DOS LOBOS INTERNOS

Idanir Ecco[1]

 

O homem é a única criatura que precisa ser educada.

                                             (Immanuel Kant)

Raiva. Intolerância. Sectarismo. Fundamentalismo. Falso moralismo... e muitos outros “ismos” são passíveis de identificação em contextos próximos e/ou distantes de nossa vivência social. Sociedade raivosa! Uma das denominações que, sem constrangimento, podemos afirmar como um dos elementos identificadores dos tempos atuais.

Pessoas coléricas, intransigentes... sugestionam negativamente os ambientes que ocupam, mesmo que apressadamente. Em consequência disso, prosperam-se animosidades, antipatias, ressentimentos, aversões, indiferenças... de qualquer natureza.

Em contrapartida, preocupações e iniciativas com objetivo de superar práticas e indícios de malquerença estão e sempre estiveram em curso. Apelos à harmonia, à paz ressoam em livros, revistas, cartazes, filmes, jornais, púlpitos, teatros, ruas, praças... No entanto, constata-se, mesmo num simples noticiário televisivo ou radiofônico, por exemplo, que a repercussão não é proporcional ao clamoroso chamamento.

Sabedores somos que se há indicativos de uma sociedade raivosa é porque indivíduos que a compõe assim o são. Logo, a mudança na sociedade passa pela mudança em seus atores. Precisamos ser a mudança que ansiamos em nossos contextos! Todavia, indaga-se: qual estratégia será necessário implementar para atingir esse objetivo?

Aprendemos com o filósofo, educador Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira, que a educação transforma pessoas. E estas, sim, transformarão a sociedade. Mas, qual educação?

Encontro na sabedoria popular um lenitivo para a angústia perturbadora pontuada acima. Reescrevo, a meu modo, uma lenda, de autoria não declarada, que expõe uma das possíveis alternativas. Perspectiva individualista? Talvez! Porém, vale a pena refletir.

Conta-se que certo dia um avô, já idoso, foi procurado por seu neto, que estava com raiva de um amigo que o havia ofendido. E após ouvir atentamente a explanação rancorosa de seu neto, o sábio velhinho acalmou-o e afetuosamente prosseguiu dizendo:

- Deixe-me contar-lhe uma história!

Transparecendo um alto grau de introspecção e com voz aveludada, num tom mais grave, continuou:

- Eu mesmo, algumas vezes, senti muito ódio daqueles que me ofenderam tanto, sem arrependimento. Todavia, o ódio corrói a nossa intimidade, mas não fere nosso inimigo...

Fez uma pausa e exclamou:

- É o mesmo que tomar veneno desejando que o inimigo morra!!!

E resoluto confessou:

- Lutei muitas vezes contra esses sentimentos.

O neto atenciosamente ouvia as prudentes considerações de seu avô que com uma convicção contagiante afirmou:

- É como se existissem dois lobos dentro de mim. Um deles é bom. Não magoa ninguém. Vive em harmonia com todos e não se ofende. Ele só lutará quando for certo fazer isto e da maneira correta. Mas, o outro lobo, ah!, esse é cheio de raiva. Mesmo as pequenas coisas desagradáveis o levam facilmente a um ataque de ira! Ele briga com todos, o tempo todo, sem qualquer motivo. É tão irracional que nunca consegue mudar coisa alguma!

E com sua voz embargada de emoção concluiu:

- Algumas vezes é difícil de conviver com estes dois lobos dentro de mim, pois ambos tentam dominar meu Espírito.

Os dois, em silêncio, contemplaram-se reciprocamente. E neste ínterim o garoto olhou intensamente nos olhos marejados de seu avô e perguntou:

- E qual deles vence, vovô?

O avô esboçou um sorriso e respondeu paulatinamente:

- Aquele que, frequentemente, eu alimento mais.

Existe uma linha muito tênue que separa, no ser humano, seus elementos antagônicos, paradoxais, como por exemplo: a humanidade da animalidade. Por isso a figura do lobo é significativa, pois representa o grau de animalidade que pode capitanear nossas ações.

Todos somos convocados a promover o que existe de mais belo, bom e justo no homem e na mulher. Eis o dantesco desafio: reeducar o ser humano afim de que possa ressignificar suas ações numa perspectiva humanizadora e que contribua para desconstruir a sociedade raivosa que embrutece a todos.



[1]   Mestre em Educação UPF/RS e Professor da URI Erechim/RS. [email protected]