DONA FRANCISCA SENHORINHA DA MOTTA DINIZ E A PROPOSTA DE CIDADANIA PARA A MULHER REPUBLICANA EM "O QUINZE DE NOVEMBRO DO SEXO FEMININO"

 (1889-1890)

TATHIANE SOUZA FERREIRA


Resumo

 

Esse artigo se propõe a examinar nas páginas do jornal "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino" a concepção de cidadania desenvolvida por Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz como uma proposta de mulher republicana. No momento de transição de regime, a jornalista antes monarquista, acreditava ser a república o regime que abriria as portas para a emancipação feminina. Analisar os argumentos da criação da Escola Doméstica, seu conceito de educação e inclusão feminina inspirado nas concepções de igualdade e direito e o impacto das idéias favoráveis a cidadania feminina no novo regime republicano.

Palavras- chave: Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz. República. Escola Doméstica. Cidadania Feminina.

Abstract

 

 

This article proposes to examine the pages of the newspaper "The Fifteen November of Females" conception of citizenship developed by Dona Francisca da Motta Diniz Senhorinha as a proposed Republican woman. At the time of regime transition, journalist before monarchist, believed to be the republic's regime would open the doors for female emancipation. Analyze the arguments of the creation of Domestic School, his concept of education and inclusion of women inspired by the concepts of equality and freedom and the impact of favorable ideas of female citizenship in the new republican regime.

 Graduanda em História pela Universidade Estácio de Sá e este artigo foi desenvolvido como trabalho de Conclusão de Curso da disciplina Prática de Pesquisa em História.

Orientador: Wiliam Martins, professor do curso de História da UNESA - Madureira

1.0- INTRODUÇÃO

            Neste artigo, abordaremos a formação intelectual no Brasil do século XIX. Como não  havia entre nós, nesse período, uma esfera letrada capaz de se manter independente em relação às injunções do mundo da políticas. Dispostos às análises interessadas em contribuir para a história intelectual brasileira nesse momento, precisamos estar atentos também à dinâmica política, que na época era marcada por uma grande questão: o Brasil era uma exceção na América. Enquanto todo o continente era formado por Repúblicas, o Brasil ainda era uma Monarquia. Um dos objetivos desse trabalho é então, discutir a proposta de preparação de mulher cidadã, por parte de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, através de seu Jornal "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino" e pela Escola Doméstica, que direcionava às meninas sem distinção de classe e cor, a educação primária e também o ensino de todo o trabalho doméstico. Almejando questionar e discutir alguns procedimentos sobre os métodos, através das leituras  e as experiências adquiridas. Não podemos esquecer, que não havia no século XIX um sistema educacional parecido com aquele que temos hoje.

            Sendo apresentado como parte de um projeto de pesquisa, que mais tarde pretendo apresentar como um trabalho biográfico, uma tese de mestrado sobre Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, mesmo contra os padrões do seu tempo, era uma mulher consciente de suas necessidades e ambições e sendo ela, jornalista e editora de seu jornal,  abordava assuntos como: cidadania, o direito ao voto e a liberdade feminina. Um estudo sobre a formação da mulher republicana brasileira no final do século XIX.

              Nas páginas de O Quinze de Novembro do Sexo Feminino aconteciam manifestações em prol dos direitos femininos, do direito à liberdade e ser cidadão, no início do novo regime político na última década dos oitocentos. Esta documentação está organizada e devidamente mantida sob os cuidados do setor de periódicos da Biblioteca Nacional, que se encontra no centro da cidade do Rio de Janeiro. A análise desse material demanda de um procedimento metodológico apropriado e buscamos basicamente na obra de Newton Bignotto inspiração suficiente para o bom desenvolvimento dessa pesquisa. Onde o pesquisador sugere que, façamos uma análise sobre as correntes filosóficas que influenciaram nos escritos de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, no período de 06 de julho de 1889 (ainda como O Sexo Feminino) à 06 de dezembro de 1890 e que tiveram grandes proporções no meio intelectual e político, são elas: humanismo cívico, liberalismo e o positivismo, para adesão a causa da racional emancipação feminina. Podemos analisar em dois momentos: o período que antecede a proclamação da república, que nos permite traçar um parâmetro vertical nas relações entre os textos e as manifestações pró república  e também, uma análise horizontal dos fatos que levaram o desânimo da jornalista e educadora com os acontecimentos e a falta deles. Assim, investigar as relações desse objeto pós golpe motivado pelo discurso das concepções republicanas, em prol dos seus objetivos.

