O domingo chegou trazendo com ele um vento frio que corria pela ruela levantando nuvens de poeira e folhas secas espalhadas pelo chão. O outono estava no fim e os primeiros sinais de inverno já se faziam sentir.

     Rosália já estava na cozinha a lidar com a louça da noite anterior. O cheiro de café exalava pelo ar e as cortinas de renda da báscula da cozinha se balançavam ao sabor do vento que penetrava tímido pelas pequenas aberturas da janela.

    A galinha comprada no dia anterior já estava sobre a pia esperando para ser preparada. Rosália terminou de secar e guardar a louça e de imediato começou a preparar os temperos que usaria no preparo da ave. Em cima de uma tábua de carne juntou cinco dentes de alho, três colheres de sopa de sal e uma colher de café de pimenta do reino moída na hora. Amassou tudo com um garfo. Lavou bem a galinha, cortou em partes e colocou numa tigela.  Passou numerosas vezes, fazendo pressão, a mistura sobre a galinha, esfregou as mãos e misturou três colheres de vinho tinto massageando delicadamente as partes cirurgicamente cortadas da galinha. Deixaria descansando no tempero por aproximadamente duas horas para pegar gosto. Juventino, que acordara cedo naquele domingo, contrariando o costume de nesse dia levantar um pouco mais tarde, estava no quintal envolvido em cortar lenha para abastecer o velho fogão construído no alpendre anexo à cozinha. Ele mesmo o construíra, mas esporadicamente era usado. Mas hoje seria um dia especial e um bom arroz com galinha tinha que ser feito no fogão à lenha e numa panela de ferro. Ao mesmo tempo, o movimento da casa ia despertando Carol. A lenha estalando no fogão, palavras soltas voando entre as paredes caiadas de branco. A moça, que detestava acordar de repente, ainda se virava na cama, afundando o rosto no travesseiro. Mas a vida ia avançando sobre ela, assim como o mar fazia sobre a canoa, e hoje seria um dia especial. Levantou-se da cama como um robô e ficou parada um bom tempo. Depois espantou a preguiça, tomou um banho, arrumou-se, perfumou-se e se preparou para o dia que prometia ser um dos melhores da vida dela.

   Na cozinha o aroma do café misturava-se ao cheiro de lenha queimada e raios de sol inundavam o pequeno ambiente, formando uma imagem surreal, transcendendo a realidade do lugar.

       A panela de ferro já atingira a temperatura ideal submetida ao fogo crepitante do fogão à lenha. Rosália colocou seis colheres de óleo na panela, esperou esquentar e acrescentou duas colheres e meia de açúcar cristal deixando-o queimar bem. Em seguida jogou a galinha e deixou-a dourar na mistura de óleo e açúcar queimado. Virou os pedaços da ave deixando dourar por completo. Colocou três copos de arroz e mexeu bem. Completou com água deixando dois dedos acima da mistura. Corrigiu o sal e deixou cozinhar lentamente. Quando estivesse pronto salpicaria cheiro verde por cima. Serviria com uma salada de rúcula, tomate e cebola.

     Carol, banhada e perfumada, adentrou a cozinha, bebericou um gole de café e sentou-se à mesa. Hoje não iria fazer nada, pois não queria estragar suas unhas pintadas cuidadosamente na noite anterior. Também no dia anterior já havia preparado o doce de abóbora conforme sua mãe lhe ensinara. Cortou a abóbora em cubos de três cm. Desmanchou a cal em dois litros de água fria e despejou sobre as abóboras. Deixou descansar por duas horas. Escorreu e eliminou a água. Lavou os pedaços de abóbora em água corrente por três vezes. Colocou quatro xícaras de açúcar e a água em uma panela e levou à fervura, adicionou doze cravos da índia e um pau de canela.  Furou de leve os pedaços de abóbora para que absorvessem a calda e colocou-os na panela. Ferveu em fogo baixo para que os pedaços ficassem firmes, porém macios. Retirou-os com uma escumadeira e colocou em uma compoteira. Reduziu a calda até o ponto de fio e despejou sobre as abóboras. Deixou esfriar e colocou na geladeira.

     Achando que tudo estava conforme, deu mais uma olhada na arrumação da casa e sentou-se à varanda aguardando a chegada de Abel. O vento parara e um sol resplandecente pendurava-se no céu de azul intenso. Achava-se uma moça de sorte, pois naquele fim de mundo na certa não encontraria ninguém com quem pudesse manter um relacionamento sério. Já com dezenove anos ainda se conservava virgem, pois não achara ninguém ainda a quem entregar sua pureza. Nem beijo na boca havia experimentado. Conhecia pelas novelas e agarrava-se a imaginar qual seria a sensação de tal gesto tanto cantado em prosas e versos pelos poetas e cantores. Suas amigas falavam maravilhas desta sensação íntima e ela não saberia ao certo o que fazer quando esse momento mágico chegasse. Sentia a necessidade de estar ao lado de Abel, tocar seu corpo, alisar seus loiros cabelos, ouvir sua voz macia e aconchegante. Isto seria o amor? Na certa que sim, pois já não passava mais nem um minuto sem pensar naquele rapaz que inspirava sentimentos os mais contraditórios possíveis. Às vezes morria de amores, outras queimava em raiva e desespero por não tê-lo a seu lado.

Se isto não fosse amor o que seria então? Seria este o sentimento que levava tantos casais a unirem suas vidas, tantos crimes cometidos em nome dele, tantas páginas escritas sobre ele?