de profissionais do direito que nunca perderam uma causa. Certamente isso vai além da utopia, já que os direitos e interesses se adequam, nunca ninguém ganha ou perde tudo. Só o fato de a lide ter ocorrido, gera desgaste financeiro e psicológico. Na maioria das vezes, o interesse prevalece em relação ao direito. A sensação de alma lavada, de vitória, de conquista, garante ao litigante satisfação maior que a negociação finalizada.

Esse respeito, essa consideração oferecida e recebida pelos profissionais da advocacia é reconhecida há séculos através de privilégios a pretores e jurisconsultos romanos e muito antes por mediadores de regras de talião. Por vezes ouço o comentário que: advogado não é doutor, quem é doutor é médico ou quem fez doutorado. E, para minha indignação, muitas vezes dito por colegas advogados. Leigos e profissionais que acreditam ser o titulo de doutor, não a falsa modéstia saudável, o glamour e a pompa que circunda a profissão dos conhecedores do direito, mas, como dito antes, arrogância e prepotência.

Ocorre que boa parte das pessoas que procuram advogados, sentem-se protegidos em chamá-los de doutor. Acreditam que do outro lado da mesa está o profissional que vai acolher seus interesses e lutar por seus direitos. E é exatamente isso que ele vai receber do bom advogado, do bom doutor. Dentro deste prisma, Marquês de Pombal, poderoso ministro de Portugal ao tempo da colonização, promulgou um decreto determinando o título de doutor aos bacharéis de direito. Esse decreto teve validade até o Império brasileiro, quando em 11 de agosto de1837, Dom Pedro I fez publicar uma lei, em vigor até os dias de hoje, determinando em seu artigo 9º que: Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.” Entende-se aqui por lentes os professores catedráticos donos das respectivas cadeiras que lecionam.

Segundo a lei imperial, o título de Doutor é destinado ao bacharel em direito que cumprir o requisito estipulado pelo Estatuto da OAB que determina a necessidade de, além de preencher uma série de requisitos, ser aprovado em Exame de Ordem, para, só então, o bacharel em Direito poder ser considerado Advogado.

Portanto, legalmente falando, o Advogado, habilitado segundo o Estatuto da OAB, é Doutor.

Aos queridos clientes, e aqui falo por todos os bons advogados, podem nos chamar pelo nome, pelo sobrenome ou mesmo de doutor caso sintam-se melhor. A forma de referência, desde que respeitosa, não altera a responsabilidade profissional.

 

 

Lúcio Corrêa Cassilla

Advogado, especialista em Ciências Criminais e Pedagogo

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www.cassillaadvocacia.com