             É possível identificar o objetivo da elite cafeeira. Onde o Poder estatal é controlar todos os outros sub poderes, onde, produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos  que tem por papel, exorcizar-lhe os poderes e os perigos, disfarçando sua temível materialidade. (Foucault; 1970)

                Acreditamos que o procedimento metodológico escolhido é o ideal para nossa problemática. Entendendo, que a natureza do liberalismo como filosofia incluem regras para orientação de uma política democrática, estando ligada aos princípios de liberdade individual, de acordo com o que fora estabelecido ainda no século XVIII. Durante o período de transição política no Brasil de 1889 à 1890, demanda a realização de um estudo cuidadoso sobre o tempo histórico. Analisaremos o jornal em dois períodos; a fase monarquista e a fase republicana, com  "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino" como fonte e objeto responsável de difundir as idéias políticas e sociais de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz. Com fundo conceitual do liberalismo e conceitos fundamentados quanto ao racionalismo e a moralidade, seu olhar crítico e temos como alvo, o novo cenário político que se iniciava no Brasil. A efetivação do poder Republicano a partir de 15 de novembro de 1889, traz nas páginas do jornal os anseios e a preocupação da jornalista.

            A concepção liberal, inspirada na Independência dos Estados Unidos, seria o modelo que melhor representaria aos anseios de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, e aquele que legitimaria a mulher como cidadã capaz de tomar decisões para futuro de um novo país. Interessa-nos analisar, a sua proposta em prol da formação de uma identidade feminina nesse novo cenário político social do Brasil no início da república.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

"O nosso povo necessita de instrucção sufficiente para assim poder auxiliar o progresso de sua lavoura, de sua industria e de sua moralidade". (O SEXO FEMININO; 20 DE JANEIRO DE 1874).

             A necessidade de instrução em prol de um progresso econômico e intelectual  nas palavras de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, revelam seu desejo quanto a evolução não só da intelectualidade individual, mas também, a evolução dos  indivíduos para com os conceitos das novas concepções políticas que estavam se articulando no Brasil, o que segundo a jornalista nos deixariam a cargo da virtude de uma moralidade civil.

            Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, nasceu em São João Del Rey (MG). Filha de Eduardo Gonçalves da Motta Ramos e Gertrudes Alves de Mello Ramos. Mudou-se para Campanha da Princesa, cidade do Sul de Minas Gerais, que cresceu no cenário político e econômico da região após a decadência do ouro e foi uma das primeiras cidades que interiorizou a imprensa na província, assim como Varginha e Três Corações. Casou-se com o advogado José Joaquim da Silva Diniz, com quem teve duas filhas; Elisa e Albertina Diniz. Seu marido também exercia a função de tipógrafo e jornalista, sendo proprietário do jornal "O Mornarchista". Dedicada à educação, tornou-se a primeira professora da primeira Escola Normal na cidade de Campanha, chamava atenção nas páginas de seu jornal, seu desejo pela instrução e o conhecimento. (DICIONÁRIO DAS MULHERES DO BRASIL, 2000: 246)

 

2.0- DESENVOLVIMENTO

Vamos hoje tratar de uma matéria, que não está ao alcance de nossas força; mas o desejo de tornamos o nosso jornal digno do acolhimento de nossos assignantes, supéra os embaraços que se antepoem á nossa idéia em negocio tão importante. (O SEXO FEMININO; 20 DE JANEIRO DE 1874).

            A jornalista utilizava as páginas do periódico para assuntos do cotidiano e expressava a importância da leitura de jornais e livros em "O Sexo Feminino".  Associava bons costumes e civilidade sob o reflexo das "Luzes", uma leitura nociva à marcha para o progresso. Seu periódico atingiu a tiragem de 800 cópias, todas por assinatura, um reflexo ao grande número de periódicos e revistas que surgiram favoráveis às discussões sobre os direitos femininos.  De certa forma, eram discursos comportados, pois convinha a quem fazia parte de uma esfera dominada pelo pensamento masculino. O comportamento ainda tímido de Dona Francisca Senhorinha na fase monarquista de seu periódico, trazia, a necessidade de revisão no tratamento que era dado a mulher, como já havia colocado a escritora Nísia Floresta no ensaio “A Mulher”, datado de 1857. A escritora sugeriu ser a mulher; companheira dos momentos alegres e tristes, mas à ela dedicada, a educação necessária para que possa desempenhar seu papel de mulher ativa na sociedade.

             Ainda em Campanha da Princesa, o jornal  "O Sexo Feminino" alcançou a fama na corte. Podendo chamar essa fase de monarquista. Em 1875, transfere-se para o  Rio de Janeiro após falecimento de seu esposo. Com suas filhas, Albertina e Elisa Diniz, fundam o Colégio Santa Isabel para moças e graças ao bom conceito de ambas, o colégio logo alcançou prestígio. Tinha como colaboradoras, suas filhas e diversas senhores como fazia questão de mencionar na primeira página. O  jornal recebera de  Elisa Diniz Machado Coelho. Era jornalista e também a  autora do romance de folhetim "A Diva Isabella", publicado no jornal para entreter o público feminino, contando a de uma jovem cantora lírica, radicada na Rússia, que buscava prestígio não apenas por sua beleza latina, mas o prestígio também como profissional. O que podia a ser um estímulo para as leitoras, já que na época, os periódicos voltados para o público feminino se preocupavam enfatizar as qualidades e habilidades femininas. Sendo assim, o jornal alcançou a importante tiragem de 4 mil exemplares e dois importantes assinantes, o Imperador Dom Pedro II e sua filha, a Princesa Isabel (CONSTÂNCIA LIMA DUARTE, CNPQ).

2.1- A formação educacional feminina pela emancipação racional.

Um individuo sem instrucçao nunca será bom cidadão, porque ignorando  as regras de civilidade, desconhecendo os deveres, que impõem o ensino, util, moral e agradavel, involuntariamente, vai elle buscando o caminho do vicio, que depois o léva á perversão. (O SEXO FEMININO; 20 DE JANEIRO DE 1874)

             Com um discurso positivista, a jornalista alia o alcance da civilidade por meio da educação. Mesmo não fazendo distinção de gênero para a tal, seu posicionamento quanto educadora é de que apenas com boa educação um país poderia alcançar a moral e virtude necessária para ter cidadãos mais civilizados, de certo aos moldes europeus, que eram a referência da época. Partindo desse princípio, a educação oferecida à mulher, também traria ao Brasil o status por ela defendido e também o distanciamento de um futuro desmoralizado.  Mas, os recursos eram insuficientes, faltava vontade política em aumentar o contingente professores e também para a melhoraria dos espaços para práticas educacionais. Como solução para suprir a falta de estrutura pública, as escolas domésticas tinham essa função de educar mediante o pagamento dos pais, já que esses espaços não eram tão especializados como o Colégio Pedro II, andavam na contramão, já que o caráter "abrangente" das práticas educacionais por meio de decretos e leis não eram aplicadas, a educação tinha fronteiras e poucos tinham condições de recebê-la (NASCIMENTO, 2004, p. 95).

            Ainda no que se refere a educação. A influencia por idéias republicanas e os questionamentos a cerca do poder central trouxeram maior conotação para os conceitos de  liberdade e autonomia.  Aliados a essa concepção, o grupo que se colocara contrários a interferências sob a política e a economia contavam com muitas variantes.(CARVALHO, 1998, p.25) Essa novas concepções também chegaram a esfera do sistema de ensino público. A centralização evidenciava que a instrução tinha o papel de estabelecer o domínio da classe dominante, que era ociosa e acumulou riqueza através do trabalho escravo, uma aliada ao atraso industrial. Sendo assim, a educação permaneceria inorganizada  e anárquica, o que não impediu de continuar sendo um privilégio de poucos. (AZEVEDO, 1976, p.176)

"Foi a necessidade que demonstrou, desde a origem, a eficácia do grande princípio que embalde a força compressora do regime centralizador tem procurado contrafazer e destruir". (OS PROGRAMAS DO PARTIDO E O SEGUNDO IMPÉRIO; 03 de dezembro de 1878)

O manifesto republicano de 1870 mencionou não ser mais compatível com a soberania popular, o regime monárquico. Atitude essa que vislumbrava trazer a população para o centro das discussões políticas, tendo como referência a Revolução Francesa. Essa passagem do regime monárquico para o republicano no Brasil, foi seguida de discussões entre as concepções ou modelos de república que se formaram de acordo com a visão de cada um dos grupos. Cabe destacar que Benjamin Constant delineou em discurso o conceito de liberdade, o direito de ir e vir e de expressar opiniões. Explicando que a Liberdade dos Modernos procurava representatividade política e liberdade para tomar decisões. Um representante  escolhido conforme oa livre vontade de escolhas. Aquele que seria o mais indicado para falar em favor daqueles que lhe elegeram.  Esses conceitos também influenciaram os grupos formados por intitulados como: Liberais, Jacobinos e Militares. Insatisfeitos com o poder soberano de Dom Pedro II e a condição de ser o Brasil naquele momento, um país liberto de Portugal e amarrado a um Imperador, impedia a modernização, a evolução econômica e a conquista por seus interesses. (CARVALHO, 1998, p.27)

Destacamos então a  fase republicana do periódico de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, que vai de 1889 à 1896. Todo seu entusiasmo com a Proclamação da República. A mudança do nome do jornal para "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino" caminhava em direção a um novo momento e novas concepções. Assumiu uma postura mais agressiva nas páginas de seu jornal. A cidadania, o voto feminino, o direito à educação secundária em favor das mulheres e denúncias contra a educação insignificante oferecida às meninas, mostraram todo seu entusiasmo com o novo regime. Teve a chance de discutir na edição do dia 06 abril de 1890 a questão sobre o sufrágio feminino. Questão levantada pelo senador Manoel Alves Branco,  redigiu um artigo intitulado de "igualdade de direitos", onde afirma que as mulheres não queriam ser políticas, mas mereciam o respeito e gostariam de fazer parte das escolhas políticas do país. (REVISTA ACERVO HISTÓRICO, DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO, 2004)

             Não cabe neste artigo, uma análise sobre a existência de um movimento feminista no século XIX no Brasil mas sim, analisar a formação intelectual feminina através dos conceitos de liberdade e cidadania no final do século XIX e traçar um parâmetro entre as idéias difundidas por Dona Francisca Senhorinha da Motta, que deu novo título a seu periódico para "O Quinze De Novembro do Sexo Feminino" e intenção de um Projeto de Mulher Republicana e qual concepção republicana do período melhor representaria o projeto da educadora e jornalista.

            Desenvolvido através dos conceitos de cidadania, liberdade e igualdade acerca do final do século XIX, as concepções políticas que circulavam na época, levaram ao fim do regime monárquico. Procuramos no discurso da jornalista identificar nos discursos de Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, sua contribuição pela condição feminina ao voto. Um projeto de cidadania dentro no novo regime e assim, identificar a importância dessas idéias nesse novo tempo político, ainda que fossem mitigadas, mas que anos mais tarde, ajudaram para efetivação da mulher como cidadã no Brasil.

2.2- A Felicidade para Igualdade: as teorias de uma liberdade apenas como desejo.

            A pesquisa se debruçará em uma análise através das palavras Desejo e Felicidade. Através do papel de destaque no meio político social quando assumiu seu posicionamento em favor da República, Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, esforçou-se para incorporar suas idéias a realidade brasileira na época. Dentro de uma produção intelectual, buscamos embasamento nos trabalhos desenvolvidos por: Newton Bignotto; Quentin Skinner; José Murilo de Carvalho e Renato Janine Ribeiro, por um desenvolvimento de trabalho analítico no que se refere a postura mais agressiva da jornalista na fase republicana. A troca do nome do jornal para "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino", mostra que a fase monarquista, era o desejo, a paixão ainda tímida pela busca da felicidade, que ela acreditava estar próxima.

            Em análise as indicações de Renato Janine Ribeiro em seu ensaio sobre a Democracia Versus República, onde, nem todas as repúblicas são democráticas, temos como objeto de estudo, analisar o discurso político proposto pela nossa personagem diretamente engajado com as concepções e ações políticas do seu tempo. O historiador, ocupa-se da diferença das duas figuras de ordem política: republicana e democrática. Mesmo diferentes, mas dependentes, pois a democracia segundo o autor, carece da virtude republicana. Elas não se completam, mas juntas, temperam a paixão (desejo) e a disciplina.

            O desejo tem seu tempo, sua demora; paradoxalmente, ele surge apressado, urgente, porém toda tentativa veloz de traduzi-lo em outra linguagem se salda por fracasso. Ou saciamos, e aí a velocidade tem sentido, ou ele amadurece e se modifica, e aí há de respeitar um tempo, uma dilação. (RIBEIRO, 2000; p.7)

            A busca por novos contentamentos através do desejo denuncia segundo o autor o perigo em se tornar escravo das paixões, sinalizando com um dos perigos da democracia. Um acontecimento democrático no início da república no Brasil, esbarrava nas mais variadas concepções políticas que fizeram parte do golpe. A jornalista, que em seu tempo que desejava a liberdade racional e igualdade feminina, creditou a natural ansiedade por mudanças da época, no regime republicano, mas, como todo desejo tem seu tempo, ele não amadureceu conforme sua vontade e fez-se, a vontade do grupo que orquestrou o golpe. Para Renato Janine Ribeiro, para o alcance da felicidade (liberdade), o desejo precisa ser bem compreendido. Identificamos, que interesses particulares estavam entre os grupos, indo em direção contrária ao que se entende por virtude republicana. A jornalista, que se posicionou em favor do golpe de 1889 mudando o nome de seu Jornal para "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino", desejava um Estado na sua função de acolhedor. Para ela, daria a segurança e condições favoráveis para que pudessem se tornarem cidadãs e livres.   

                          O Seculo XIX caminha com profunda crença de um Colombo no coração e os olhos fitos de uma aguia no sol do futuro, em demanda de um novo mundo, de um novo Paraiso, onde a mulher hade ter o seu throno de honra e a sua radiante corôa de rainha, lançada não por mãos sacrilegas de um Alcibiades, mas pelas mãos sagradas da justiça e do direito, que são os verdadeiros soberanos, que hão de desthronizar os falsos réis que tem por throno a injustiça e a iniquidade, e por sceptro o despotismo. (O QUINZE DE NOVEMBRO DO SEXO FEMININO, 06 DE ABRIL DE 1890;  nº 14)

             O discurso da jornalista quanto a racional emancipação da mulher, trazia o pedido de justiça e igualdade e o abandono do modelo despótico de governar para homens e mulheres. Para o avanço, o país precisava aceitar os novos tempos e isso, faria do Brasil um país respeitado e rumo ao progresso. O conceito de liberdade discutido por Quentin Skinner a partir da perspectiva de Thomas Hobbes, coloca liberdade e licença para tomar decisões no mesmo âmbito. Segundo o autor, o conceito de liberdade perdeu sua essência a partir do momento que delegamos a alguém para nos representar. Deixamos de ser livres e a liberdade tornou-se um desejo. Portanto, Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, quando proferiu o discurso contra os "falsos reis", tem como aspecto central a falta de interesse político do novo regime. A república brasileira, ainda respirava o passado monárquico, confundido os agora cidadãos, ainda como súditos de um novo regime, ainda sem identidade e sem liderança.

          O que assegura às repúblicas com mais vida e uma saúde vigorosa e mais duradoura do que aqueles da monarquia é o fato de poder, dada a variedade e a diferença do gênero de seus cidadãos, se acomodar melhor e mais facilmente às mudanças do tempo. (NICOLAU MAQUIAVEL APUD BIGNOTTO, 2003 : p. 3)

            A preferência de Maquiavel pelo poder republicano foi objeto de trabalho para Newton Bignotto. Os estudos produzidos pelo teórico apontam que a república é um bem público, tendo  a virtude de uma república, segundo Maquiavel, seu sucesso através das virtudes cristãs. O bom governante, seria aquele que seguisse as práticas morais da religião, tornando seus governados em homens virtuosos. Para os teóricos Skinner, Baron e Bignotto, a disseminação republicana através da virtude, alterou os conceitos de liberdade, auto-governança e participação cívica. A liberdade foi um dos temas centrais e mesmo Maquiavel, forte defensor do regime, sabia das limitações quanto em ser livre dentro da república. Nesse caso, o papel social do homem não ficou bem definido, já que se trata apenas de uma concepção de liberdade, o que para Maquiavel, a expansão de liberdade era um modo de conduzir a vida. (BIGNOTTO, 2003; p.67)

              A condição humana não é a busca de exemplo através do passado como acreditavam os humanistas. A educação como forma de levar o homem ao sucesso futuro, como também acreditava Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, não é garantia de felicidade, mas sim, o homem impõe a si mesmo condições para sua sobrevivência. A educação é sem dúvida um caminho, não é o norteador, mas é um dos condicionantes de comportamento e como condicionar alguém. Dos três aspectos sistematizados por Hanna Arendt, destacamos a Ação. Esta é a vontade do homem de viver entre os seus semelhantes, dignificando seu caráter social, para que possa aprender a sobreviver. A educação que era uma das alegações da jornalista para a efetivação da cidadania às mulheres, não seria a única forma de se chegar a felicidade. Para Sócrates, o homem que nasceu apenas para comer, dormir e fazer sexo, não seria homem e sim um animal. A reivindicação por direito e justiça às mulheres por parte da jornalista, pode ser analisada através dessa frase, pois para ela, a mulher era digna de uma vida contemplativa, porque era capaz de refletir e agir durante o novo regime.

            A vida activa como acomodação, não explicava o papel do homem como cidadão. Em A Política, Aristóteles define o cidadão como aquele que é admitido na jurisdição e na deliberação, que tem riqueza suficiente para viver de modo independente na constituição da cidade e do Estado e nem pode ser o mesmo em todas as formas de governo. Portanto, para ser um cidadão é preciso participar no pode público e ter direito ao voto. Para Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz o poder republicano, não mais restringiria a liberdade de poder decidir e se faria justiça, através dos conceitos da virtude republicana, como a moral . Palavra muito utilizada pela jornalista desde a fase monarquista de seu jornal, "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino", trazia em suas páginas os anseios por justiça e direito após a Proclamação da República.

            José Murilo de Carvalho indica que os sinais de mudança vêm de fora e devem servir para renortear e não refazer a jornada. A justiça e o direito para Dona Francisca Senhorinha, não seriam o abandono das tradições, mas para a jornalista, representou a falta de interesse em enxergar que a mudança de regime traria a mudança, mas, que estariam em jogo interesses individuais. Sua reivindicação tinha caráter individual e, segundo o autor, a liberdade dos antigos não justifica o comportamento virtuoso e a moral da qual ela tanto expressa em seus discurso. O autor nos indica analisar as mudanças e dedicar à elas atenção especial, já que no século XIX, a construção de uma nação foi um dos grandes desafios e não fora diferente aqui no Brasil. A jornalista que discutia nas páginas de seu jornal a entrada da mulher na vida política, sem o rompimento com as tradições, sentia a dificuldade de se colocar no centro das preocupações, o direito a cidadania e justiça. Com base na idéia da formação da identidade nacional e liberdade republicana, segundo José Murilo de Carvalho, a combinação de interesses e virtude promoveriam o encontro do Estado com a sociedade, nos dá a noção de que o desejo de Dona Francisca Senhorinha, dependeria de um novo arranjo político para a definição do espaço destinado às mulheres no novo regime republicano. (CARVALHO, 2000; P.124)

3.0- CONCLUSÃO

                  3.1- : Uma breve interpretação do sexo feminino no Brasil no início da república.

            A partir das leituras realizadas sendo o jornal O Quinze de Novembro do Sexo Feminino a minha principal fonte de pesquisa para o desenvolvimento deste artigo. A jornalista apresentava sempre na primeira página do jornal, suas ambições e mesmo suas decepções com o novo regime e a vontade de ser voz para a aquisição de direitos para as mulheres. A voz que faria as mulheres lutarem por seus direitos e não ter suas vontades políticas a cargo dos homens.

            A esperança por mudanças no primeiro momento não aconteceu e nem mesmo a possibilidade pela ampliação da democracia. A República no Brasil se consolidou por um  insignificante de eleitores e sob a exclusão do de um movimento popular no governo.

            As disputas políticas e o conceito de liberdade no Brasil no início da república deixam claro que foram colocados seus interesses acima do bem comum. O Estado segundo Aristóteles, deve ser sujeito constante da política e do governo e a constituição política, não é senão a ordem dos habitantes que o compõe. Portanto, a mulher como habitante e componente desse Estado, deveria também exercer a mesma função dos homens, segundo a Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz.

            A utilização do jornal "O Quinze de Novembro do Sexo Feminino" como instrumento de valorização e liberdade, sendo para a jornalista, o interesse pela emancipação racional feminina menor que a necessidade pela sua cidadania, propunha para que a mulher deveria ter espaço e se adaptar ao novo regime político. Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, exercia nas páginas do jornal, um juízo de liberdade responsável, humanista em busca de autonomia, indo de encontro com o conceito liberal de desenvolvimento pessoal e social. A mudança de nome do seu jornal em 15 de dezembro de 1889, mostra que ela também havia se adaptado ao novo regime e o jornal, como parte integrante desse projeto, havia mudado em prol do desejo da jornalista, que contribuiu com sua intelectualidade para que anos depois a mulher alcançasse a liberdade de ação e participação efetiva na vida da sociedade brasileira.

 4.0- Bibliografia:

              4.1- Fontes Primárias

- O Sexo Feminino. Campanha da Princeza, 1873/74. Biblioteca Nacional,

Rio de Janeiro.

- O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. Rio de Janeiro, 1889/1890. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

             

               4.2- Bibliografia teórica.

- BIGNOTTO, Newton. Pensar a república - Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

- CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi - São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

- CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil - São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

- DIAS, Maria Odila Leite da. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX - São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

- LESSA, Mônica Leite e FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889) - Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2008.

- SCHWARCZ, Lília Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX - São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

- SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930 - São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

- SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrativo - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

- SKINNER, Quentin. Hobbes e a liberdade republicana - São Paulo: Editora Unesp, 2010.